Ucrânia não vai pautar visita de Bolsonaro à Rússia, diz senador aliado de Putin

Ao viajar para o Leste Europeu no momento mais crítico da crise, Bolsonaro corre o risco de irritar seus aliados na Otan e aprofundar o isolamento internacional brasileiro

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Por Carolina Marins
Atualização:

O presidente Jair Bolsonaro viaja nesta segunda-feira, 14, à Rússia no momento mais tenso da região desde a Guerra Fria. Segundo a inteligência dos Estados Unidos, os russos podem invadir ainda nesta semana a Ucrânia. Apesar do risco de uma nova guerra ser o assunto mais relevante no momento, o tema não deve pautar o encontro entre Bolsonaro e Vladimir Putin, garantiu um senador russo aliado de Putin.

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Segundo Andrei Klimov, senador pelo partido Rússia Unida, de Putin, e membro da Comissão de Assuntos Internacionais do Conselho da Federação da Rússia (a Câmara alta), as conversas entre os dois líderes girarão em torno apenas das relações bilaterais, o que não inclui a atual tensão nas fronteiras da Ucrânia.

“A meu ver, as questões a serem discutidas serão ditadas por: vínculos bilaterais e vínculos no formato Brics”, disse em entrevista ao Estadão. “Nesse sentido, as questões relacionadas ao chamado problema ucraniano não estão diretamente relacionadas às nossas relações bilaterais e às relações que ocorrem no formato Brics.”

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, e o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, em encontro do Brics em 2019 Foto: Pavel Golovkin/AFP

Klimov defende uma maior aproximação entre Rússia e Brasil, que já possuem relações importantes, principalmente no setor agrícola, mas que haviam esfriado nos últimos anos. “O Brasil é um dos maiores países do Hemisfério Ocidental, e isso explica a necessidade de desenvolver as relações russo-brasileiras em diversas áreas.” 

“Além disso, o fato de o Brasil participar do Brics determina a importância especial de nossos relacionamentos. E independentemente de quem está no poder nos países do Brics, é muito importante que esse formato continue seu desenvolvimento, e isso é importante para todos os participantes do Brics. E me parece que nossos colegas brasileiros entendem bem isso”, defende.

O senador chama atenção para uma abordagem enviesada, em suas palavras, feita pela mídia ocidental do que tem ocorrido no Leste Europeu. “É claro que as questões ucranianas são amplamente conhecidas hoje, mas infelizmente, o que estão falando, especialmente na mídia ocidental, está muito longe do que realmente está acontecendo”. 

“Eu não gostaria de discutir ilusões, todos os tipos de falsificações e teorias, e tenho certeza de que os líderes de nosso estado, o presidente Putin, o Ministério das Relações Exteriores, chefes de ministérios e departamentos preferem discutir as questões que estão diretamente relacionadas à interação de nossos dois países”, pontua.

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O Brasil no Conselho de Segurança da ONU

Embora a questão ucraniana não tenha ligações diretas com o Brasil, o país naturalmente terá de se posicionar caso a situação se torne um conflito. Isso porque o Brasil passou a ocupar este ano um assento não-permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas

Já na primeira reunião da cúpula, que foi justamente sobre a situação na fronteira ucraniana, o país votou com os Estados Unidos e contra a Rússia na tentativa russa de bloquear a reunião.

Nesse sentido, Klimov defende que o Brasil esteja aberto a ouvir as posições russas acerca do tema. “O mais importante é que a liderança brasileira entenda o posicionamento russo, conhecer os nossos argumentos e ter a ideia de uma imagem objetiva e imparcial do que está acontecendo na Ucrânia e à sua volta”, diz. 

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“Acredito que, se isso for feito, a liderança brasileira de qualquer forma ajudará a transmitir essas avaliações objetivas a outros colegas e tomará suas próprias decisões, com base não apenas no barulho da propaganda em torno desse tema, mas também com base na realidade objetiva, que muitas vezes não corresponde àquelas publicações e declarações alarmistas que ainda encontramos com perplexidade nos meios de comunicação, especialmente nos países da Otan.”

A Rússia tem classificado com frequência os anúncios americanos de “invasão iminente” como propagandas alarmistas. Embora tenha reunido mais de 130.000 soldados em sua fronteira com a Ucrânia e esteja formando um cerco ao país com exercícios militares e navios de guerra no Mar Negro, a Rússia nega ter a intenção de invadir. O presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, também rechaça os alertas americanos.

