Investigações sobre Macri e Cristina alteram xadrez político argentino

Com ações judiciais contra ex-presidente e participação do atual líder em offshores do Panamá, jogo da eleição para o Legislativo da Argentina no próximo ano fica mais complexo

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Por Rodrigo Cavalheiro , Correspondente e Buenos Aires
Atualização:

Cinco meses após a eleição que levou Mauricio Macri à Casa Rosada, o cidadão argentino interessado no rumo político do país passou a acompanhar as notícias do Judiciário. A transição acelerou processos contra Cristina Kirchner por lavagem de dinheiro, falsificação, fraude financeira e até um que contesta sua formação. Macri tem uma incômoda pendência: explicar seu nome na sociedade de empresas em paraísos fiscais.

Presidente Macri assumiu peso de medidas impopulares e Cristina Kirchner criou palanque para recompor base Foto: ENRIQUE MARCARIAN e MARCOS BRINDICCI / REUTERS

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 Embora seja impossível equiparar a situação de ambos em volume de ações judiciais e dinheiro investigado – em oito anos no poder, Cristina e líderes kirchneristas acumularam centenas de casos –, há um paralelismo político. Seus argumentos de defesa são repetidos pela militância em uma espécie de terceiro turno da eleição de novembro. Macri venceu então o candidato de Cristina, Daniel Scioli, por 51,3% a 48,6%.

O rumo das investigações determinará a imagem com que os dois principais líderes políticos do país chegarão à renovação do Parlamento em 2017. Se nenhuma das apurações ameaçar sua liberdade, é provável que Cristina dispute o mandato de senadora. “A questão judicial prejudica sua popularidade, mas não tanto quanto muitos supõem. Ela se mantém com 40% de aprovação”, diz o sociólogo e consultor Ricardo Rouvier. 

Convocada a depor em Buenos Aires no dia 13 de abril pelo caso que investiga a venda de dólares a preço mais baixo que o do mercado, no fim do seu mandato, a ex-presidente transformou o tribunal em palco de comício. Ela reeditou os discursos de mais de uma hora e mobilizou militantes da região metropolitana de Buenos Aires. 

“Ela ainda é a chefe em seu espaço político. Ao forçar uma exposição política após ser chamada pela Justiça, por um lado mostra que tem seguidores. Por outro, desafia as causas judiciais que tendem a desprestigiá-la e, talvez, colocá-la na prisão. Seus seguidores veem a ação da Justiça como uma agressão a ela e a sua gestão”, avalia Rouvier.

O desempenho kirchnerista na eleição parlamentar, que desenhará o cenário para a presidencial de 2019, será definido pelo sucesso do governo Macri na metade de seu mandato. 

O presidente tem testado sua alta aprovação – entre 50% e 60% – com uma série de medidas impopulares. Ao desvalorizar o peso em 30%, pressionou a inflação, que foi a 39% no acumulado dos últimos 12 meses. Também cortou subsídios em serviços públicos, o que aumentou contas de água, luz e gás em até 10 vezes. Tais riscos eram calculados, mas a repercussão da aparição de seu nome como sócio de offshores, duas delas citadas na divulgação de dados dos Panamá Papers, pegou o governo desprevenido. 

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O jornalista Jorge Lanata comandou as principais investigações contra o governo de Cristina, em um período em que o Judiciário sofria intimidações do kirchnerismo. A base do inquérito que levou à prisão do empreiteiro kirchnerista Lázaro Báez por sonegação e lavagem de dinheiro veio de seu programa, que mostrou que Báez venceu mais de 80% das licitações no período. 

Lanata considera que a reação de Macri à denúncia contra ele deu argumentos a kirchneristas para colocar ele e Cristina “no mesmo saco”. 

“No governo, sabiam dos Panamá Papers dez dias antes da divulgação oficial. E só avisaram Macri no dia. É uma loucura. Quando perguntamos por que, nos respondem ‘achamos que não teria tanto impacto’”, disse Lanata, que acusa o macrismo de ter pressionado jornais para não publicar a denúncia na capa. “Para o kirchnerismo residual, a empresa offshore de Macri torna Cristina inocente”, ponderou o jornalista.

Para Lembrar

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A investigação da morte do promotor Alberto Nisman, encontrado morto com um tiro na cabeça em 18 de janeiro de 2015, teve episódios insólitos. A promotora Viviana Fein, que comandou a apuração até dezembro, chegou a lamentar que não houvesse pólvora na mão de Nisman, indício de que ela “torcia” pela tese do suicídio.

Quatro dias antes de sua morte, Nisman havia acusado Cristina Kirchner de proteger, em troca de vantagens comerciais, iranianos suspeitos de um atentado contra uma associação judaica de Buenos Aires em 1994.

A chegada de Macri ao poder coincidiu com uma mudança no ritmo do inquérito. O comando da investigação primeiro saiu das mãos de Viviana e logo passou à esfera federal. Na quinta-feira, após meses de afastamento do caso, a promotora disse acreditar em suicídio induzido, pelo número de ligações entre espiões e integrantes do Exército horas antes de o cadáver ser encontrado.

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CASOS:

Dólar futuro

Cristina Kirchner voltou à política com um comício diante do tribunal a que foi chamada a depor pelo juiz Claudio Bonadio, em abril, pela venda de dólares no mercado futuro no fim de seu mandato. Para o magistrado, ela ordenou uma operação na qual o país perdeu R$ 18 bilhões ao negociar a divisa pelo preço oficial quando o valor de mercado para entrega este ano era 42% maior. O kirchnerismo respondeu com uma ação contra o Bonadio, alegando que o rombo ocorreu porque Macri consumou a desvalorização do peso e governistas lucraram com isso.

Rota do dinheiro K

Cristina foi denunciada pelo promotor Guillermo Marijuan, no dia 9 de abril, após uma delação de Leonardo Fariña, assessor financeiro do empreiteiro Lázaro Báez que descreveu uma operação para lavar dinheiro na financeira apelidada de “Rosadita”. Báez, que chegou a ganhar 80% das licitações na Província de Santa Cruz, berço dos Kirchners, tornou-se um dos maiores empresários do país. Preso em 6 de abril, ele negou as acusações que comprometeriam Cristina 

Hotesur

Cristina é investigada por indícios de lavagem e dinheiro. Quartos de hotéis de sua família em El Calafate, na Patagônia, foram alugados durante dois anos por 10 milhões de pesos (R$ 2,4 milhões) pelo empreiteiro Lázaro Báez, sem ocupação real. Segundo a deputada Margarita Stolbizer, autora da denúncia, a causa está ligada ao dinheiro da “Rosadita”.

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Los Sauces

Los Sauces é uma das sociedades dos Kirchners com operações imobiliárias da Austral, empresa de Báez. A declaração da Los Sauces ao Fisco não condiz com sua estrutura. Stolbizer apresentou denúncia por falsificação de documentos públicos.

 

Panamá Papers

Em 3 de abril, foi divulgada a participação de Mauricio Macri na diretoria de uma offshore nas Bahamas, a Fleg Trading, que existiu entre 1998 e 2009 e tinha seu pai, Francisco Macri, na presidência. O presidente argentino disse que não declarou sua participação na companhia porque nunca foi remunerado e o fim para o qual a empresa foi criada, formar uma rede de postos de cobrança no Brasil, não foi concretizado.

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