O espaço sideral acaba de ficar um pouco mais brilhante

O universo não é tão negro quanto os astrônomos acreditavam

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Por Dennis Overbye
Atualização:

Talvez o universo tenha mais brilho do que imaginávamos. Isso pode parecer a última notícia que se esperaria ouvir após um ano obscuro. Mas foi isso que um grupo de astrônomos descobriu usando as câmeras da espaçonave New Horizons, que passou próximo a Plutão para medir o grau de escuridão do espaço interplanetário.

“Há algo desconhecido por lá”, afirmou Tod Lauer, do Laboratório Nacional de Pesquisa de Astronomia Ótica-Infravermelha, em Tucson, Arizona. “O universo não é inteiramente escuro, e nós ainda não sabemos completamente o que ele comporta.”

Ilustração de Guy Billout/The New York Times 

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A 6,44 bilhões de quilômetros do Sol, longe de planetas luminosos e da luz difusa pela poeira interplanetária, o espaço vazio é cerca de duas vezes mais brilhante do que se esperava, descobriram Lauer e seus colegas. A explicação mais provável, afirmou ele, é que haveria mais galáxias com pouco brilho ou mais estrelas aglomeradas formando a luz de fundo do universo do que os modelos indicavam. Ou até que buracos negros nos centros de galáxias que não enxergamos estariam bombeando energia extra no vazio.

Uma possibilidade menos empolgante, afirmou Lauer por e-mail, é que “tenhamos nos confundidos e não percebemos uma fonte de luz ou um problema de câmera que deveríamos ter notado. É com isso que eu mais me preocupo.”

Uma sugestão mais intrigante, até especulativa, envolve o que pode ser chamado de matéria fria ofuscante. Acredita-se que o universo seja repleto de “matéria escura”, cuja composição exata é desconhecida, mas cuja gravidade dá forma visível ao cosmos. Algumas teorias sugerem que essa matéria poderia ser formada por nuvens de partículas subatômicas exóticas, que perdem radiação ou colidem e se aniquilam em lampejos de energia que contribuem para o brilho do universo. Lauer e seus colegas preferem deixar especulações desse tipo para os físicos de partículas. “Nosso trabalho busca apenas medir o fluxo em si”, afirmou ele em um e-mail. “Como observadores, oferecemos essas medições para quem tiver a capacidade de descobrir como interpretá-las.”

Marc Postman, astrônomo do Instituto de Ciência Espacial Telescópica, em Baltimore, e um dos autores do estudo, publicado on-line em novembro, disse: “É importante fazer isso para se ter uma estimativa do total de energia contida no universo, o que ajuda a nos informar a respeito da história cósmica mais geral em torno da formação das estrelas.”

Para que não haja dúvida, a quantidade extra de luz que eles encontraram vagueando pelo universo foi cerca de 10 nanowatts por metro quadrado por esferorradiano, uma medida de ângulo sólido no céu (são necessários 4pi esferorradianos para cobrir todo o céu).

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Lauer comparou esse registro com a quantidade de luz emitida pela estrela Sirius ou por uma geladeira aberta a 1,6 quilômetro de distância. “Para ter uma noção mais próxima do que fizemos, tente se deitar na cama com as cortinas abertas, em uma noite escura, sem Lua”, escreveu ele em um e-mail. “Talvez você fique acordado, encarando as paredes. Quando Sirius surge de trás das montanhas, ou se o seu vizinho abre a geladeira, você percebe a luz do quarto aumentar levemente.”

Contudo, ele ressaltou, “a luz que o seu vizinho emitiu à distância quando acordou para comer um resto de peru às 3 horas da manhã não é suficiente para acordar você”. Ele afirmou que a medição tem 5% de chance de ser uma casualidade; essa margem de erro é denominada 2 sigma e fica longe do padrão dourado para uma descoberta, de “5 sigma” — ou chance de estar errado equivalente a uma em 3,5 milhões.

As medições da equipe incluíram somente luz em comprimentos de onda visíveis e precisaram ser incrementadas por medições com telescópios de rádio, raios-x e infravermelhos, afirmou Postman.

Por séculos, a escuridão do céu noturno foi fonte de um paradoxo batizado com o nome do astrônomo alemão Heinrich Wilhelm Olbers. Teoricamente, em um universo estático e infinito, toda linha de visão acaba em uma estrela, então o céu noturno não deveria parecer tão brilhante como o sol?

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Mas os astrônomos sabem hoje que o universo tem somente 13,8 bilhões de anos e está em expansão. Como resultado, a maioria das linhas de visão não termina em estrelas, mas no evanescente brilho do Big Bang, e os comprimentos de onda desse brilho estão agora tão estendidos que ficam invisíveis ao olho nu, o que faz o céu parecer escuro.

Mas quão escura é a escuridão?

Não é pouca coisa somar toda a luz que não conseguimos ver. Há galáxias tão distantes que não emitem luz suficiente para acionar nem os detectores mais sensíveis de telescópios gigantescos — mas que bombeiam energia em forma de poeira espacial e gases que se esparramam pelo espaço.

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A espaçonave New Horizons foi lançada em 19 de janeiro de 2006 e passou por Plutão em 14 de julho de 2015. Em 1º de janeiro de 2019, ela passou pelo objeto transnetuniano Arrokoth, chamado anteriormente de Ultima Thule, um dos icebergs cósmicos — que ocorrem em números incalculáveis — do Cinturão de Kuiper, nos confins do Sistema Solar. E a sonda continua sua jornada.

As medições de Lauer tiveram como base sete imagens feitas pelo Long-Range Reconnaissance Imager, uma câmera instalada na New Horizons, que foram registradas quando a espaçonave estava a 6,44 bilhões de quilômetros da Terra. Naquela distância, a espaçonave estava muito além da distração do brilho dos planetas ou da poeira interplanetária. Na verdade, afirmou Postman, mesmo que a sonda estivesse 10 vezes mais longe, não encontraria uma escuridão tão límpida.

“Quando há um telescópio instalado na New Horizons, e a sonda está nos confins do Sistema Solar, podemos perguntar: ‘Quão escuro o universo pode ser, afinal?’”, escreveu Lauer. “Podemos usar a câmera somente para medir a luminosidade do céu.” Nesse caso, as imagens foram dos distantes objetos do Cinturão de Kuiper. Subtraindo isso — e algumas estrelas — o que sobra é puro céu.

A câmera, afirmou Postman, é um "gerador de imagens de luz branca”, recebendo luz por meio de um amplo espectro, que varia entre o que é visível e alguns comprimentos de onda ultravioleta e infravermelha.

Quando os pesquisadores mediram o nível de luz ao fundo do céu, eles tiveram de apelar para modelos matemáticos a respeito da quantidade de galáxias de baixo brilho que se escondem sob os limites normais de detecção. Quando aquela quantidade foi subtraída de suas medições, sobrou uma quantidade igual de luz de origem desconhecida.

“Era como se sempre tivéssemos contado as pessoas da Terra deixando de fora a Ásia”, afirmou Postman. Lauer disse que essa foi a medição de luz de fundo do universo mais acurada já feita. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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