A moda masculina sul-coreana ganha o mundo

Pessoas disseram a Woo Youngmi que um país devastado pela guerra não poderia produzir moda de luxo, mas ela provou que eles estavam errados

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Por Hahna Yoon
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Suas roupas são usadas por estrelas como Lee Jung-Jae, de Round 6, Choi Woo-Shik, de Parasita, e membros do grupo de K-pop BTS. Mas, quando a estilista sul-coreana Woo Young-mi fez sua estreia internacional em 2002, pouca gente acreditava que a moda sofisticada pudesse sair de um país conhecido por uma história entremeada de guerras.

Woo Young-mi, uma das estilistas de moda mais bem-sucedidas da Coreia, na sede de sua empresa em Seul. Foto: Jun Michael Park/The New York Times

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Woo, ou Madame Woo, como é frequentemente chamada, é sem dúvida uma das mais bem-sucedidas estilistas coreanas. É a executiva-chefe da Solid Corp., empresa que controla duas marcas de sucesso: a Solid Homme e a Wooyoungmi. Tornou-se a primeira integrante coreana da Federação Francesa de Moda em 2011, e sua linha Wooyoungmi é agora frequentemente encontrada em lojas de luxo como Le Bon Marché, Selfridges e Ssense.

Woo, que viveu em Paris durante cerca de 20 anos e teve atuação de destaque no surgimento da Coreia do Sul como uma força cultural, disse que contribuiu para esse fenômeno e se beneficiou dele ao longo de sua carreira.

Nascida em 1959, Woo cresceu em Seul durante um período de rápido desenvolvimento econômico que se seguiu ao fim da Guerra da Coreia. “O lema nacional era ‘trabalhe duro e viva bem’. A preocupação com a moda era vista como um mal social, especialmente para os homens”, explicou ela.

Mas Woo teve uma educação não convencional, que desenvolveu sua afinidade natural com as artes. Sua mãe, professora de arte, providenciava para ela e seus quatro irmãos roupas únicas, feitas em casa, que os destacavam na escola. Seu pai era um arquiteto que conseguia trabalhos ocasionais, socializava com soldados americanos, colecionava itens raros e investia na aparência. Entre seus pertences, lembrou ela, havia móveis da Bauhaus, revistas de moda europeias e um longo casaco de couro que remetia a Clint Eastwood.

“Naquela época, 95 por cento dos homens se vestiam da mesma forma. Os pais usavam terno nos escritórios e uniforme nas fábricas, mas o meu investia 80 por cento de sua paixão na boa aparência”, contou ela, citando-o como a razão pela qual acabou enveredando pelo design de moda masculina e por que muitas vezes se inspira na arte e na arquitetura. “Honestamente, isso tudo me envergonhava - a maneira como nossa casa era decorada, as roupas que eu tinha de usar - mas, em retrospecto agora, acho que meu pai era uma pessoa muito criativa, muito cool.”

Apesar de seu passado, nunca pensou em ser estilista, porque, segundo ela, “palavras como ‘estilista’ não existiam na Coreia na época”. Ela não passou no exame de admissão da faculdade de direito, o que chamou de “destino”.

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Uma jaqueta da coleção outono 2021 que esgotou no site Wooyoungmi depois que Jimin, do BTS, a usou em uma sessão de fotos. Foto: Jun Michael Park/The New York Times

Para Osaka e além

Woo comentou que teve “ilusões momentâneas de gênio” ao longo de seus cursos de moda na Universidade de Sungkyunkwan, mas que só começou a sonhar grande quando foi convidada para competir na Coleção de Moda de Osaka de 1983.

Hyunji Nam, editora-chefe de conteúdo sul-coreano da Ssense, declarou que, no que se refere à moda, o Japão e a Coreia do Sul estavam em situação muito diferente na época. “No fim da década de 1980, a moda japonesa já estava se tornando reconhecida no exterior por causa do trabalho de nomes como Yohji Yamamoto e Issey Miyake. Mas a Coreia do Sul não apoiava a moda dentro ou fora do país, e a maioria dos estilistas, independentemente de seu talento, tinha poucas oportunidades de mostrar seu trabalho no país ou internacionalmente.”

A viagem para Osaka foi a primeira de Woo ao exterior, e ela se sentiu intimidada, não apenas como competidora, mas também como coreana entre uma série de nações com tradição na moda. Lembrou-se dos outros países chegando em grupo - equipes da Europa, de Hong Kong, de Singapura - e ela, uma coreana solitária. Passou a noite anterior à competição em claro, com as mãos tremendo ao segurar uma agulha para finalizar sua abordagem minimalista de um hanbok (traje coreano tradicional). Ficou chocada quando recebeu o prêmio. “Na Coreia, ninguém se importava com a existência dessa competição, ninguém ligava para o fato de uma coreana ser capaz de vencer, mas isso me inspirou a pensar grande.”

