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Iraquianos de SP se preocupam com parentes em Bagdá

Por Agencia Estado
Atualização:

Os iraquianos de São Paulo, uma pequena colônia com pouco mais de cem imigrantes, passam horas na internet ou de olho na televisão, na expectativa de ouvir a qualquer instante a notícia de que os Estados Unidos iniciaram o ataque a Bagdá para derrubar Saddam Hussein. A apreensão aumenta à noite, a partir das 21 horas, quando já é madrugada no Oriente Médio, a hora em que os norte-americanos intensificavam os bombardeios na guerra de 1991. "Desde o mês do Ramadã, que aqui caiu em novembro, costumamos nos reunir com amigos em casa para conversar sobre a crise e trocar informações", disse o engenheiro Faisal Saleh Hussein. Hoje dono de uma empresa de engenharia, ele veio para o Brasil com a mulher, Najah, em 1982, depois de um ano na Inglaterra. Chegaram pensando em seguir para o Canadá, mas gostaram da terra e acabaram ficando. Seus dois filhos - uma moça dentista e um rapaz comerciante - cresceram e estudaram em São Paulo. Faisal e Najah têm irmãos, sobrinhos e primos em Bagdá, onde todos tentam levar uma vida normal, apesar dos riscos que correm. "As crianças têm muito medo, mas os adultos parecem ter se acostumado com a situação", observa o engenheiro, surpreso com a tranqüilidade dos parentes. "Eles só ficam acordados até tarde, para terem a certeza de que passou mais um dia", contou. Muçulmanos devotos, os Husseins rezam cinco vezes por dia para pedir a proteção de Alá. Em seu apartamento no Jardim Marajoara, em Santo Amaro, eles estendem o tapete no chão e curvam-se na direção de Meca recitando versículos do Alcorão. Rezam pela família e pelo futuro do Iraque, pensando no sofrimento que a guerra vai trazer. "Se cair uma bomba naquelas casas do centro de Bagdá vai morrer muita gente, principalmente crianças e velhos", prevê Faisal, imaginando bombardeios mais desastrosos que os da Guerra do Golfo. "O povo sofreu muito nesses últimos anos, não só com o bloqueio econômico, mas também por causa de doenças estranhas que têm aparecido", disse Najah, lembrando exemplos de jovens que morreram vítimas de males não diagnosticados. Faisal e Najah esperam voltar para o Iraque quando se aposentarem. "Bagdá é uma cidade agradável quando se pode levar uma vida normal", diz o engenheiro, sonhando com uma tranqüilidade que, no entanto, não consegue ver no horizonte dos próximos anos. "Os Estados Unidos farão qualquer coisa para controlar o petróleo daquela região", acredita Faisal. Outro iraquiano que também veio para São Paulo em 1982, durante a guerra de seu país com o Irã, o engenheiro eletricista Hissan Abud também acha que o presidente George W. Bush só está interessado nas reservas de petróleo do Oriente Médio. "Depois do Iraque, os americanos vão atacar o Irã, a Síria e o Líbano", acredita o engenheiro, dono de uma loja de material de construção em Santo Amaro. "Agora os Estados Unidos se voltam contra Saddam Hussein, que eles não têm o direito de derrubar, porque, se é bom ou ruim, o presidente é nosso, um problema dos iraquianos", afirma Hissan Abud, cuja família - três irmãs, um irmão e mais de 40 sobrinhos e primos - também vive em Bagdá. Todos sabem que estão correndo risco, mas não há o que fazer. Hissan, que se casou com uma brasileira e tem dois filhos - um rapaz de 18 anos e uma menina de apenas 9 meses -, pretende viajar em abril ou maio para o Iraque, para visitar os parentes. "Vou sem guerra ou com guerra, porque como muçulmano sei que meu destino está nas mãos de Deus e, portanto, nada tenho a temer", disse ele, convencido de que nada há a fazer, senão rezar. "Meus pais e minha irmã, que vivem em Bagdá, parecem mais tranqüilos que eu", observou a professora de inglês Taroub Nahub, uma iraquiana que emigrou para o Brasil em 1975, voltou a seu país e tornou a sair em 1982. Filha de um diplomata aposentado, ela estudou no Kuwait e na Inglaterra, onde se casou com um brasileiro. De família muçulmana, mas não praticante, Taroub diz que o Iraque viveu um movimento religioso forte nos últimos anos, talvez em conseqüência das guerras. "As mulheres começaram a se cobrir com véus, embora não seja obrigatório", disse a professora, comparando a sociedade iraquiana atual com a do tempo em que viveu em Bagdá. A aparente tranqüilidade de sua família, em sua opinião, se explica provavelmente pela experiência de 1991. "As pessoas estocam alimentos, cavam poços no quintal e protegem as casas com sacos de areia, mas não parecem apavoradas, porque acham que vai ser a mesma coisa", disse Taroub. Num dos últimos contatos com os pais, para quem telefona uma ou duas vezes por semana, ela se surpreendeu com a notícia de que muitos iraquianos estão voltando para Bagdá depois de terem fugido da cidade.

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