Venezuela: cenário não é positivo para novo mandato, alertam especialistas

Tribunal Supremo de Justiça considerou legal o adiamento da posse e do juramento de Hugo Chávez

Por Agência Estado
Atualização:

Por mais que o regime de Hugo Chávez tenha conquistado uma vitória junto ao Tribunal Supremo de Justiça ao legitimar o início do novo mandato com a posse e o juramento do presidente em data posterior, o cenário na Venezuela não é positivo para o governo, alertam analistas entrevistados pela Agência Estado. Com Chávez no hospital, a nova gestão começa amanhã com a necessidade de realizar profundas reformas econômicas no país, mas sem o tradicional líder para servir de referência política ou conduzir o povo venezuelano através dos momentos de dificuldade. Chávez está em Cuba, onde passou pela quarta cirurgia contra um câncer na região pélvica.

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Para o economista Alberto Ramos, chefe de pesquisa econômica para América Latina do banco de investimentos Goldman Sachs, o impasse político criou mais obstáculo à realização de uma reforma cambial no país, necessária para combater os altos índices de inflação registrados nos últimos anos. Com o foco na doença de Chávez, alerta Ramos, há uma paralisia total do governo, o que significa que a decisão sobre a desvalorização cambial vai ser postergada independentemente de uma nova eleição.

A Venezuela tem um regime de câmbio fortemente controlado pelo governo, com uma taxa fixa de 4,3 bolívares por dólar, mantida desde a última desvalorização cambial, em janeiro de 2010. No mercado paralelo, entretanto, a moeda é negociada a até 18 bolívares por dólar. O câmbio oficial subvalorizado aumenta a inflação, que acumula alta de 85% na Venezuela em quase dois anos, de acordo com o Goldman Sachs.

O gasto público também é outro problema. No ano eleitoral de 2012, o governo esvaziou os cofres públicos, o que, segundo Alberto Ramos, criou a necessidade de um ajuste fiscal. "O gasto público aumentou muito até a eleição de outubro, em uma disputa bastante concorrida. Agora, passada a eleição, será preciso fazer um ajuste fiscal", avisa. "Quanto mais esse impasse se prolongar, maior o impacto na economia", uma vez que os gastos vão se acumulando, pondera o economista.

Já para o professor de relações internacionais Rafael Villa, da Universidade de São Paulo (USP), a economia e o petróleo podem amenizar os problemas políticos do país a curto prazo. "O Produto Interno Bruto da Venezuela depende do petróleo e o preço do petróleo se recuperou nos últimos dois anos. Enquanto os preços do petróleo não caírem, a economia não desestabiliza a política na Venezuela", defende Villa. Com o preço do barril entre US$ 90 e US$ 100, o governo venezuelano pode manter seus gastos sociais e adiar a desvalorização da moeda nacional, o bolívar.

O diretor para mercados emergentes do Eurasia Group, Christopher Garman, alerta que as disputas políticas na Venezuela criam incertezas entre os cidadãos e investidores. Sem clareza sobre o que pode acontecer, o setor privado não investe e as pessoas passam a gastar menos, resume. Além disso, a falta de referência política também faz com que o governo "empurre as decisões com a barriga, o que prejudica ainda mais o cenário político e econômico". Garman avalia que o cenário sem Chávez é muito ruim

para os negócios. "Existe a percepção de que uma Venezuela pós-Chávez pode ser melhor para os negócios, mas nós temos de lembrar que as instituições políticas foram criadas em torno de Chávez", observa. Segundo ele, sem a presença do líder bolivariano, o país perde as instituições fortes e maduras. "Com a oposição ou com um chavismo sem Chávez, nossa preocupação é que a instabilidade política e institucional possa afastar os investimentos e a confiança do investidor."

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Adiamento ratificado

Hoje, a presidente do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) da Venezuela, Luisa Estella Morales, declarou que a Sala Constitucional da corte não considera imprescindível a cerimônia de posse e juramento do presidente Hugo Chávez em 10 de janeiro para a renovação de seu mandato. A magistrada esclareceu que, diante da análise detalhada do Artigo 231 da Constituição do país, a Sala entende que Chávez poderá prestar juramento quando puder fazê-lo ante o próprio TSJ.

Antes mesmo dessa decisão, a oposição já se opunha ao anúncio feito pela Assembleia Nacional na terça-feira (8) de adiar a posse do novo mandato de Chávez. Os opositores defendem que a posse tem de ocorrer na data prevista mesmo que seja realizada perante a Suprema Corte. Já os aliados de Chávez afirmavam que a Constituição não explicita o dia em que ela deve ocorrer, o que permite que a posse seja adiada.

O vice-presidente do país, Nicolás Maduro, convocou os venezuelanos a "manter a luta ativa nas redes", como declarou Maduro a um grupo de militantes no último sábado, segundo reportagem do jornal espanhol El País. Ele defende que é necessário combater aqueles que "desprestigiam e divulgam mensagens maldosas" contra Chávez. Em uma entrevista, o vice-presidente declarou que novas contas estão sendo abertas no microblog Twitter por chavistas para combater "bandidos" e dar "um golpe de opinião". "São bandidos aqueles que utilizam suas contas no Twitter para mentir e falar como se estivessem ali, ao lado de Chávez. Eles mentem, mentem e mentem, sempre", disse.

