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Rússia e Ucrânia disputam cidade cobiçada e os dois lados pagam um preço sangrento

Disputa pela cidade de Avdiivka emergiu como uma das mais intensas da guerra; levas de ataques russos não conseguiram derrubar o bastião da defesa ucraniana no leste

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Por Carlotta Gall
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - As chaminés verticais da Coqueria Avdiivka cortam o horizonte. Ao lado, sobe a pilha de entulho espalhado, que oferece um ponto de vista mais alto para a Cidade de Avdiika e os vilarejos ao redor.

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Os dois pontos têm sido o foco de uma batalha feroz desde o dia 10 de outubro, quando milhares de combatentes russos deram início a uma importante ofensiva no leste da Ucrânia para tomar Avdiivka, uma conquista cobiçada, que aumentaria o domínio russo sobre a região de mineração de ferro no Donbas.

Contudo, em dias a batalha por Aviidvka já tem se mostrado talvez das mais custosas da guerra para Rússia. A artilharia ucraniana destruiu colunas de blindados nos arredores da cidade e drones armados com explosivos derrubaram a infantaria que descia dos veículos para avançar a pé, disseram soldados e comandantes ucranianos, blogueiros russos e analistas militares independentes.

Soldados ucranianos reunidos antes de avançar para frente de batalha em Avdiivka, na Ucrânia. Foto: Nicole Tung/ NYT

Levas de soldados russos escalaram a montanha de resíduos industriais para ganhar altura. Todas as vezes, eles foram atingidos pela artilharia ucraniana.

Quase três semanas após o início da batalha, o exército russo não conseguiu o avanço rápido que desejava. Perdeu centenas de homens e mais de 100 blindados e tanques, informou o Instituto para o Estudo da Guerra, e o dobro disso nas contas ucranianas. Na direção principal dos ataques, avançou apenas um quilômetro e em outros lugares apenas algumas centenas de metros.

Como os dois lados descobriram em quase dois anos de batalha de artilharia pesada, um ataque mecanizado contra uma forte linha defensiva é quase sempre uma experiência brutal.

A Ucrânia sofre muitas baixas também. Um soldado descreveu que apenas seis dos mais de 50 homens da sua unidade continuavam sem ferimentos depois dos primeiros dias de combate.

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Prédio residencial atingido por ataque russo em Avdiivka. Foto: Nicole Tung/ NYT

As perdas russas em Avdiivka são ainda maiores do que as sofridas nas batalhas do ano passado e em Vuhledar, em março deste ano, disseram oficiais ucranianos e analistas.

As perdas iniciais de equipamentos impuseram restrições severas a habilidade russa de manobrar como planejava e novas perdas podem atrapalhar a operação da mesma forma, de acordo com o Instituto de Estudos da Guerra, um grupo de pesquisa com sede em Washington.

A cidade tem sido alvo de armas da Rússia desde que as forças por procuração a tomaram e depois a perderam para a Ucrânia em 2014.

“O máximo que tivemos foi meio dia de silêncio”, disse um ex-parlamentar que hoje serve na 109ª Brigada de Defesa Territorial, perto da cidade onde nasceu. “Mas este ataque foi o mais duro que tivemos em toda a guerra.”

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Ele pediu para ser identificado apenas pelo sua denominação, Deputat, por motivos de segurança, assim como fizeram todos os militares entrevistados para essa matéria.

Nos últimos nove anos, Avdiivka tornou-se um bastião da defesa da Ucrânia no leste. A cidade fica a poucos quilómetros de Donetsk, a maior cidade das províncias controladas pela Rússia, bem dentro do alcance do seu aeroporto e das principais instalações.

Apesar de as tropas ucranianas terem perdido o território no entorno, continuaram bloqueando o uso das principais estrada e ferrovia pela Rússia ao longo da linha de frente.

Isso confere valor militar estratégico a Avdiivka uma vez que a captura empurraria as forças ucranianas para trás do limiar de Donetsk e abriria as principais rotas ferroviárias e rodoviárias para as forças russas na região.

Mas o valor também é político. Capturar a cidade depois de tantos anos de resistência seria um grande golpe do presidente russo Vladimir Putin no momento em que o inverno se aproxima.

A maior parte das pessoas fugiu da cidade diante do bombardeio russo contínuo. Da população de 36 mil habitantes antes da guerra, restaram não muito mais que mil, disseram as autoridades. “A maioria são prisioneiros”, disse Lyuty, o comandante de unidade de força especial do Ministério do Interior na cidade. Ele foi severo com os civis que se recusaram a partir, dizendo que eles colocavam em risco a si e aos seus homens.

Prédio residencial danificado por ataques russos em Avdiivka. Foto: Nicole Tung/ NYT

As equipes ucranianas de reconhecimento viram sinais de aumento da presença russa em torno de Avdiivka semanas antes do primeiro ataque em 10 de outubro, disse Baloo, comandante da unidade de drones. O número chegava a pelo menos três brigadas, disse ele.