Woo passou por alguns conglomerados de moda coreanos antes de abrir seu primeiro negócio em 1998, uma pequena butique em Seul, com sua irmã mais nova, Jang-Hee. “Nos momentos em que eu me sentia derrotada, ela sempre me dizia que eu conseguiria”, lembrou-se Woo de sua parceira de negócios, que morreu em 2015.

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Elas batizaram a marca de moda masculina de Solid Homme e a descreveram como roupas para seu homem ideal. “Eu o imaginei hétero e magro, o tipo de cara legal com o qual a maioria das garotas gostaria de se casar”, contou Woo. Os resultados eram looks minimalistas elegantes que muitos na época descreviam como metrossexual.

De acordo com Woo, a marca chegou ao mercado na hora certa: pouco antes dos Jogos Olímpicos de Seul em 1988. “Turistas estrangeiros e os participantes das Olimpíadas tomaram a capital; com isso, os coreanos começaram a se interessar pela aparência dos não coreanos e acabaram mais abertos à diversidade de estilos.”

Em particular, a Solid Homme chamou a atenção de dois grupos de trendsetters. O primeiro era formado pelos chamados Orenji-jok (tribo Laranja), grupo de adolescentes e jovens adultos ricos, em geral do bairro Gangnam, em Seul. Eles já tinham viajado para o exterior e estavam interessados na moda com uma pegada ocidental. O segundo era composto pelos primeiros cantores de baladas coreanas, como Lee Moon-sae, Lee Seung-Chul e Yoon Sang, que faziam sucesso principalmente com o público feminino. A Solid Homme cresceu por meio do boca a boca e de celebridades. “A Solid Homme e a Wooyoungmi são marcas para celebridades coreanas masculinas desde que me lembro. Não é fácil para uma empresa de moda masculina alcançar esse tipo de visual leve, mas bonito, que ambas as marcas possuem. Suas roupas são um pouco grandes, de acordo com a tendência hoje em dia, mas, no geral, têm um ajuste incrível, que é a coisa mais importante na vestimenta masculina”, disse Gianna Hwang, estilista de clientes como Lee Jung-Jae, Eric Nam e Song Kang.

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Arquivos da Sra. Woo na sede da empresa em Seul. Foto: Jun Michael Park para The New York Times

Hoje, com mais celebridades coreanas viajando ao exterior para ensaios de moda, há uma conversa crescente sobre adicionar detalhes de estilo coreano às roupas. “Tem muitas marcas coreanas que valem a pena hoje, mas nem a Solid Homme nem a Wooyoungmi são marcas só coreanas. Woo é uma grande estilista que é coreana por acaso”, afirmou Hwang.

Woo comentou que, quatorze anos depois do sucesso da Solid Homme, não achava suficiente se limitar a seu país. Ela queria criar uma marca de luxo para um adulto mais sofisticado e sensível, que não tem medo de ser vulnerável. E, embora amigos e conhecidos demonstrem preocupação, gostaria de fazê-lo em Paris, a capital mundial da moda. “Eles me disseram que eu estava louca. Primeiro, achavam que eu não conseguiria porque venho da Coreia do Sul. Depois, que seria ainda mais impossível, porque sou mulher.”

A cena da moda francesa realmente acabou sendo pouco convidativa para ela. Na Semana de Moda de Paris, o horário do desfile da Wooyoungmi foi remarcado várias vezes - mesmo depois do envio dos convites - e as modelos que ela havia contratado foram usadas por outros estilistas, contou ela. A coleção finalmente foi exibida em um domingo às dez e meia, na manhã seguinte às maiores festas da Semana de Moda, para menos de 150 convidados. Não fosse por uma crítica positiva no “Le Figaro”, ela poderia ter desistido completamente.

Woo jurou se tornar membro pleno da Federação Francesa de Moda, acreditando que um lugar à mesa era a única maneira de garantir o futuro da marca na Semana de Moda de Paris, mas o caminho não foi fácil.

Os homens coreanos brilham

Na última década, houve uma mudança na forma como a moda coreana é vista, e a moda masculina em particular.

A Wooyoungmi agora tem 44 lojas na Ásia, na Europa, na América do Norte e na Austrália. Woo expandiu sua linha, que agora conta com joias, acessórios e moda feminina. No ano passado, colaborou com a Samsung em edições limitadas de itens de vestir da Wooyoungmi. De acordo com dados do Serviço de Supervisão Financeira da Coreia, a Solid Corp. obteve 548 bilhões de won (US$ 46 milhões na época) em 2020, aumento de 20 por cento em relação a dois anos antes. “A Wooyoungmi elevou a percepção da moda coreana no exterior, provando que isso poderia ser feito. Um estilista coreano poderia ser frequentador regular da Semana de Moda de Paris. Uma marca coreana poderia ser vendida em lojas de departamento de luxo. Woo abriu o caminho para futuros estilistas”, disse Nam, da Ssense.

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