Modern Love: Será possível algo tão bom assim?

Eu ficava dizendo aos meus amigos: “Não tenho ideia de por que ele gosta de mim”

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Por Marina Martinez
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THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Dois verões atrás, em junho, fiquei tão bêbada no meu aniversário de 27 anos em Napa, Califórnia, que acabei dando meu número de telefone ao motorista do Uber. Uns meses mais tarde, em setembro, meu ex-namorado da faculdade me disse que estava planejando pedir a namorada em casamento. Depois de passar anos intencionalmente solteira, de repente senti que estava perdendo uma corrida que nem sabia que estava correndo.

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Num telefonema meio emotivo tarde da noite, pedi meu ex em casamento, e ele disse não.

No mês seguinte, de volta a Palo Alto, onde cursava meu segundo ano da faculdade de medicina, conheci Tom numa festa. Era o homem mais lindo que eu já tinha visto. Eu não conseguia parar de falar sobre ele, então uma colega de classe me empurrou para ele e disse: “Marina, Tom” e saiu fora. Ele olhou para mim e sorriu, e eu imediatamente entendi que ia dar certo.

“Gostei do seu colar”, eu disse, apontando para um pingente que ele usava numa corrente, a primeira de muitas ocasiões em que meu habitual carisma perto dos homens se converteria num desajeitado constrangimento em sua presença.

“Gostei do seu também”, ele disse.

Conversamos e dançamos por horas, e eu o levei para casa às duas da manhã. Ele pediu meu telefone e disse: “Posso te dar um beijo de boa noite?”

Nas semanas seguintes, a vida com Tom foi a vida na sua forma mais extrema e emocionante, fazendo com que todo o resto parecesse chato e inútil. No início de novembro, depois de passar a manhã toda tentando tomar notas sobre patologia esofágica, saímos para o encontro mais divertido que já tive, uma maratona de dia inteiro em São Francisco com direito a galeria de arte, bebidas com amigos, jantar num restaurante chique e um show de que mal consigo me lembrar.

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Quando voltamos para a casa dele, eu tinha adormecido no seu colo e perdido uma das minhas lentes de contato. Durante a noite toda com ele, eu não parava de rir porque não conseguia acreditar que algo tão bom estava acontecendo comigo.

' Eu tinha reconstruído minha vida. Tinha passado pelo pior cenário possível, feito as piores perguntas e ouvido as piores respostas. Mas estava inteira.' Foto: Brian Rea/The New York Times

Tom era diferente de qualquer outra pessoa com quem tinha namorado. Era confiante e consciente, me dava beijo de oi e tchau, não queria que eu fosse sua mãe nem terapeuta. Ele me levava a restaurantes caros e deixava uma vela acesa no seu apartamento para nossa volta. Passou um fim de semana em Portland e voltou com presentes para mim: cervejas artesanais, cartão-postal do Pé Grande, chocolate chique e um gorro.

Acima de tudo, Tom era diferente porque era alguém que eu vinha perseguindo. Era uma aspiração, mas tinha se transformado numa coisa real. Como alguém que ganha na loteria, eu não sabia o que fazer com minha sorte.

“Não tenho ideia de por que ele gosta de mim”, eu dizia aos meus amigos.

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Ainda assim, ele deixava as portas fechadas. Com o passar das semanas, parecia impossível me aproximar dele e comecei a sentir os contornos sombrios de inegáveis incompatibilidades. Eu não conseguia relaxar perto dele. Queria ser perfeita, ler sua mente para que pudesse ser quem ele queria que eu fosse. Hesitei em apresentá-lo aos meus amigos. Alguma coisa não estava dando certo - e isso me fez querer isolar nosso relacionamento no seu próprio universo, sem variáveis confusas.

Eu dormia mal, acordava cedo todas as manhãs para pegar o telefone e ver o que Tom tinha mandado. A decepção quando ele não mandava nada me consumia. Eu disse a um amigo que minha vida tinha se tornado tão irreconhecível e cheia de ansiedade que às vezes pensava em terminar com Tom só para ter um pouco de paz. Mas eu sabia que não terminaria: seu magnetismo era tão forte que eu precisava aguentar, de um jeito ou de outro.

Uma vez, quando ele ficou sem me responder por algumas horas, meu relógio me disse para relaxar com uma atividade respiratória.

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Mandei uma mensagem para meu colega de quarto: “Se esse negócio acabar, não vou sobreviver”.

Ele respondeu: “Estaremos aqui para juntar os cacos, sua idiota”.

