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The Economist: Como ensinar operações básicas na escola tornou-se tema de disputa política nos EUA

Conservadores normalmente fazem campanhas pela matemática clássica: um foco em algoritmos, memorizações e aulas ministradas por professores; progressistas normalmente são favoráveis a uma abordagem conceitual da disciplina, com base em resolução de problemas e obtenção de consciência numérica

Por The Economist
Atualização:

Estados Unidos têm problema com matemática. Os estudantes do país registram más pontuações em exames internacionais de matemática há décadas. Em 2018, adolescentes americanos de 15 anos ficaram em 25.º lugar no ranking da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o clube dos países mais ricos. Adultos americanos ficaram na quarta última colocação no ranking de aptidões numéricas, quando comparados com adultos de outros países ricos. Até 30% dos adultos americanos se dizem confortáveis somente com a matemática simples: aritmética básica, contagem, ordenação e tarefas similares. 

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Empregadores americanos estão desesperados atrás de habilidades em ciência, tecnologia, engenharia e matemática: engenheiros nucleares, desenvolvedores de software e operadores de maquinário estão em falta. E, ainda que as notas em matemática dos estudantes já estejam baixas demais, elas poderão piorar. Na Avaliação Nacional do Progresso Educacional (Naep), um exame nacional, as notas dos estudantes de 13 anos caíram 5 pontos em 2020, em comparação ao que seus colegas registraram em 2012. A conta atual não fecha. Mas professores e acadêmicos são incapazes de concordar a respeito de alguma maneira de mudar essa situação.

Os americanos têm problemas com a matemática há mais de um século, afirma Alan Schoenfeld, da Universidade da Califórnia, Berkeley. Em 1890, o ensino médio era um luxo das elites: menos de 7% dos adolescentes de 14 anos estavam matriculados em escolas; e eles recebiam educação rígida em matemática. No início da 2.ª Guerra, tempo em que recrutas do Exército tinham de aprender a matemática necessária para a burocracia e a artilharia, quase três quartos dos adolescentes com idades entre 14 e 17 anos frequentavam escolas de ensino médio. 

Estudantes da escola de ensino médio norte-americanaGreenfield Central Junior Foto: A J Mast/ The New York Times

Estratégica

A Guerra Fria desencadeou um segundo frenesi de matemática estratégica nos anos 50. Um novo currículo em matemática, com foco em compreensão conceitual no lugar de memorização mecânica, foi desenvolvido após o lançamento do satélite Sputnik pela União Soviética. Posteriormente, esse novo currículo foi rejeitado, em um movimento de retorno ao ensino básico, nos anos 70.

O ensino de matemática voltou a causar preocupação quando os EUA começaram a temer a possibilidade de serem superados pelo Japão. Em 1981, o Departamento de Educação nomeou uma comissão para avaliar o currículo, que produziu um relatório chamado “Um país em risco”. “Se uma potência estrangeira hostil tivesse tentado impor aos EUA o medíocre desempenho educacional existente”, afirmou o relatório, “poderíamos muito bem ter considerado isso um ato de guerra”.

Desde os anos 90, porém, a matemática entrou na política. Conservadores normalmente fazem campanhas pela matemática clássica: um foco em algoritmos (uma série de regras a ser seguidas), memorizações (de tabuadas e processos algorítmicos) e aulas ministradas por professores. Estudantes têm foco no básico, explorando conceitos após adquirir habilidades tradicionais, explica Bill Evers, do Independent Institute, um centro de pesquisa e pensamento de Oakland. 

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Esses métodos são familiares a muita gente. Para adições de dois dígitos, os estudantes aprendem a fazer conta no papel. Na adição 27 + 45, o 27 é grafado sobre o 45. Some a primeira coluna (7 + 5 = 12). Escreva o 2 abaixo e suba o 1 para a coluna da esquerda. Some a coluna da esquerda (1 + 2 + 4 = 7). Escreva o número 7 abaixo. A resposta é 72.