“Veículos militares e blindados estavam se reunindo”, explicou. “Muitos carros civis também, parecia que comandantes estavam chegando na área.”

Os russos seguiram um padrão previsível abrindo a batalha com artilharia pesada e bombardeio aéreo e depois avançando em colunas de veículos blindados, disseram soldados ucranianos. Eles estavam bem preparados, enviaram primeiro os equipamentos de desminagem para abrir caminho enquanto os grupos de blindados corriam atrás para deixar a infantaria.

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Mas com frotas de drones no ar, os ucranianos viram o seu avanço e começaram a mirar os veículos nas proximidades, disseram os comandantes.

“Temos uma tarefa importante, como todas as unidades de drones têm”, disse Baloo. “Temos que localizar e eliminar o inimigo antes que ele ataque.”

Ao longo do último ano, as forças russas têm feito um movimento constante de pinça para cercar Avdiivka, concentrando o principal impulso dos seus ataques recentes em fechar a última lacuna de nove quilômetros que cortaria o acesso ucraniano à cidade.

As tropas russas atacaram pelo nordeste para tentar cortar a estrada principal na aldeia de Berdichi. Do sudoeste, outras forças avançaram em direção à aldeia de Sieverne, que fica em uma estrada menor que leva à cidade.

Soldados russos invadiram posições ucranianas em fileiras de árvores e começaram a escalar o monte de entulho que dá para a coqueria.

Os combates foram tão intensos no primeiro dia que a 110ª Brigada Mecanizada Separada começou a ficar sem drones e convocou a 109ª brigada, posicionada nas proximidades, para reforços.

Durante um dia e meio, o piloto de drone Boomer e o seu navegador Grek juntaram-se à luta e acompanharam o avanço da infantaria russa a partir de um bunker à beira do campo de batalha. Um terceiro membro da equipe carregou os drones com explosivos e os lançou ao ar.

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Soldados ucranianos identificados como Boomer e Grek operam drones armados com explosivos a partir de bunker.  Foto: Nicole Tung/ NYT

“Estávamos empurrando-os para trás, mas durante a noite eles enviaram novos soldados”, disse Boomer sobre as forças russas. “Matamos tantos que ficamos sem estoques.” A unidade teve que chamar voluntários para enviar mais drones, disse ele.

No terceiro dia de combates, 12 de outubro, começaram a ver russos fugindo. Boomer exibiu um vídeo que salvou em seu celular de um soldado russo fugindo de um bunker. “Ele entende que morrerá se permanecer lá”, disse ele.

Então houve uma calmaria. A equipe de drones vasculhou as posições russas em busca de alvos. Eles mostraram imagens de seus ataques a um tanque de reserva afastado da linha de frente e a uma van escondida em uma fazenda que, segundo eles, transportava drones e equipamentos para as forças russas. Então as tropas da Rússia atacaram novamente em 19 de outubro.

Nas fileiras de árvores nos limites da cidade, os soldados lutam corpo a corpo, enquanto os russos atacam as trincheiras e os ucranianos contra-atacam. Mas grande parte da batalha em Avdiivka está sendo travada remotamente, a partir de bunkers e posições escondidas.

Sala de controle da Ucrânia exibe imagens ao vivo da frente de batalha.  Foto: Nicole Tung/The New York Times

Num bunker subterrâneo bem construído, bem afastado da linha de frente, os comandantes do 1º Batalhão de Ataque da 59ª Brigada Mecanizada monitoraram os combates em um conjunto de telas de vídeo transmitindo ao vivo diferentes visualizações do campo de batalha.

Uma tela mostrava corpos de soldados russos em ângulos estranhos espalhados na estrada vazia. “Um ainda está vivo”, disse Bardak, chefe de reconhecimento do batalhão. O soldado ferido moveu-se, levantou um braço e depois caiu para trás.

“Ele está morto”, disse um oficial de serviço.

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Mesmo enquanto relatavam sucessos no campo de batalha, os soldados ucranianos não menosprezaram as forças russas.

Os comandantes de batalhão da 59ª Brigada mostraram um vídeo de um sistema russo de foguetes múltiplos carregando ogivas termobáricas ao se aproximar de uma vila durante o ataque de 19 de outubro. Os ucranianos destruíram a arma, mas ela poderia ter atingido as sua defesa e a moral dos soltados, se não tivesse sido contida, disse Bardak.

A Ucrânia poderia perder Avdiivka sob o peso do poder de fogo russo, como aconteceu com a cidade vizinha de Bakhmut, disse ele.

“É possível, se ficarmos sem homens e munições”, disse ele.

Seu comandante, que usa o indicativo Condor, foi mais otimista.

Os russos tiveram alguns pequenos sucessos, mas a um grande custo, disse ele. “Eles ganham algum território, mas uma área muito pequena, e perdem a possibilidade de avançar.”

“Se essas táticas que eles usam tivessem sucesso, não estaríamos aqui conversando com vocês agora.”

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