Turismo no Afeganistão cresce com presença de asiáticos e estímulo do Taleban

Queda acentuada da violência e aumento de voos com centros como Dubai aumentam presença de turistas no país

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Por Riazat Butt (Associated Press)
Atualização:

CABUL – Cerca de trinta homens reunidos em uma sala de aula em Cabul formam a primeira turma de alunos de turismo e hospitalidade de um instituto administrado pelo Taleban no Afeganistão. Trata-se de uma turma heterogênea de estudantes. Um aluno é modelo, outro tem 17 anos e nunca trabalhou. Variam de idade, nível de escolaridade e experiência, mas têm em comum o fato de serem homens e estarem ansiosos a promover um lado diferente do Afeganistão. E o Taleban fica feliz em ajudar.

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Governantes do Afeganistão, o Taleban é pária no cenário internacional, em grande parte por causa das restrições e violência contra mulheres e meninas no país. As mulheres, por exemplo, estão proibidas de estudar além do ensino básico, e por isso não estão nas turmas de turismo com os homens. Além disso, a economia do país está em dificuldades, as infraestruturas são precárias e a pobreza é geral.

E, no entanto, os estrangeiros estão a visitar o país, encorajados pela queda acentuada da violência, pelo aumento de voos com centros como Dubai e pelo direito de se gabar de estar de férias em um lugar que foge aos roteiros comuns. Os números não são enormes – nunca foram – mas há um burburinho em torno do turismo afegão.

Imagem de 19 de abril mostra afegãos próximos ao santuário de Skahi, em Cabul. País quer aumentar número de turistas nos próximos anos Foto: Siddiqullah Alizai/AP

Em 2021, foram 691 turistas estrangeiros. Em 2022, esse número subiu para 2,3 mil. No ano passado, foram 7 mil. Segundo Mohammad Saeed, chefe da Direção de Turismo em Cabul, a maior parte são chineses, devido à proximidade entre os dois países e o número de habitantes.

Saeed também afirma que os turistas listam vantagens do Afeganistão em comparação com alguns países vizinhos. “Eles me disseram que não querem ir para o Paquistão porque é perigoso e são atacados. Japoneses também me disseram isso”, contou. “Isso é bom para nós.”

Mas também existem desvantagens: os vistos são caros e difíceis de acessar. Muitos países cortaram laços com o Afeganistão depois que o Taleban regressou ao poder em 2021, e ninguém os reconhece como os governantes legítimos do país.

As embaixadas afegãs fecharam ou suspenderam as suas operações. Internamente, a diplomacia vive uma luta contínua entre pessoas da antiga administração afegã, apoiada pelo Ocidente; e pessoas da gestão do Taleban.

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Mohammad Saeed admite que há obstáculos ao desenvolvimento do turismo afegão, mas disse que a gestão atual do governo trabalha para superá-los. Sua intenção final é conseguir um visto de chegada para o turista, mas isso pode demorar anos. Também há problemas na rede rodoviária, pavimentada apenas parcialmente ou inexistente em algumas áreas do país, e as companhias aéreas evitam em grande parte o espaço aéreo afegão.

A capital Cabul tem o maior número de voos internacionais, mas nenhum aeroporto afegão tem rotas diretas com os principais mercados turísticos como a China, a Europa ou a Índia.

Apesar dos desafios, Saeed quer que o Afeganistão se torne uma potência turística, uma ambição que parece ser apoiada pelos principais líderes do Taleban. “Fui designado para este cargo por instruções dos presbíteros (ministros). Eles devem confiar em mim porque me enviaram para este lugar importante”, declarou.

Afegãos tiram selfie no Palácio Darul Aman, que passou por restauração, em imagem de 14 de abril Foto: Siddiqullah Alizai/AP

Os alunos também têm aspirações. O modelo, Ahmed Massoud Talash, quer aprender sobre locais pitorescos do Afeganistão e suas histórias para postagens no Instagram e aparições na mídia.

Samir Ahmadzai, formado em administração de empresas, quer abrir um hotel, mas crê que primeiro deveria saber mais sobre turismo e hospitalidade. “Eles ouvem que o Afeganistão é um país atrasado, pobre e que tem tudo a ver com guerra”, disse Ahmadzai. “Temos 5 mil anos de história. Deveria haver uma nova página do Afeganistão.”

As aulas incluem artesanato afegão e noções básicas de antropologia.

A presença de mulheres estrangeiras

Um assunto não oficial é como interagir com mulheres estrangeiras e como o seu comportamento ou hábitos podem entrar em conflito com os costumes e decretos locais. Exemplos podem ser mulheres fumando ou comendo em público, ou convivendo livremente com homens que não são parentes delas por sangue ou casamento.

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O governo do Taleban impôs um código de vestimenta para as mulheres e requisitos para que tenham um guardião masculino, ou mahram, quando viajam. Jantar sozinha, viajar sozinha e socializar com outras mulheres em público se tornou mais difícil. Com as academias fechadas para mulheres e os salões de beleza proibidos, há menos locais onde elas possam se reunir fora de casa.

Num sinal de que o país se prepara para receber mais visitantes estrangeiros, o único hotel de cinco estrelas do país, o Serena, reabriu o spa e o salão feminino para mulheres estrangeiras após um mês fechado.

Imagem do dia 23 mostra a cidade de Cabul, capital do Afeganistão. Número de turistas cresceu na cidade Foto: Siddiqullah Alizai/AP

Os estrangeiros deverão apresentar o passaporte para ter acesso aos serviços. Mulheres com “nascidas no Afeganistão” na identidade são proibidas de entrar.

As restrições impostas às mulheres e meninas afegãs pesam sobre as empresas de viagens estrangeiras, que dizem tentar se concentrar no aspecto positivo das interações culturais fazendo doações, apoiando projetos locais ou apenas visitando empresas familiares.

Shane Horan, fundador da Rocky Road Travel, disse que visitar o Afeganistão não deve ser visto como um endosso a qualquer governo ou regime político específico. “O objetivo deve ser apoiar práticas de turismo responsável que contribuam positivamente para a economia local e promovam o respeito e a compreensão mútuos, ao mesmo tempo que permanecem conscientes do contexto político mais amplo no Afeganistão.”

Ele disse que não houve nenhuma contribuição das autoridades sobre o que os grupos turísticos viram ou fizeram e que a empresa trabalhou em estreita colaboração com uma organização de direitos das mulheres no Afeganistão. Uma porcentagem do custo da viagem foi destinada ao apoio aos programas desta organização, acrescentou Horan.

Não há mulheres no Instituto de Turismo e Hotelaria. Os alunos não mencionam isso. Mas um funcionário da Direcção de Turismo sim. “É uma situação desoladora”, afirmou o responsável, que preferiu o anonimato por medo de represálias. “Até familiares mulheres perguntam se podem estudar aqui. Mas houve uma mudança de política com a mudança de governo. As mulheres que estudavam antes (do retorno do Taleban) nunca mais voltaram. Eles nunca se formaram.”

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