Sob mão forte, Chechênia renasce com prosperidade e extremismo religioso

Ramzan Kadyrov tem apoio total de Moscou, mas está deixando região cada vez mais diferente do resto da Rússia.

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Por Steve Rosenberg
Atualização:

Mais de dez anos depois de um violento conflito, a Chechênia, uma província de maioria muçulmana da Rússia, está renascendo economicamente graças a investimentos pesados feitos pelo governo de Moscou. No entanto, a reconstrução da província vem acompanhada por um extremismo religioso que parece ter o beneplácito do presidente Ramzan Kadyrov, aliado forte do líder russo, Vladimir Putin. Em Grozny, um coral de crianças canta uma música sobre o ex-presidente Akhmat Kadyrov, que foi morto por rebeldes chechenos há oito anos em uma explosão. O assunto não é agradável, mas a beleza do coral é incrível. As meninas vestem lenços brancos no cabelo e delicados vestidos cor púrpura. Os meninos usam chapéus de pelo e portam adagas e munição de mentirinha. Quando o filho de Akhmat sobe ao palco, o aplauso é incessante. Ramzan Kadyrov é quem comanda a Chechênia hoje em dia. Isso é fácil de se perceber através dos seus diversos retratos espalhados por Grozny - em outdoors, no topo de prédios, até mesmo em showrooms de carros. Os Kadyrovs já foram eles próprios insurgentes. Mas resolveram mudar de lado. Desde a morte de Akhmat, o governo russo depende de Ramzan Kadyrov e suas milícias armadas para controlar os rebeles na Chechênia e reconstruir a região. Até agora, o plano parece estar dando certo. Há menos de uma década, a ONU dizia que Grozny era "a cidade mais destruída da Terra". Hoje a capital chechena não tem mais os sons de metralhadoras disparando pelas ruas. O barulho mais comum por aqui é de construção de prédios. Em uma das principais ruas da capital, há restaurantes de sushi, salões de beleza, arranha-céus e até mesmo um clube de comédia e karaokê. O nome da via foi rebatizado, sinalizando os novos tempos da Chechênia: Avenida Putin. A revitalização da região, que em uma década ressurgiu das cinzas, foi possível graças aos bilhões de dólares de ajuda financeira por parte do governo central. 'Direitos humanos' Apesar da prosperidade, o homem por trás desta revitalização está longe de ser unanimidade. Grupos de direitos humanos acusam Ramzan Kadyrov de perseguir seus críticos e de cometer abusos na luta contra os insurgentes que ainda militam. Um julgamento na Grã-Bretanha revelou que Kadyrov é apontado pela agência de inteligência britânica MI5 como responsável pela morte de opositores políticos. Essa é a primeira pergunta que faço a Kadyrov ao encontrá-lo no palácio presidencial. "A vida que estamos construindo hoje aqui é maravilhosa", responde ele. "Mas o Ocidente e a Europa não querem isso. Eles dizem que Kadyrov é um bandido. Se acontece um incidente na Europa, eles dizem que Kadyrov está por trás dele. Se a vaca de alguém morre, Kadyrov é o culpado. Se uma galinha não está colocando ovos, é culpa de Kadyrov." "Eles estão preparados para fazer qualquer coisa para difamar o nome de Kadyrov. E dizer ao mundo que Kadyrov é um mau sujeito. Eu digo a eles: 'Provem'." Sobre as acusações de ter elaborado listas de oponentes a serem assassinados, o líder checheno cai na gargalhada. "A pessoa que faz estas acusações é esquizofrênica", sorri Kadyrov. "Eu juro por Alá, esta ideia nunca passaria pela minha cabeça." 'Islamização' Enquanto reconstroi a Chechênia, Ramzan Kadyrov está promovendo o que ele chama de "islã tradicional", mas isso tem feito a região se sentir cada vez menos parte da Rússia. Álcool já não é mais vendido livremente nos mercados. Há lojas de artigos esportivos só para homens, e outras só para as mulheres. Nas lojas de computadores, cópias gratuitas do Corão são distribuídas a todos que comprarm iPads. Os quartos de hotel trazem setas pintadas no teto, apontando para a Meca. Sob o regime de Kadyrov, foi adotado um código de vestimentas islâmico mais rígido. Uma mulher conta à BBC que foi ameaçada por não usar lenço no cabelo em público. Ela está profundamente preocupada com a política de "islamização" da Chechênia. Temendo represálias, ela pede para não ter seu nome publicado. "Minha sobrinha disse que um homem apareceu no seu colégio", diz ela. "Ele disse a todas as crianças que perguntassem aos seus pais se eles rezam ou não, e pediu que eles relatassem as respostas. Ele disse que se as crianças e seus pais não rezarem, todos irão para o inferno." "Clérigos estão indo às escolas e dizendo para meninos de seis anos de idade para controlarem suas irmãs, e que se elas não usarem lenços no cabelo, eles serão responsabilizados e punidos por Deus." "Estou aterrorizada. Eu acho que daqui a dez anos, nós vamos ter criado uma geração inteira de extremistas religiosos." Kadyrov nega que seu ramo do islã seja de extremistas. Ele também não concorda que o islã tradicional viole os direitos das mulheres. "O paraíso fica aos pés da mãe", diz o presidente checheno. "Então, como pode um checheno, um muçulmano violar os direitos das mulheres? Eu amo demais minha mãe, minha mulher, minhas irmãs. Eu as honro e respeito. As mulheres são as guardiãs da família. Todas essas acusações foram inventadas." Na medida em que a Chechênia moderna vai emergindo, deixando para trás um passado de violência e miséria, a região parece estar cada vez mais distante de Moscou. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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