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O colapso social após a deterioração econômica na Colômbia; leia a análise

Em 2020, o país teve o pior desempenho de seu PIB nos últimos cinquenta anos, com queda de 6,8%, e o desemprego atingiu o índice de 16,8% da população

Por Paulo Niccoli Ramirez
Atualização:

Considerada até a última década terreno fértil ao neoliberalismo e apresentada como exemplo a ser seguido na América Latina, a Colômbia apresentou no primeiro semestre de 2021 o esgotamento de suas finanças públicas, que conduziram o país a uma grave recessão - intensificada com a pandemia e com a ausência de políticas econômicas e sociais capazes de evitar a proliferação da pobreza.

Em 2020, a Colômbia teve o pior desempenho de seu PIB nos últimos cinquenta anos, com queda de 6,8%. O desemprego atingiu o índice de 16,8% da população. Cerca de 25 milhões de colombianos vivem na informalidade no mercado de trabalho e estima-se que 42,5% estejam na pobreza. O país é o terceiro país da América Latina com o maior número de mortos pela covid-19, com mais de 75 mil mortos, perdendo na região apenas para Brasil (410 mil) e México (220 mil).

Manifestantes e policiais se enfrentam durante protestos contra o governo Duque em Bogotá Foto: REUTERS/Luisa Gonzalez

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Em 15 de abril, o presidente Iván Duque, com tendências neoliberais e de direita, propôs ao Congresso colombiano um pacote de reformas fiscais e tributárias, que aumentaram a sua impopularidade, principalmente entre a classe média atingida pela crise. O projeto propunha a arrecadação de US$ 6,3 bilhões entre os anos de 2022 até 2031 para a recuperação da economia. No entanto, previa o aumento de impostos sobre serviços e mercadorias, além do aumento do número de contribuintes do imposto de renda.

No domingo 2, Duque retrocedeu e retirou o projeto do Congresso após críticas da oposição de esquerda, de seus aliados e da população que saiu às ruas nas principais cidades do país, promovendo manifestações violentamente reprimidas por forças policiais. Após oito dias de protestos, conflitos campais, saques e depredações a bancos e mercados, cerca de 430 manifestantes foram presos, 24 pessoas morreram e ao todo 850 ficaram feridos entre civis e policiais.

Nas redes sociais, circulam centenas de vídeos que demonstram abusos das forças policiais. Militares foram convocados para fazer a segurança nas ruas. Nas principais cidades como Bogotá, Cali, Medellín e Barranquilla estão programadas novas manifestações para esta semana, apesar de o governo ter tomado medidas de restrição de circulação de pessoas devido à pandemia.

Os violentos protestos puseram fim ao clima de paz que foi construído pelos dois mandatos (2010-2018) do último presidente, Juan Manuel Santos, que promoveu o acordo de pacificação com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), pondo fim a um conflito que durava mais de 50 anos.

No segundo semestre de 2020, alguns guerrilheiros dissidentes resolveram reorganizar o movimento revolucionário, porém de forma ainda muito incipiente devido às condições sanitárias. O atual ministro da defesa, Diego Molano, responsabilizou estes dissidentes pela organização das grandes manifestações de agora. No entanto, o argumento do governo não parece condizer com a realidade, pois as propostas do presidente Duque desagradaram não apenas os movimentos da oposição de esquerda, mas também a maioria da população, sobretudo a classe média e mesmo a maioria de seus próprios aliados.

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Na segunda-feira 3, o presidente colombiano anunciou a demissão do ministro da fazenda, Alberto Carrasquilla. Esta atitude não reduziu as críticas ao governo, que hoje se encontra com pouco apoio popular e politicamente isolado. O descontentamento da sociedade colombiana se intensificou após as repressões policiais. Os manifestantes exigem o impeachment e a deposição de seu presidente.

Esses acontecimentos podem ser um prelúdio do que estar por vir na região e servir de alerta a outros países da América Latina que adotaram posturas neoliberais consideradas ineficazes no combate à recessão, como é o caso do Brasil de Bolsonaro, o Chile de Piñera e o Uruguai de Lacalle Pou. No início do ano, o Paraguai também passou por convulsões sociais devido à estagnação econômica, ao crescimento do número de infectados, mortos e problemas com a vacinação da população.

*Paulo Niccoli Ramirez é cientista político e professor da ESPM São Paulo

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