Com a diminuição da neve na Suíça, aldeias alpinas vivem crise de identidade

Um inverno excepcionalmente quente forçou a repensar como as mudanças climáticas afetam áreas com picos mais baixos, já que resorts de esqui e eventos esportivos enfrentam um futuro incerto

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Por Erika Solomon
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Era a última coisa que Simon Bissig, diretor de uma estação de esqui, queria ver na pousada dos Alpes suíços em um dia de janeiro. O alojamento de madeira deveria estar lotado de pais tomando uma bebida quente enquanto aplaudiam as crianças esquiando pelas encostas. Em vez disso, estava vazio e, no lugar de gelo nas janelas, havia água de chuva.

Estava em andamento uma improvável sessão de controle de crise no salão onde os hóspedes teriam jantado. Os consultores de marketing revisavam os planos para combater o que se tornou uma questão existencial: o que poderia ser feito com uma estação de esqui sem neve suficiente?

Julia e Silvan Betschart em Herrenboden, seu hotel e restaurante em Sattel. Foto: Andrea Mantovani/The New York Times

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“Acho que temos de perceber que algo está morrendo. Precisamos aceitar isso, e então podemos tentar construir - encontrar outra coisa”, disse Michelle Furrer, gerente da pousada, que fica na mesma pista da estação de esqui que Bissig administra, a Sattel-Hochstuckli.

Para os funcionários do resort e muitos moradores da cidade de Sattel, é difícil reconhecer que os dias de esqui na região podem estar contados.

Com o planeta aquecendo, a Europa enfrentou um ano difícil de crises climáticas. No verão setentrional, muitas regiões sofreram uma seca severa e um calor recorde. Já este ano, algumas áreas viram as temperaturas de inverno mais altas já registradas - tão quentes que muitas estações de esqui nem sequer tiveram neve.

Para a Suíça, cujas geleiras e camadas de neve compõem um depósito crucial para o abastecimento de água na Europa, o efeito tem sido especialmente alarmante. O país está esquentando mais que o dobro da média global e suas geleiras perderam seis por cento do volume apenas no ano passado, de acordo com autoridades federais suíças e um grupo de monitoramento de geleiras.

As mudanças representam um risco para certas partes do setor suíço de esqui que, segundo algumas estimativas, gera cerca de US$ 5,5 bilhões por ano. Mas, em um país onde quase todo mundo esquia, a perda de neve é mais do que um perigo econômico ou ambiental; é uma ameaça à identidade nacional. “O esqui nesta região era o esporte do povo. E você sente que, pouco a pouco, está diminuindo. É muito triste”, lamentou Bissig.

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Este ano, os participantes do biatlo na Alemanha tiveram que mergulhar na lama para assistir aos competidores na vila bávara de Ruhpolding. Foto: Andrea Mantovani/The New York Times

Durante anos, os habitantes de lugares como Sattel, onde os picos mais altos estão a cerca de 1.600 metros acima do nível do mar, pensaram que seriam poupados da pior perda de neve. Agora, os cientistas do clima afirmam que lugares com menos de 1.981 metros provavelmente enfrentarão um futuro sem neve se as taxas atuais de aquecimento continuarem. Mesmo locais mais altos, sugeriu um estudo recente, provavelmente poderiam sobreviver como destino turístico apenas com a ajuda da produção de neve artificial, que consome grandes quantidades de energia e água.

Achar uma saída

Quando as temperaturas recentes tornaram até mesmo a neve falsa um desafio, as redes sociais foram inundadas com vídeos de multidões de turistas esquiando por faixas estreitas de neve artificial em encostas alpinas verdejantes. Os tabloides locais criticaram os resorts suíços que partiram para medidas desesperadas, incluindo trazer neve de helicóptero e oferecer entretenimento alternativo, como caminhadas com cabras.

Na Sattel-Hochstuckli, Bissig abriu o tobogã de verão para a temporada turística do Natal. Em outras partes de Sattel, os moradores estão desenvolvendo estratégias de turismo para o ano todo.

