‘Trump não é fascista, mas aspira a ser’, diz Federico Finchelstein, historiador de fascismo

O pesquisador e autor de diversos livros sobre o tema discorda de ex-aliados do republicano que o classificaram como ‘fascista até a medula’, mas observa que ele busca governar um autoritarismo que flerta com as bases do movimento de Mussolini

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Foto do author Carolina Marins
Atualização:
Foto: Arquivo pessoal
Entrevista comFederico FinchelsteinProfessor de História na New School for Social Research que estuda o fascismo

Há poucos dias das eleições, o ex-chefe de gabinete de Donald Trump, o general John Kelly, foi questionado pelo repórter do The New York Times se o ex-presidente era fascista. Kelly então pegou a definição de “fascista” no dicionário e leu em voz alta para o jornalista antes de responder: “ele certamente se enquadra na definição geral de fascista, com certeza”.

Para o historiador Federico Finchelstein, professor na New School for Social Research, Trump não se encaixaria na definição básica de um fascista, como foi Benito Mussolini, mas o deseja ser. Autor dos livros “Uma breve história das mentiras fascistas” e “Aspirantes a fascistas” (este último com lançamento em breve no Brasil), o argentino alerta para os perigos de minimizar lideranças que flertam com o velho movimento italiano.

“Eu o chamo mais de uma aspiração a fascista do que um fascista propriamente dito”, disse em entrevista por telefone ao Estadão. “Isso não quer dizer que o resultado disso seja tranquilizador ou que isso signifique que essa gente seja democrática, não é de forma alguma. Isso deveria ser um chamado de atenção muito sério e que infelizmente em países como Estados Unidos ou Brasil ou mesmo Argentina não é, e muitas vezes muitos eleitores não reconhecem o perigo para a tolerância, para a pluralidade e para a democracia que essa gente representa.”

O ex-presidente e candidato Republicano, Donald Trump Foto: Charly Triballeau/AFP

A resposta de Kelly gerou surpresa por vir de uma pessoa que conhece Trump tão bem. Ele, porém, não foi o único. Mark Milley, ex-Chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA, foi citado no livro do famoso jornalista Bob Woodward dizendo que Trump era “facista até a medula”. As declarações, obviamente, reverberaram nas campanhas, com Kamala Harris afirmando concordar com as afirmações.

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Trump pertence a um novo grupo de populistas que são extremistas e que tentam aproximar esta experiência populista daquilo que foi a experiência fascista. Como historiador do fascismo, eu penso que Trump é um personagem com tendências e aspirações fascistas, que representa um grande perigo à democracia.

Federico Finchelstein, historiador e professor na New School for Social Research

Leia trechos da entrevista, que foi condensada para melhor compreensão:

Como avalia a afirmação de John Kelly de que Trump sim se encaixa na definição de fascista?

Esse comentário vem de uma pessoa muito próxima de Trump, que o conhece muito bem; foi o Chefe de Gabinete que mais duramente lidou com Trump e ele praticamente disse que Trump personificava a definição de fascista. A isso tem que se somar as declarações de outro chefe, neste caso o general Milley, que disse recentemente em uma entrevista que Trump era fascista até a medula.

Como eu destaco no meu livro “Aspirantes a Fascistas”, Trump pertence a um novo grupo de populistas que são extremistas e que tentam aproximar esta experiência populista daquilo que foi a experiência fascista. Como historiador do fascismo, eu penso que Trump é um personagem com tendências e aspirações fascistas, que representa um grande perigo à democracia.

Ou seja, é cedo para classificá-lo como fascista? O que é preciso?

Não, não é cedo. Eu acredito que é importante estas advertências. Estamos falando de um grave perigo para a democracia. No meu livro falo do que são os quatro pilares do fascismo com a intenção de analisar três momentos históricos diferentes. O primeiro é o do fascismo clássico que vai da primeira metade do século 20 até o ano 45. Depois disso, durante grande parte do século 20, o que vamos ter é uma reformulação do fascismo em chave democrática, uma nova forma de autoritarismo, que é a experiência do populismo moderno. Nisso temos exemplos de Getúlio Vargas e Juan Domingo Perón (ambos eleitos presidentes após anos de ditadura comandadas por eles). E mais recentemente o que temos ou o que podemos observar são populistas que tendem a se diferenciar do que foi o populismo clássico para se aproximar da experiência do fascismo propriamente dito. O que diferencia o fascismo do populismo clássico e a estes quatro elementos centrais do fascismo é que esses populistas como Trump, mas também [Jair] Bolsonaro, [Narendra] Modi na Índia, [Viktor] Orbán na Hungria e tantos outros, é que estão voltando a esses elementos centrais que não eram típicos do populismo e que são mais típicos do fascismo.

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Capa do livro Uma Breve História da Mentiras Fascistas, de Federico Finchelstein Foto: Editora Vestígio

Quais são esses quatro elementos do fascismo?

Primeiro, a violência e a militarização da política. Isso é um tema central no fascismo, esta ideia de entender que a política é uma guerra com inimigos que são inimigos da Nação, ou seja, inimigos da pátria, inimigos do líder.

O segundo pilar é a mentira e a propaganda totalitária, algo que vai a fantasias e grandes conspirações, são típicas do fascismo e não tão típicas dos populismos, mas central em alguém como Trump. Trump nos Estados Unidos vai ter recorde de mentiras, ao ponto que jornais como o Washington Post, o New York Times fazem atualização constante do número recorde de mentiras.

O terceiro elemento típico do fascismo é a demonização absoluta do inimigo. A desumanização daqueles que se opõem ao líder ou à noção da Nação, ou ao que as pessoas deveriam sentir, identificar-se ou ser, e com isso surge muito o tema da xenofobia e também o racismo.

