O chanceler uruguaio, Rodolfo Nin Novoa, negou ontem que seu país tenha aceitado adiar para agosto a decisão sobre a transmissão da presidência do Mercosul para a Venezuela. O pedido foi feito na véspera pelo chanceler José Serra (PSDB-SP), que viajou para Montevidéu acompanhado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
“É uma proposta do Brasil, não há uma definição”, disse Nin Novoa ao Estado. Até o fim do mês passado, Argentina e Uruguai concordavam em permitir a posse de Caracas na terça-feira, como estipula o sistema de rodízio semestral. A única condição era que a negociação de um acordo de livre-comércio com a União Europeia ficasse com Montevidéu.
O Paraguai, que trabalha para suspender os venezuelanos com base na mesma cláusula democrática que o puniu após o impeachment de Fernando Lugo em 2012, não aceitou. Pressionou o Uruguai a convocar para segunda-feira uma reunião emergencial de chanceleres.
Com a proposta brasileira de adiamento como um meio-termo sobre a mesa, analistas uruguaios acreditam que a punição pedida por Assunção não passará, mas o governo de Tabaré, abandonado pela diplomacia argentina, cederá.
“Se fosse um tema puramente comercial, haveria posições mais próximas entre os quatro países. Hoje cada um tem uma visão, com Uruguai e Paraguai nos extremos. É uma questão política e cada governo fala para seu público interno.
Isso dificulta o consenso”, avalia o analista Antonio Elías, da Sociedade de Economia Política Latino-americana. Ele acredita que o Uruguai recuará porque Brasil e Argentina “sempre definiram o rumo do Mercosul”. “Primeiro se adia e depois se suspende Caracas alegando alguma falta técnica”, aposta.
A Venezuela tem até 12 de agosto para adaptar-se a cerca de 1.200 normas e tratados do Mercosul para aderir plenamente ao bloco. Até agora, os venezuelanos se moldaram a pouco mais de metade das normas e tratados. Caracas alega que alguns acordos não podem ser incorporados porque vão contra sua Constituição. Não há previsão clara do que ocorre em caso descumprimento.
A defesa imediata da posse de Caracas, reiterada por Tabaré e Novoa, atende publicamente a uma exigência legal, mas também a uma pressão interna. Em maio, o governo uruguaio anunciou um plano para a partir de 2017 conseguir US$ 350 milhões com aumento de impostos e US$ 150 milhões com corte de gastos. O ajuste caiu mal entre políticos e militantes da coalizão de centro-esquerda Frente Ampla.
“A maior parte da base política, que já olha com desconfiança a aproximação com a Aliança do Pacífico, quer a passagem da presidência do Mercosul como estipula a lei”, diz o cientista político Jorge Lanzaro, da Universidad de la República.
Meios locais ressaltaram ontem o isolamento de Tabaré após a visita brasileira. O jornal El País destacou alguns argumentos levados pela comitiva do Brasil. O Uruguai, por exemplo, passaria a poder usar a agência de promoção de exportações brasileira como vitrine gratuita, o que segundo Serra não poderia ser oferecido a todos os membros do Mercosul.
Seria vantajoso para o Itamaraty o Uruguai aceitar a oferta de adiamento para agosto porque a votação do impeachment da presidente Dilma Rousseff está prevista para o fim do mês. Na Frente Ampla, há reservas em negociar com um governo interino. / COLABOROU LU AIKO OTTA