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Já o líder da coalizão de oposição, Ramon Guillermo Aveledo, escreveu à Organização dos Estados Americanos (OEA) explicando seus temores, embora outros líderes opositores afirmem não ter planos para a realização de protestos amanhã. Procurada pela Agência Estado, o OEA preferiu não se manifestar sobre o assunto. O secretário-geral da organização, José Miguel Insulza, disse hoje (9) em entrevista à emissora chilena ADN Radio que prefere não se pronunciar neste momento sobre a decisão venezuelana de adiar a posse do presidente Hugo Chávez para um novo mandato. Ele reconheceu, entretanto, que há fatores políticos nessa polêmica: "Há uma série de coisas mais propriamente políticas do que jurídicas que cercam essa questão e creio que é melhor que os venezuelanos as resolvam antes de pronunciar-me sobre elas", afirmou.

Novas lideranças

A ausência do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que não é visto ou ouvido há mais de um mês, aumentou a incerteza política sobre quem irá liderar o país após esta quinta-feira (10). Em meio às notícias sobre as condições de saúde de Chávez e interpretações da Constituição nacional, alguns nomes passaram a ganhar mais relevância nas últimas semanas.

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O vice-presidente Nicolás Maduro é leal a Chávez e conduziu o governo desde que o presidente foi internado em Cuba, tornando-se o porta-voz do regime e um dos nomes mais visíveis da política venezuelana. Embora defenda que Chávez continuará no cargo mesmo sem uma cerimônia formal de juramento nesta quinta-feira, Maduro foi escolhido pelo presidente para sucedê-lo se não puder dar prosseguimento às suas tarefas. Ex-sindicalista, Maduro tornou-se vice-presidente com a vitória de Chávez nas eleições de outubro e ocupa, desde 2006, o cargo de ministro de Relações Exteriores. Anteriormente, ele foi presidente da Assembleia Nacional.

O atual presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, é aliado militar do presidente Hugo Chávez. Foi recentemente reeleito para presidir a Assembleia Nacional, cargo que ocupa desde o início de 2011.

Diferentemente de outros anos, a eleição da mesa diretora do Legislativo vinha gerando grande expectativa, pois a Constituição prevê que, caso o presidente Chávez esteja impossibilitado de tomar posse na data prevista, as funções de governante devem ser assumidas pelo presidente da Assembleia Nacional. Caso Cabello chegue ao poder por causa em torno da ausência de Chávez, ele deverá convocar novas eleições gerais em 30 dias. Durante o golpe de Estado que tirou Chávez do poder durante 47 horas em 2002, Cabello assumiu brevemente a Presidência.

Rafael Ramírez é ministro do Petróleo desde 2002, quando chegou ao gabinete de Chávez, e é considerado um dos homens mais poderosos do governo por gerenciar a principal fonte de renda do país. Com o cargo, Ramírez foi responsável pela reforma petrolífera que estatizou empresas multinacionais e estrangeiras, colocando-as sob o controle da estatal PdVSA. Com a renda obtida com o petróleo, desenvolveu financiamentos populares para projetos sociais. Formado em engenharia mecânica, o ministro foi chefe do Enegas, órgão regulatório do governo para gás e geração de energia, antes de ser indicado para o gabinete do presidente.

Adán Chávez, irmão mais velho do presidente e reeleito governador do Estado de Barinas em 2012, foi ministro da Educação entre 2007 e 2008 e acompanhou parte do tratamento do presidente em Havana. Embora tenha poderes políticos limitados, pode ser considerado um homem importante no governo por fazer a ligação entre a família do presidente e as autoridades do regime.

Na oposição, o governador do populoso Estado de Miranda, Henrique Capriles Radonski, foi o candidato à presidência da República com a melhor votação em uma disputa contra Hugo Chávez, quando conseguiu 44% da preferência popular em outubro. Nome forte da oposição e popular entre os cidadãos, o jovem político de 40 anos é apontado por analistas como o candidato natural em caso de uma nova eleição. A indicação de Capriles não é oficial. "Isso ainda deve ser decidido. Se houver tempo, haverá primárias. Se não, se decidirá por consenso de 70%", disse o secretário-executivo adjunto da MUD, Ramón Medina, à BBC. No entanto, a poucos dias da cerimônia de posse, Capriles desafiou o vice-presidente Nicolás Maduro no Twitter, alegando que o vice "não aguentaria muitos assaltos numa luta presidencial". Formado em Direito, Capriles foi presidente da Câmara dos Deputados com o partido social cristão em 1999 e 2000. Já como membro do partido Primero Justicia, foi prefeito do município de Baruta de Caracas entre 2000 e 2008.

O líder da Mesa de la Unidad Democrática (MUD) desde 2008, coalizão de oposição da Venezuela, Ramón Guillermo Aveledo, é um dos políticos que mais se expôs durante a internação de Chávez. Aveledo, que também é dirigente do partido social-cristão COPEI, pediu repetidamente por mais informações sobre o estado de saúde do presidente e ressaltou que o governo havia prometido fornecer relatórios completos sobre a condição de Chávez. O líder da oposição vem alertando que todos os indícios são de que o presidente não estará em condições para começar um novo mandato no dia 10 de janeiro, aumentando ainda mais a pressão política sobre a cerimônia de posse. Professor universitário, Aveledo foi deputado no Congresso pelo Estado de Lara durante três mandatos e presidiu por dois períodos a Câmara dos Deputados.

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