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E o quarto elemento é a ditadura. Pode haver ditadura sem fascismo, mas não há fascismo sem ditadura. Os fascismos clássicos, como o fascismo que chega ao poder com Mussolini e Hitler, destroem a democracia de dentro para criar uma ditadura de cima, não chegando à ditadura através da democracia, como acontece com os populismos, em que os líderes viram autoritários com respaldo de eleições. É uma reformulação do fascismo em chave democrática.

O que vemos nos Estados Unidos e depois copiado por Bolsonaro no Brasil é claramente uma tentativa de golpe de Estado que demonstraria então que esses populismos já nem mesmo se importam com a legitimidade que o ato eleitoral dá e também reconhecer que quando se perde, se perde, ou seja, são maus perdedores como o foram os fascistas. Então se a pergunta é a seguinte: E se Trump tivesse ficado no poder apesar de ter perdido as eleições, o que seria um governo permanente sem eleições? A resposta é fácil: ditadura. Por isso eu o chamo mais de uma aspiração a fascista do que um fascista propriamente dito. Isso não quer dizer que o resultado disso seja tranquilizador ou que isso signifique que essa gente seja democrática, não é de forma alguma, e e acredito que isso deveria ser um chamado de atenção muito sério e que infelizmente em países como Estados Unidos ou Brasil ou mesmo Argentina não é, e muitas vezes muitos eleitores não reconhecem o perigo para a tolerância, para a pluralidade e para a democracia que essa gente representa.

Trump e seu ex-chefe de Gabinete, John Kelly em 2017 Foto: Evan Vucci/AP

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Se utilizou a palavra “fascista” em muitos contextos anteriores para se referir a políticos opositores, por exemplo. Banalizamos a palavra fascismo ou banalizamos os discursos fascistas propriamente dito?

Tudo depende de como tratamos a questão. Se apresentamos a ideia do fascismo como insulto, como desqualificação ou generalização, é um problema. Eu escrevi o livro para estudar exatamente e apresentar os resultados das minhas pesquisas e de outras pesquisas do campo de estudo, onde podemos nos aproximar da questão a partir das ciências sociais e ver exatamente sobre o que estamos falando, e minha conclusão é que lamentavelmente estamos muito perto disso. Nesse ponto, e eu falo de aspirantes a fascistas, acredito que não está errado chamar as coisas pelo seu nome. O problema é que o tema se normalizou demais e já não chama mais a atenção, lamentavelmente.

E como devemos lidar com políticos e líderes que são aspirantes a fascistas?

É muito importante não normalizar esses extremos, porque não é algo normal na política, posturas tão irracionais tão baseadas no ódio e tão extremistas em tudo. Também reconhecer que os políticos são nossos representantes e não nossos pais ou nosso irmão mais velho que vai nos salvar. Com isso, é importante retornar ou se é possível reconhecer o que são as bases de informação independente e empírica, por exemplo, a imprensa independente, o papel central do jornalismo em uma democracia e não igualar isso às opiniões de pessoas que ou estão mentindo ou não sabem muito ou não leem muito ou não se informam. O problema é que a realidade é mais complexa e que muitas vezes triunfam aqueles que a deformam ou a simplificam. Eu diria que a nova paisagem midiática está facilitando as coisas para essas grandes mentiras e para esses grandes propagandistas. E é importante tentar, na medida do possível, voltar ao que é a importância de lembrar a história, a educação e, claro, a democracia. Uma democracia que funciona através de informações do WhatsApp ou de qualquer qualquer opinião, não é uma democracia na qual as decisões se baseiam na realidade.

Você citou Bolsonaro imitando Trump no Brasil, acredito que se refira aos episódios da invasão ao Capitólio nos EUA e aos Três Poderes aqui. Embora os casos sejam semelhantes, os desfechos foram distintos. Como analisa esses episódios do ponto de vista de resposta ao autoritarismo?

Os EUA não aproveitaram a oportunidade de aprender com o Brasil quando tornaram Bolsonaro inelegível. Porque aqui [nos EUA] o que está em jogo é alguém que apoiou a inconstitucionalidade, alguém que apoiou praticamente algo que poderia ter representado a destruição da democracia - independentemente de gostarmos ou não de quem foi o eleito, estamos falando de não respeitar as bases da democracia - e eu acredito que nos Estados Unidos houve uma normalização de Trump e que já é tarde agora estamos vendo o retorno dessas ameaças que podem desembocar em uma vitória contra a democracia.

E o que esperar de um segundo mandato Trump, considerando tudo o que já aconteceu após a derrota de 2020 e agora nesta campanha?

Embora Trump seja um aspirante a fascista, o fato de ele tentar erodir, degradar, ou até mesmo destruir a democracia não significa que ele vá conseguir. Mesmo se ele ganhar, as instituições e os controles e equilíbrios desta democracia também não são tão fáceis de destruir. Não é que se tem que ter um pessimismo absoluto. Ainda tenho, da mesma forma que acredito no valor central da imprensa investigativa e independente em nos informar, que acredito no valor da educação e da história, acho que as instituições também têm um peso importante para poder se defender. Mas que a democracia será atacada não há dúvidas.

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Mesmo com uma Suprema Corte que não só tem maioria conservadora consolidada por Trump como também lhe deu imunidade quase plena?

Tem isso que você menciona sobre a Corte e também algo que apontam ser o tema de políticos que na verdade traem a cultura política e as instituições democráticas do país, ou seja, não podemos esquecer que o Partido Republicano teve a oportunidade de julgar Trump no Congresso e não tiveram a valentia nem a coragem nem nem a adesão aos valores democráticos para fazer isso. Então se fala de como a democracia também morre quando os políticos traem os valores democráticos, que é o caso do Partido Republicano.

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