Progressistas normalmente são favoráveis a uma abordagem conceitual da matemática, com base em resolução de problemas e obtenção de consciência numérica, com menos ênfase em algoritmos e memorizações. Em contraste à estratégia conservadora, os estudantes aprendem diferentes formas de resolver um problema, valendo-se de objetos e outros elementos, antes de aprender algoritmos. 

Para a adição 27 + 45, os estudantes somariam os dígitos em um lugar (7 + 5 = 12) e as dezenas em outro (20 + 40 = 60) – e depois somariam os resultados para chegar à resposta 72. Ou eles poderiam perceber que o 27 está a três dígitos de 30. Daí, poderiam adicionar 3 e chegar a 30. E depois adicionar 45 e subtrair 3 para chegar a 72. Estratégias conceituais de matemática estimulam os estudantes a encontrar várias respostas possíveis para um mesmo problema e adquirir consciência numérica, em vez de depender de um algoritmo.

Apesar de a maioria dos professores concordar que a educação em matemática é abaixo da média nos EUA, eles têm sido incapazes de concordar a respeito de maneiras de melhorar a situação. Copiar métodos usados nos países mais bem colocados nos rankings de matemática, como Cingapura, poderia ser um caminho. Mas isso necessitaria de um consenso a respeito do que realmente é ensinado nesses países. Segundo Evers, currículos asiáticos bem-sucedidos refletem a posição clássica. “Que país você acha que adotou totalmente métodos progressistas de educação e é bem-sucedido? Na China é grande a dependência em relação aos professores. A matemática em Cingapura é a melhor do mundo – e não é progressista”, explica Evers. Mas Schoenfeld reconhece que países como Japão e Cingapura implementam currículos conceituais.

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Parte da confusão nos EUA advém da atrapalhada implementação do mais recente currículo em matemática, o Common Core. Adotado em 2010, sob o governo Barack Obama, 41 Estados e o Distrito de Colúmbia adotaram seus princípios. Texas, Flórida e vários outros Estados os rejeitaram. Apesar de inicialmente ter sido uma iniciativa bipartidária, o Common Core acabou finalmente criticado por ambos os lados. Alguns o consideraram um exemplo de educação progressista. Agora que resultados de testes estão chegando, muitos conservadores alegam que as notas em queda demonstram o fracasso do Common Core e dos professores progressistas. Mas apoiadores do atual currículo não estão dispostos a desistir. Ainda que as notas na Naep tenham caído entre os alunos de 13 anos, elas permaneceram estáveis entre as crianças de 9 anos que estudarão segundo o Common Core por toda a vida escolar.

Ativistas

Para atrapalhar ainda mais essa confusão, ativistas de extrema esquerda têm somado métodos da matemática conceitual a conceitos mais radicais. Muitos dos que se opõem à matemática conceitual acreditam que o Common Core – e a matemática conceitual, em geral – bane o aprendizado por memorização, como nas tabuadas de multiplicação. A proeminente estudiosa da educação matemática Jo Boaler, da Universidade Stanford, afirma que memorizar tabuadas é desnecessário. Conservadores se apegaram a essa ideia como um exemplo de ativismo progressista delirante. Mas Schoenfeld afirma que isso não se alinha com valores matemáticos progressistas.

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Alguns ativistas também misturam a matemática conceitual com “matemática de justiça social”, o conceito de que a matemática deveria ser usada para ajudar estudantes a resolver problemas do mundo real e valorizar a realidade ao seu redor. Apelidado de “matemática da lacração” e tachado com frases como “Na Califórnia, 2 + 2 = 4 pode ser considerado racismo”, o movimento favoreceu bem pouco a matemática conceitual ao associá-la a si.

O debate da matemática nos EUA é polarizado e confuso. Enquanto outros países implementam currículos de matemática equilibrando memorização com aprendizado conceitual, os EUA continuam a oscilar entre um polo ou outro. Da mesma maneira que a política do país, em outras palavra. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL