Personalidades da vida selvagem desempenham um papel na natureza

Pesquisa mostra que animais de diversas espécies também demonstram comportamentos individuais bem marcados

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Por Jim Robbins
4 min de leitura

THE NEW YORK TIMES LIFE/STYLE - Em agosto, um leão da montanha foi avistado várias vezes rondando os subúrbios de New Canaan, Connecticut, e não era a primeira vez. Uma década atrás, um jovem leão da montanha chegou a Connecticut, rondando mais de 2.400 quilômetros de Black Hills em Dakota do Sul, antes de ser morto atravessando uma estrada.

O que se destaca nesses incidentes para Malcolm Hunter Jr., professor emérito de ecologia da vida selvagem na Universidade do Maine, são as personalidades exploratórias dos felinos fulvos.

Pesquisadores dizem que animais de diversas espécies possuem o que chamam de 'personalidade animal'. Foto: Pixabay

“Você pode ter certeza de que o jovem leão da montanha que deixou Dakota do Sul e acabou sendo atropelado por um carro em Connecticut não era um sujeito tímido que gosta de ficar em casa”, ele disse.

Os biólogos da vida selvagem tradicionalmente estudam fatores como a abundância de presas, a qualidade do habitat e o comportamento para avaliar os papéis que os animais desempenham em ecossistemas específicos. Mas um número crescente de cientistas argumenta que falta uma peça fundamental: a variedade de traços de personalidade em animais individuais, sejam eles ursos pardos, esquilos ou minhocas. Alguns cientistas argumentam que até as bactérias são únicas.

“A personalidade é encontrada em todos os táxons”, disse Alessio Mortelliti, especialista em personalidades de roedores da Universidade do Maine e beneficiário de uma bolsa da National Science Foundation.

Os cinco traços comuns de personalidade animal são ousadia, agressividade, atividade, tendência exploratória e sociabilidade. Para se qualificar, esses traços precisam estar presentes “ao longo do tempo e em todos os contextos”.

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Animais selvagens “não são apenas pequenos autômatos duplicados fazendo o que fazem; eles os fazem de maneiras diferentes”, disse Hunter, coautor de um artigo que instou os cientistas a incorporar esses estudos no campo da ecologia. “É importante saber e apreciar que a personalidade pode ser uma consideração em termos de gerenciamento desses sistemas.”

Não é diferente de uma ninhada de cachorros ou de uma caixa de gatinhos, onde cada animal é diferente. Na natureza, porém, essas personalidades variam através de processos naturais.

Hunter observou em seu artigo que Charles Darwin, em seu último livro, The Formation of Vegetable Mould Through the Action of Worms (1881) (A formação de mofo vegetal através da ação de vermes), se referiu às minhocas, de várias maneiras, como tímidas, limpas, organizadas e desleixadas. Um estudo em 2018 descobriu que as minhocas eram muito diferentes em sua habilidade para resolver problemas.

Um traço de personalidade “que atravessa muitas espécies é a medida em que alguns indivíduos são mais curiosos, mais exploradores, mais dispostos a arriscar o pescoço”, disse Hunter. “Bem, acho que uma minhoca não tem pescoço de verdade”, riu.

Compreender as personalidades dos animais fornece uma imagem mais completa do mundo natural, dizem alguns especialistas, e penetra nas diferenças individuais muito mais profundamente do que a ecologia comportamental. Isso desempenha um papel em todos os aspectos de suas vidas, seja no acasalamento ou na regeneração da floresta.

Michael Goldstein, professor de psicologia da Universidade Cornell que estuda a importância social do balbucio em pássaros e bebês humanos, colocou 48 mandarins em uma gaiola para ver como diferentes tipos de personalidade encontram um parceiro e como isso afeta a parentalidade. “Eles se juntam através da exploração”, ele disse. “Os machos pouco exploradores e as fêmeas pouco exploradoras se reuniram, e os machos altamente exploradores e as fêmeas altamente exploradoras se reuniram.”

Embora a ideia de minhocas ou bactérias com personalidade possa parecer exagerada, está claro que animais mais complexos, incluindo lobos, ursos, golfinhos, baleias e muitos pássaros, têm personalidades altamente desenvolvidas que refletem traços humanos.

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Veja o caso do famoso urso pardo Giefer, com predileção por arrombamento e invasão. Ao longo de vários anos na década de 1980, o grande urso, pesando mais de 220 Kg, quebrou janelas ou portas em cabanas de verão desocupadas ao longo da bifurcação norte do Rio Flathead, perto do Parque Nacional Glacier em Montana, e se serviu de farinha, açúcar ou qualquer comida que tenha sido deixada para trás. O urso saqueou cerca de duas dúzias de cabanas.

“Aquele urso foi incrivelmente complicado”, disse Chris Servheen, um biólogo aposentado que estudou peixes e vida selvagem dos EUA que tentou capturar o urso. “Ele não caía em armadilhas e nunca foi visto. Ele era como um fantasma. Nós tentamos tudo o que podíamos para pegar esse urso, e não conseguimos.”

O urso Giefer acabou sendo morto por um caçador na Colúmbia Britânica.

Entre os lobos, a coesão da matilha é muito dependente da fêmea alfa. Um líder forte nessas sociedades matriarcais prenderá e disciplinará os lobos errantes, mas os líderes menos agressivos não. E quando uma fêmea alfa morre, o bando muitas vezes pode se desintegrar.

A agressão desempenha um papel nos ecossistemas ao determinar o território entre as espécies. Para medir os níveis de agressão, um animal é colocado na frente de um espelho para ver como ele responde ao que pensa ser um rival.

O vencedor do concurso dos roedores mais agressivos?

“O esquilo vermelho americano”, disse Mortelliti, que administrou testes de personalidade em roedores em todo o mundo. “Eles são incríveis. Eles são as únicas espécies nas quais você faz medições, solta-os, então eles sobem em uma árvore, viram em sua direção e gritam com você. Eles são indivíduos realmente agressivos e territoriais.”

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A pesquisa sobre o papel ecológico das personalidades dos animais ainda tem um caminho a percorrer, disse Mortelliti, antes que recomendações específicas de administração florestal possam ser feitas.

Iain Couzin é pesquisador do Instituto Max Planck de Comportamento Animal da Universidade de Konstanz, na Alemanha, que estuda a inteligência de enxames - como os peixes se juntam para formar um cardume ou os pássaros sobem e mergulham em uníssono em murmúrios. Ele acha que a noção de personalidades animais é exagerada.

Os biólogos “estão todos cientes das diferenças individuais” nos animais, ele disse. “Darwin estava bem ciente das diferenças individuais. Mas não gosto do termo personalidade. Todo o processo está bastante sujeito a antropomorfização.”

Mortelliti o vê como um prisma útil para ver o comportamento animal. “No final das contas, todos nós entendemos que estamos medindo diferenças individuais de comportamento”, ele disse. “Não tenho problemas em usar o termo personalidade porque é intuitivo e permite que as pessoas se relacionem com ele.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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