Durante décadas, Herrenboden, alojamento rústico de madeira aninhado entre as pistas, foi usado só no inverno. Mas Silvan e Julia Betschart, que o administram, transformaram o hotel e restaurante familiar de três gerações - decorado com peles de ovelhas e chifres de veado - em um destino para o ano inteiro, atendendo os caminhantes nos meses mais quentes. Silvan se recusa a deixar que o inverno quente o assuste, e ainda encara com ceticismo a afirmação de que a mudança climática é a causa principal. “Tivemos períodos de invernos ruins. Nasci em um inverno sem neve, e este ano minha filha nasceu. A neve volta.”

Almoçando em Herrenboden, uma pousada rústica de madeira aninhada entre as encostas de Sattel. Foto: Andrea Mantovani/The New York Times

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Mas os cientistas do clima enfatizam que há um claro declínio na quantidade de neve. “Estatisticamente, é um padrão superforte: mais e mais, estamos tendo anos com cada vez menos neve”, informou Sabine Rumpf, professora de ciência ambiental da Universidade da Basileia. Sua equipe fez uma pesquisa por satélite que mostra que quase dez por cento da cobertura de neve não estava mais presente nos meses de verão nas regiões alpinas a cerca de 1.700 metros acima do nível do mar.

Sonia Seneviratne, do Instituto de Ciência Atmosférica e Climática de Zurique, relatou que o verão passado foi particularmente perturbador porque algumas geleiras perderam até seis metros de gelo. E acrescentou que, se os líderes globais não agirem para limitar o aquecimento a um limite de 1,5 grau Celsius, a deterioração vai se acelerar: “Na melhor das hipóteses, invernos como este vão voltar de vez em quando. Na pior, este inverno no futuro vai parecer bom.”

Os gerentes de resorts suíços que usam neve falsa se irritam com as críticas a seus esforços para lidar com a falta de neve, porque estes às vezes consomem muita energia. Gstaad, destino popular de esqui entre Genebra e Berna, enfrentou manchetes depreciativas e críticas de políticos do Partido Verde depois de usar um helicóptero para transportar neve e recobrir uma pista de esqui lavada pela chuva.

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De acordo com Matthias In-Albon, CEO de Gstaad, a rota é fundamental para manter muitas encostas de montanha ligadas, e muitos lugares em áreas alpinas usam helicópteros durante o ano inteiro para trazer alimentos e suprimentos. Ele concordou que um transporte de neve é “elaborado”, mas o problema maior são as expectativas dos clientes na era moderna do turismo de massa: “Nas décadas anteriores, os esquiadores aceitavam que as viagens de férias estavam à mercê das condições meteorológicas. As pessoas estavam acostumadas a encontrar pedras na pista de vez em quando, ou a descobrir que todas as encostas estavam fechadas no Natal. Hoje, os hóspedes esperam que todas as pistas estejam abertas para o Natal. Se não houver isso, vão reservar em outro destino. Nos Alpes, as comunidades rurais de montanha se tornaram dependentes desse setor, trabalhando em teleféricos e hotéis para complementar a agricultura ou outros rendimentos tradicionais no resto do ano. Temos uma microeconomia aqui que funciona graças ao turismo de inverno.”

Thomas Schmid, à direita, substituiu o rebanho de gado de seu pai por cabras porque, segundo ele, causavam menos danos à vegetação exposta sem cobertura de neve no inverno. Foto: Andrea Mantovani/The New York Times

O impacto econômico já está sendo sentido em Sattel-Hochstuckli, onde, segundo Bissig, o resort pode perder metade de seus lucros este ano se não cair neve suficiente.

Alguns em Sattel, como Thomas Schmid, abriram um negócio que abraça a mudança que está por vir. Gerente de ativos profissional, ele vendeu o tradicional rebanho de gado alpino de seu pai e comprou cabras, chocando alguns de seus vizinhos. Mas ele explicou que esse animal, que é mais leve e tem cascos pequenos, causa menos danos à vegetação alpina mais exposta, sem cobertura de neve no inverno. E a cabra pode resistir às temperaturas variáveis melhor que o gado bovino.

Ele e suas irmãs abriram um restaurante e uma loja, Blüemlisberg, e estão experimentando fazer chocolate e sorvete de leite de cabra. Convidam os filhos dos turistas para brincar com os animais e os caminhantes para terminar sua caminhada nas montanhas em seu restaurante, onde servem fondue de queijo de cabra. “Sou daqui - também me dói pensar que não podemos mais esquiar. Mas as pessoas estão começando a aceitar isso. O clima está mudando. Portanto, temos de mudar também”, disse Schmid.

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