Quando Tom me mandou uma mensagem dizendo que ficaria fora por seis semanas durante as férias de inverno, chorei por dez minutos seguidos. Depois que ele partiu, parou de falar muito comigo. Numa viagem de avião de duas horas, toquei a mesma música sem parar e li todas as nossas mensagens para me convencer de que ele ainda gostava de mim. Em vez de estudar para os exames finais, pintei uma versão em aquarela de sua foto favorita do espaço, o Pálido Ponto Azul, e mandei para ele de aniversário, junto com um livro e três pacotes de Oreo (uma vez ele tinha me dito que gostava de comer um pacote inteiro de uma vez só).

Sua mensagem de agradecimento pelos presentes foi gentil, mas meio fria, não correspondia ao entusiasmo selvagem que senti ao prepará-los.

Em meados de dezembro, voei para ver amigos em Nova York, onde minha paciência com Tom se desintegrou. Liguei para ele e perguntei o que estava acontecendo.

Pela manhã, estava tudo acabado. Ele achava que era uma coisa casual. Eu queria que estivéssemos nos apaixonando.

Nos meses seguintes, tentei ao máximo habitar o tempo antes de tudo ruir, ouvia a música da época, lembrava como as sombras dos galhos das árvores dançavam sobre a porta do meu armário enquanto eu pintava o Pálido Ponto Azul. Estava tentando manter viva a conexão entre o que tinha acontecido e o que eu esperava que ainda pudesse acontecer. Li O Ano do Pensamento Mágico de Joan Didion e me vi ali quando ela guardava as roupas e sapatos de seu falecido marido porque ele precisaria deles quando voltasse.

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Desde a adolescência, eu ansiava por um amor que colocasse minha vida em foco, fizesse com que ela tivesse alguma importância. Tom fez isso e, quando ele parou de me querer, não consegui restaurar o sentido da minha vida. Tive centenas de conversas imaginárias com ele nas quais o convenci a me aceitar de volta.

Tom queria ser meu amigo, o que na minha cabeça envolveria muitas regras, incluindo não conversar sobre nossas vidas amorosas. Eu sentia raiva dele a maior parte do tempo. Como podia alguém por quem eu sentia tanto não sentir o mesmo por mim?

Com o passar dos meses, meu corpo deixou a sensação de estar gritando o tempo todo e começou a ficar só dolorido. Eu queria voltar a sentir que a vida era boa. Pela primeira vez, me ocorreu que tinha de superar Tom. Mandei uma mensagem para ele: “Você está saindo com alguém?”

Ele disse que sim. Perguntei o que ela tinha que eu não tinha.

“Não parece certo comparar vocês”, escreveu ele. “Eu só sabia que não éramos a pessoa certa um para o outro”.

Fiquei esperando a tristeza me enterrar viva. Eu me senti péssima - mas também senti alívio. Por muito tempo vivi com medo de que ele fosse embora e, agora que estava tudo muito claro, o mundo não tinha acabado. Eu era a mesma pessoa. Na verdade, era diferente em um aspecto: era menos covarde.

Pedi um tempo para pensar se poderíamos ser amigos. Queria que alguém me dissesse o que fazer. Meus amigos me aconselharam cortar os laços para sempre. Esbocei uma mensagem de texto que dizia: “Parece que tenho de voltar à caverna de Platão e aprender a ser feliz lá depois de experimentar o mundo exterior pela primeira vez”. Mas não mandei.

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Saí para correr. Como sempre, pensei em Tom o tempo todo. Estava muito cansada de mim mesma. As casas do meu bairro tinham as mesmas decorações de Halloween de quando havíamos começado a namorar, um ano antes. Tínhamos caminhado juntos para vê-las na manhã de uma quinta-feira no nosso primeiro encontro de verdade.

Aproveitando a onda de endorfina do último quilômetro, tive um pensamento relaxante: não existia coisa certa a fazer. Só existia o que eu iria fazer.

Imaginei um futuro depois de Tom e percebi que já o vivia tinha muito tempo. Ele ocupava muito espaço na minha cabeça, mas muitas outras coisas preenchiam meu dia: meus amigos, meus pais, minha pesquisa, a faculdade, os livros, as artes, coisas que me faziam rir e coisas que me faziam sentir confortável e amada. Eu tinha reconstruído minha vida. Tinha passado pelo pior cenário possível, feito as piores perguntas e ouvido as piores respostas. Mas estava inteira. Estava bem.

Naquela sexta-feira fez um ano e uma semana desde que conhecera Tom. Mandei uma mensagem para ele dizendo que queria que fôssemos amigos. Enviar aquela breve mensagem era um dos muitos itens da minha lista de tarefas da tarde - e o fiz rapidamente, livre da angústia e da raiva que tantas vezes acompanhavam nossa comunicação. Aí larguei o telefone e continuei meu dia. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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