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França tenta barrar patrocínio externo de mesquitas

Desafio será em como substituir recursos por financiamento interno; religiosos recebem medida com controvérsia

Por Andrei Netto
Atualização:

O governo da França anunciou ontem, em Paris, a reformulação completa da Fundação para o Islã da França, que deverá ser dirigida por um ex-ministro do Interior, Jean-Pierre Chevènement. A instituição terá o papel de romper as linhas de financiamento estrangeiro para construção de mesquitas, centros de culto, obras sociais e salários para imãs para as comunidades muçulmanas da França. O desafio é como substituir os recursos por financiamento interno. 

O objetivo do governo é reduzir a influência de países como Arábia Saudita, Catar, Turquia e Egito, que nas últimas duas décadas assumiram a maior parte do patrocínio do Islã no país, ampliando também a presença de suas vertentes teóricas e políticas, como o salafismo e a Irmandade Muçulmana. 

Presidente francês, François Hollande, durante evento sobre a América Latina em Paris Foto: EFE|Bertrand Guay

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A Fundação existe desde 2005, mas jamais exerceu o papel para o qual foi criada - o de encontrar meios de subsistência de um Islã francês, financiado com recursos locais, sem ajuda internacional. Desde o início de seus trabalhos, a entidade foi atrapalhada pelo Conselho Francês do Culto Muçulmano (CFCM), que acabou por bloquear o funcionamento do mecanismo. 

Na semana passada, o governo de François Hollande decidiu tirar a instituição da gaveta, assim como o projeto de impedir, ao menos por tempo determinado, a chegada de recursos externos para financiar o desenvolvimento do Islã no país.

A decisão foi tomada após os dois últimos atentados realizados em Nice, onde 84 pessoas morreram no dia 14, e em Saint-Etienne-du-Rouvray, onde o padre Jacques Hamel foi degolado por uma dupla de jihadistas, no dia 26. Os dois ataques terroristas foram reivindicados pelo grupo Estado Islâmico (EI), que prega o fundamentalismo religioso. 

Pressionado pela oposição e pela opinião pública, Hollande decidiu intervir no financiamento de movimentos que não têm relação direta com o terrorismo, mas que pregam o fundamentalismo islâmico.

A decisão foi recebida com controvérsia entre líderes religiosos muçulmanos na França. Um dos motivos de insatisfação é que caiba a Chevènement, que não é muçulmano e foi ministro do Interior - ou seja, chefe da polícia e dos serviços secretos -, comandar a fundação.   “É um bom formato, um objeto plural, que tem relações adaptadas com a autoridade”, avaliou Marwan Muhammad, diretor-executivo do Coletivo contra a Islamofobia na França (CCIF), que, no entanto, vê na instituição uma tentativa do governo de controlar os rumos do desenvolvimento do Islã no país. 

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“É um meio de controle suplementar sobre a forma como os muçulmanos se organizam”, criticou, atacando ainda o nome escolhido pela presidência. “Que mensagem se quer passar? Que em um total de 4 milhões de muçulmanos não podemos escolher um.” 

Um dos desafios do governo é agora definir a fonte de recursos da fundação e as mobilidades de controle da chegada de doações do exterior. O primeiro tema é delicado porque a lei de 1905 que estabeleceu a separação entre as religiões e o Estado impede o financiamento público de cultos. 

Uma das hipóteses estudadas é a isenção de impostos sobre doações nacionais e o financiamento participativo, além de um imposto específico sobre produtos alimentares “halal”, voltados para a comunidade muçulmana.