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Luzes da cidade

Comportamento e ação

“Donald Trump pode não ser bom para a América. Mas ele é danado de bom para a CBS.”,Leslie Moonves, CEO da CBS

Por Lúcia Guimarães
Atualização:

NOVA YORK - Um momento de sinceridade numa conferência de um banco de Wall Street produziu um truísmo para a eleição norte-americana. O CEO da rede de mídia, ao apontar o óbvio – a bonança de audiência trazida pelo candidato republicano – definiu mais do que o estado da eleição, o estado do jornalismo.

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A política brasileira ainda não produziu uma figura tão perigosa quanto Donald Trump, mas está ficando difícil ter confiança de que não chegaremos lá. A descoberta inicial que precipitou a Lava Jato pertence ao mundo da investigação judicial. Mas as revelações que a Lava Jato derramou sobre o Brasil levam à pergunta: como foi possível roubar tanto, por tanto tempo? É uma pergunta que nós, jornalistas, podemos fazer diante do espelho.

O fenômeno Trump é resultado do encontro do jornalismo profissional com um candidato que pisoteou todas as regras de comportamento do político profissional. Imagine um jornalista político veterano especulando com seriedade, há um ano, que Trump seria o candidato do Partido Republicano. Teria sido tratado com escárnio. Reformulo a hipótese: Imagine um jornalista político, há um ano, debruçado sobre o eleitor que segue Trump e não sobre projeções de pesquisas; ou quem tinha mais fundos – Jeb Bush; mais apoio evangélico – Ted Cruz; ou era mais bem talhado, por moderação, para a eleição geral – John Kasich.

Trump é apenas um caso do descompasso da cobertura política profissional com a política. Um certo senador do Estado do Illinois pegou a câmara de eco habitada por políticos e jornalistas de calças curtas em 2007. Não foi surpresa o fato de que, ao virar o candidato do establishment democrata, o ex-azarão Barack Obama passou sistematicamente ao largo do jornalismo político para dar seu recado e tentar controlar a mensagem em talk-shows, na rede social.

Quem não se deleita com o karaokê de Michelle Obama cantando Stevie Wonder no carro do anfitrião do talk-show da CBS? Hillary Clinton passou 200 dias sem dar uma coletiva, período no qual visitou o talk-show de Ellen DeGeneres duas vezes. Tudo isto é notícia e entretenimento, mas não informação. A mídia não é vítima desta tietagem, é cúmplice de uma ruptura que afeta a democracia e nos deu Donald Trump.

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Três críticos de mídia se reuniram, na semana passada, na City University of New York para falar apenas da cobertura a Donald Trump. Jeff Jarvis e Jay Rosen dão aula de jornalismo, Jim Rutenberg é o novo colunista de mídia do New York Times. A conversa de uma hora foi uma radiografia alarmante do que Rosen chama, com razão, de emergência cívica nacional, o avanço da candidatura de Donald Trump que tardiamente começa a ser desafiada pela imprensa.

Jeff Jarvis acredita que os Estados Unidos estão vivendo uma Primavera Árabe ao avesso. Se, em 2011, a rede social foi catalisadora de movimentos democráticos em ditaduras, hoje ela serve para uma democracia demolir um partido, o Republicano, e tornar os fatos irrelevantes. Jim Rutenberg notou a diferença entre as duas convenções, a democrata feita para a TV, a republicana feita para o Twitter.

É importante notar: Quem está no Twitter, muito mais do que no Facebook? Jornalistas. Trump continua desfrutar de propaganda eleitoral grátis. Quando ele mente no Twitter, a mídia, aflita por clicks, e para entrar no seu smartphone, tablet, ou na sua timeline no Facebook, repete a mentira expressando indignação ou hilaridade. Mas, o objetivo de acusar Obama de ter nascido no Quênia e fingir que vai descobrir a verdadeira certidão de nascimento, como fez Trump, em 2012, não é produzir uma revelação. É produzir energia, como numa detonação controlada. Como bem lembra Jay Rosen, só há informação na incerteza. Donald Trump é uma usina nuclear de incerteza.

Muito antes de Trump descer a escada rolante de seu prédio na Quinta Avenida e anunciar a candidatura, qualquer jornalista nova-iorquino bem informado sabia quanto ele é incapacitado para ocupar a Casa Branca. Mas esta informação não foi transmitida com a urgência necessária. Ele era “danado de bom” para a receita publicitária. O tratamento aos seguidores de Trump oscilou entre o paternalismo e o desprezo.

A conta chegou e ela vai ser paga com juros, não importa se Hillary ganhar a eleição por margem confortável. Não havia dois lados nesta eleição. Havia a complicada Hillary e um demolidor.

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No debate da semana passada, Rosen destacou o ponto cego do jornalismo político: a incapacidade de distinguir entre comportamento e ação. Na ânsia de parecer sabidos para o público, de mostrar que têm fontes no poder, jornalistas se circunscrevem a comportamentos, reações ao que julgam conhecer. Assim, continuam a ser atropelados por ações, seja na forma do Tea Party, de Barack Obama ou Donald Trump.