The Economist: Talvez o regime de Pequim prefira ser temido, não admirado

Sofrimento de Hong Kong mostra que não se pode confiar que os governantes chineses mantenham suas promessas

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Por The Economist
Atualização:

O governo chinês está espalhando o medo em Hong Kong. O primeiro choque foi em maio, quando anunciou o plano de impor uma lei de segurança nacional no território. Depois, preparou o projeto de lei a portas fechadas, sem revelar os detalhes nem mesmo à administração de Hong Kong. O projeto de 18 páginas, que entrou em vigor no dia 30, é mais implacável do que o previsto pelos analistas. Trata-se de um dos maiores ataques a uma sociedade liberal desde a 2.ª Guerra.

As autoridades chinesas afirmam que não fizeram nada de errado: as leis de segurança nacional são comuns no mundo todo, mesmo nas democracias. Mas esta alegação é dissimulada. Ela permite que o Partido Comunista da China rasgue sua promessa de que preservaria ‘um país, dois sistemas’, e envie agentes secretos a Hong Kong para impor a ordem que bem entender. Seus espiões não estarão sujeitos à lei local. A maioria dos casos de segurança nacional será supostamente julgada nos próprios tribunais de Hong Kong. Mas os juízes serão nomeados pelo governo. 

Polícia prende manifestante em Hong Kong Foto: Jerome Favre/EFE/EPA

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Eles poderão dispensar os júris e decidir os casos em sigilo. A maioria teme que crimes “complexos” ou “graves” possam ser julgados no continente. O ano passado foi de grande agitação civil em Hong Kong, e carregado de temores dada a possibilidade de que a lei de extradição, que acabou arquivada, possa fazer com que os dissidentes desapareçam repentinamente para enfrentar a brutal justiça da China. É isso o que a nova lei permite. As autoridades não descartam que os condenados pelos tribunais do continente possam ser executados.

Mas será que esta lei trata de crimes que ameaçam a segurança da China? Criticar sua política autoritária ou sugerir que Hong Kong deve se tornar independente são coisas que não chegam a abalar Pequim. Mas o partido tem uma posição diferente. As definições de sedição, subversão, terrorismo e conluio com potências estrangeiras que ela contém poderão ser aplicadas também a crimes menores. 

A lei pode ser invocada para prender qualquer pessoa que use de “meios ilegais” para minar o sistema comunista da China. Isso poderia incluir a participação em uma manifestação proibida para lembrar o massacre da Praça Tiananmen em 1989? O partido será o juiz. E ele costuma cometer exageros.

A lei se aplica também a atividades no exterior, por quem quer que seja. Os termos da lei sugerem que uma empresa estrangeira que, por exemplo, coopere com o governo americano na aplicação de sanções contra a China não encontrará nenhuma defesa se o partido decidir tomar alguma medida contra ela.

O mundo deve ficar chocado por estes acontecimentos, mas não surpreso. A repressão dos protestos na Praça Tiananmen mostrou a determinação impiedosa do partido em destruir a oposição. O horror que o mundo todo experimentou diante de tanto derramamento de sangue, e, por outro lado, as sanções que o Ocidente impôs à China em 1989, não mudaram a posição do partido. 

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Mas o Ocidente deve reagir. Londres agiu certo ao afirmar que facilitará a obtenção de passaportes para 3 milhões de “nacionais britânicos no exterior” em Hong Kong para que possam se estabelecer no Reino Unido. 

O sofrimento de Hong Kong serve de lição para o mundo. Não se pode confiar que os governantes chineses mantenham suas promessas. Além disso, eles nunca deixarão de suprimir a dissensão. Isso exige uma vigilância ainda maior em relação à ascensão da China, principalmente no que diz respeito a Taiwan. O partido demonstrou que prefere ser temido, não admirado. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA© 2020 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM)

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