Criticado por Chile e Uruguai, Lula diz não ser possível que não exista democracia na Venezuela

Petista voltou a afirmar que Maduro e o chavismo são vítima de uma narrativa de que na Venezuela não existe democracia

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Por Felipe Frazão
Atualização:

BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a defender o regime de Nicolás Maduro na Venezuela, em entrevista coletiva após a reunião com países sul-americanos em Brasília nesta terça-feira, 30. A jornalistas, Lula disse não ser possível que não exista o mínimo de democracia na Venezuela. Mais cedo, o petista foi criticado pelos presidentes do Uruguai, Luis Lacalle Pou, e do Chile, Gabriel Boric, por dizer que Maduro e o chavismo são vítima de uma narrativa de que na Venezuela há abusos de direitos humanos.

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Questionado se não há nada de errado na Venezuela, onde a crise econômica levou 7 milhões de pessoas a fugirem para outros países da América do Sul, a hiperinflação dizimou a economia do país e Acnur e nmais de 7 mil pessoas foram vítimas de execuções extrajudiciais, Lula disse que não poderia dizer se havia problemas, porque a última vez em que visitou o país foi no velório de Hugo Chávez, morto em 2013.

“Não é possível que não tenha o mínimo de democracia na Venezuela”, disse Lula. “O chavismo disputou 29 eleições e perdeu duas.”

El presidente de Venezuela, Nicolás Maduro, a la izquierda, y el presidente de Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, finalizan una conferencia de prensa en el palacio de Planalto en Brasilia, Brasil, el lunes 29 de mayo de 2023. (AP Foto/Gustavo Moreno) 

De fato, o chavismo perdeu duas eleições desde que chegou ao poder, em 1999. A primeira foi o referendo para retirar os limites de reeleição em 2007. Mas Chávez colocou a medida em votação dois anos depois e venceu. Em 2015, a oposição venceu as eleições legislativas, mas resposta do governo Nicolás Maduro, que àquela altura controlava o Judiciário e a Corte Eleitoral, foi impugnar deputados eleitos pela oposição e assim impedir que ela obtivesse a maioria qualificada no Congresso.

Nos anos seguintes, os trabalhos do Legislativo foram anulados por decreto, depois que Maduro declarou o órgão “em desacato”. A medida foi interpretada à época pela Organização dos Estados americanos (OEA), como um golpe de Estado.

‘Tranquilidade na Venezuela’

O presidente afirmou ainda que seu assessor de assuntos internacionais, Celso Amorim, esteve recentemente na Venezuela e testemunhou uma tranquilidade “nunca vista” entre oposição, empresários, governo e movimentos sociais. Ele disse que para formar uma opinião era preciso ir ver de perto a situação, mas desconversou quando questionado se pretendia então visitar o país vizinho.

O presidente voltou a dizer que falou em “narrativa” porque diz ter sido alvo de uma campanha de “demonização” política no passado, assim como teria ocorrido com Hugo Chávez.

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Desde o ano passado, a crise política venezuelana perdeu intensidade. Isso ocorreu porque, em meio à necessidade de encontrar fornecedores de petróleo por causa da Guerra na Ucrânia, os Estados Unidos e a União Europeia sinalizaram que poderiam levantar as sanções caso Maduro concordasse em reformas democráticas. Em paralelo, tímidas reformas econômicas colaboraram para uma certa estabilização da economia.

Críticas a Lula e Maduro

Sobre as críticas dos presidentes do Uruguai, Luis Lacalle Pou, e do Chile, Gabriel Boric, às suas declarações sobre uma narrativa prejudicial à Venezuela, Lula disse que as críticas foram feitas no limite da democracia e que não sabe o que eles leram. “A região está mais plural e precisamos aprender a conviver com a pluralidade”, afirmou Lula, segundo quem em outras cúpulas havia uma irmandade entre líderes de esquerda, que já não se verifica mais. “A mesma exigência que fazem para a Venezuela não fazem para a Arábia Saudita. A Venezuela merece respeito.”

Mais cedo, os presidentes do Chile, Gabriel Boric, de centro-esquerda, e do Uruguai, Luis Lacalle Pou, de centro-direita, reagiram com críticas à defesa do regime venezuelano feita pelo presidente brasileiro.

“Não se pode fazer vista grossa a princípios importantes. Discordo do que Lula disse ontem. Não é uma construção narrativa, é uma realidade e tive a oportunidade de ver em centenas de milhares de venezuelanos que vivem na nossa pátria”, afirmou Boric, cobrando respeito aos direitos humanos.

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Lacalle Pou, por sua vez, se disse surpreso com as declarações de Lula. “Fiquei surpreso quando se disse que o que acontece na Venezuela é uma narrativa. Vocês sabem o que nós pensamos da Venezuela e do governo da Venezuela”, reagiu o uruguaio. “Se há tantos grupos no mundo tentando mediar a volta da democracia plena na Venezuela, para que haja respeito aos direitos humanos, para que não haja presos políticos, o pior que podemos fazer é tapar o sol com um dedo. Vamos dar o nome que tem e vamos ajudar.”

Lula no entanto, reafirmou sua tese. “Todo mundo sabe o que eu falo e o que eu penso. Quando se quer destruir alguém na política de constrói uma narrativa. Quem construir a narrativa primeiro ganha”, disse. “Desde que Chávez tomou posse, foi construída uma narrativa que determina que ele é um demônio e ai começaram a jogar todo mundo contra ele.”

Política externa em xeque

Para analistas, a posição de Lula prejudica o Brasil e coloca o País como aliado do regime chavista. Em sua conta no Twitter, Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da FGV-SP e colunista do Estadão, escreveu: “A retórica incrivelmente bajuladora de Lula em relação ao venezuelano Nicolás Maduro – cuja repressão sistemática e abusos de direitos humanos estão bem documentados – é muito mais prejudicial à reputação internacional do governo brasileiro do que qualquer outra coisa que Lula tenha dito ou feito até agora”, afirmou em sua conta no Twitter.

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Stuenkel também escreveu que “ao abraçar explicitamente a linha oficial do governo Maduro, Lula se posicionou como um dos principais aliados da Venezuela – e a maioria dos outros aliados da Venezuela são regimes autocráticos. Isso basicamente exclui o Brasil de qualquer papel potencial de mediação na Venezuela”.

Já o jornalista venezuelano e colunista do Estadão Moisés Naím, perguntou: “Lula acredita honestamente que o colapso da Venezuela e o sofrimento de milhões de pessoas se deve ao que ele chama de ‘narrativa construída?’. Quem conta uma história tendenciosa sobre as causas da nossa tragédia é ele e Lula sabe disso”, afirmou.

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