Brasil aprofunda isolamento

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A ida de Bolsonaro à Rússia tem sido muito criticada, tanto pela oposição quanto por antigos aliados, por ocorrer em um momento ruim. O temor é de que o Brasil passe uma mensagem de apoio à Rússia neste momento. Não à toa, a viagem já causou tensões recentes no Itamaraty com direito a telefonemas do secretário de Estado americano, Antony Blinken, ao chanceler Carlos França.

Ainda assim, o presidente brasileiro manteve a ida à Rússia e, logo em seguida, visitará outro líder, o populista húngaro Viktor Orbán. “Essa visita ao Putin é ao mesmo tempo inoportuna, descabida e contraproducente”, aponta Roberto Abdenur, ex-embaixador do Brasil nos EUA e conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).

“Mesmo que o Bolsonaro não dê uma única palavra em apoio à postura russa, a simples presença do presidente do Brasil em Moscou neste momento sinaliza, ainda que muito indiretamente, uma certa simpatia pela Rússia e, portanto, pelas posições que ela está tomando neste momento. Isso será muito mal visto.”

“Uma viagem nesse momento dá a impressão de uma certa indiferença a uma ação que, como disse Blinken, se houver invasão, vai ser o fato mais grave em relação à paz mundial desde a Segunda Guerra”, concorda o ex-ministro e ex-embaixador do Brasil em Washington, Rubens Ricupero. “É uma coisa gravíssima, como que você tem a indiferença de fazer isso?”

Além de ter na Otan os seus principais parceiros, em 2019, o então presidente dos Estados Unidos Donald Trump nomeou o Brasil como aliado preferencial extra-Otan, o que torna o país um aliado estratégico militar dos americanos. A nomeação foi muito comemorada pelo presidente Bolsonaro na época e atende a interesses militares brasileiros, além de colocá-lo mais próximo ao grupo. 

“Eu entendo que aos militares brasileiros interessa uma aproximação com a Otan. Isso pode fortalecer e viabilizar a modernização das forças armadas”, diz Abdenur, reforçando que irritar a Otan neste momento vai contra os próprios interesses brasileiros.

A justificativa do governo brasileiro para a viagem é a oportunidade econômica frente ao enorme mercado russo, o que especialistas concordam ser importante recuperar. “Em termos econômicos, a gente tem uma ampla gama de possibilidades de comércio entre as partes e que não são explorados”, explica Larlecianne Piccolli, diretora de pesquisa do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia e estudiosa de Rússia e Leste Europeu. 

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Ronaldo Carmona, pesquisador do Núcleo de Defesa e Segurança Internacional do Cebri, concorda que é possível colher bons frutos da visita, em especial se o Brasil recuperar sua histórica posição de autonomia no sistema internacional. “A despeito do conflito atual, de fato a visita à Rússia sinaliza que o Brasil tem a postura de manter uma relação com todos os países.” 

Porém, a ameaça de Putin de enviar militares para Cuba e Venezuela, países da zona de influência brasileira, coloca o Brasil em uma posição delicada neste encontro. “O Bolsonaro jamais dirá ao Putin ‘não venha instalar bases na proximidade do Brasil que nós não queremos’”, afirma Roberto Abdenur. “Implicitamente, por omissão, ele abrirá campo para que a Rússia venha fazer isso”.

Sem mais parceiros para visitar

Se uma viagem para a Rússia se justificaria ao menos no campo econômico, a ida à Hungria carece de justificativa. O país terá eleições parlamentares em abril e o primeiro-ministro Viktor Orbán, um aliado ideológico de Bolsonaro, está em risco de não conseguir um quarto mandato.

“Esse governo brasileiro tem a característica de sempre apostar em aliados errados, porque são todos aliados que perdem o poder”, observa Rubens Ricupero, relembrando as derrotas de Trump, Netanyahu em Israel e Salvini na Itália.

Orban é um dos últimos líderes da extrema-direita que ainda se mantém no poder depois do esfriamento da onda conservadora impulsionada por Trump. Com ele, a Hungria caiu nos índices de classificação de democracia e o líder tem orgulho de denominar o país uma "democracia iliberal”.

Com seus antigos aliados desta direita conservadora fora dos poderes em seus países, o Brasil se viu isolado diplomaticamente, restando poucos parceiros para visitar. “Se a intenção é mostrar que ele não está isolado, na verdade o resultado é patético”, afirma Ricupero. “O Bolsonaro não tem mais condições de ir a nenhum outro país.”

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