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Satélite caça vazamentos de metano no mundo todo e combate às mudanças climáticas ganha impulso

Gás é entendido como um dos responsáveis pelo efeito estufa, ao lado do gás carbônico

Por Malika Khurana e Hiroko Tabuchi (The New York Times)
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Seis anos atrás, os cientistas do Environmental Defense Fund (EDF), uma organização sem fins lucrativos, estavam concluindo um grande projeto de pesquisa para medir os vazamentos de metano das instalações de petróleo e gás do Texas. Para onde quer que olhassem – usando aviões, drones, medições no solo e até mesmo dispositivos portáteis – eles descobriram que o gás estava vazando em um ritmo muito mais rápido do que as empresas haviam divulgado.

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E se isso estivesse acontecendo no mundo inteiro?

Os cientistas sabiam que só havia uma forma de compreender o panorama geral: construir um satélite para monitorar o metano em escala global, algo que o grupo nunca tinha feito antes. Pelo que sabiam, nenhuma organização sem fins lucrativos o fizera – apenas governos ou empreendimentos privados.

“Todo mundo achava que era uma loucura”, disse Steven Hamburg, cientista-chefe do EDF, que liderou o projeto. “Para falar a verdade, eu também achava que era uma loucura”.

Ativistas do Greenpeace se fantasiaram de alienigenas durante manifestação em frente ao banco em Manila, nas Filipinas. Foto: Pat Roque/Divulgação

Nos meses seguintes, o EDF reuniu uma equipe de cerca de 70 cientistas e engenheiros dos setores acadêmico, aeroespacial comercial e de defesa. Além disso, arrecadou cerca de US$ 88 milhões de doadores filantrópicos, um orçamento apertado, considerando o escopo do projeto.

O satélite foi lançado ao espaço em um foguete transportador da SpaceX.

O metano, um gás incolor e inodoro, é o principal ingrediente do gás natural, que é queimado em usinas de energia e fábricas do mundo todo, bem como em residências (fogões a gás, por exemplo). A queima do gás é muito mais limpa que a do carvão, mas tem um grande problema: o gás é muito propenso a vazamentos. Ele escapa dos locais de perfuração de petróleo e gás e também dos dutos que o transportam para onde ele precisa ir. Alguns operadores simplesmente o liberam no ar em vez de investir na infraestrutura para capturá-lo.

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E isso está acelerando as mudanças climáticas.

Quando o metano escapa para a atmosfera, atua como um cobertor pesado no céu, prendendo o calor do sol e aquecendo o planeta. Em seus primeiros vinte anos na atmosfera, o metano captura mais de 80 vezes mais calor do que o dióxido de carbono, o principal gás do efeito estufa. (Felizmente, o metano não permanece na atmosfera por tanto tempo quanto o dióxido de carbono).

Cientistas calculam que as emissões de metano causadas pelo homem são responsáveis por até 30% do aquecimento global dos dias de hoje.

É um desafio descobrir onde estão ocorrendo as emissões de metano, qual é o tamanho delas e quem é o responsável. Muitos locais de perfuração são automatizados. Algumas empresas não investem o suficiente em tecnologia de detecção de vazamentos. Ou não recebem bem os inspetores que fazem as medições.

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Aí entra em cena o MethaneSAT.

O satélite do tamanho de uma máquina de lavar roupa carrega instrumentos de precisão, como um espectrômetro que usa a luz refletida da superfície da Terra para identificar e calcular a quantidade de metano nessa parte da atmosfera.

Vários satélites já monitoram o metano, mas ou eles examinam áreas mais amplas, com resoluções mais baixas, ou apontam alvos específicos, sem um contexto mais amplo. Os recursos do MethaneSAT estão em um ponto intermediário (alguns empreendimentos comerciais também detectam o metano, mas seus dados são privados).

O MethaneSAT consegue detectar mudanças nas concentrações de gás tão pequenas quanto três partes por bilhão na atmosfera, de acordo com os cientistas do EDF, o que lhe permite identificar fontes de emissões menores do que outros satélites. Mas ele também consegue fazer uma varredura mais ampla – com um campo de visão de cerca de 200 por 200 quilômetros – o que lhe possibilita detectar emissores maiores, às vezes chamados de “superemissores”, para os quais os outros satélites talvez não estejam olhando.

“Isso nos permite basicamente colocar um par de lentes bifocais, para que possamos ver as coisas tanto em pequena escala quanto na escala maior”, disse Hamburg. O novo satélite também foi projetado para rastrear as emissões ao longo do tempo, para ver se estão aumentando ou diminuindo e quanto.

Os cientistas em solo vão analisar esses dados usando computação em nuvem e tecnologia de IA desenvolvida pelo Google, um parceiro da missão. Eles também vão disponibilizar os dados publicamente na plataforma Earth Engine, do Google.

Ao todo, o MethaneSAT pretende “ver” cerca de 80% a 90% da produção global de petróleo e gás em suas 15 rotações diárias ao redor da Terra, disseram os cientistas do EDF. Isso deve cobrir uma parte significativa das emissões de metano causadas pelo homem. (Outras grandes fontes de emissão de metano são os aterros sanitários e os arrotos de vacas).

O EDF vai disponibilizar gratuitamente os dados do MethaneSAT no início do ano que vem, permitindo que as empresas de petróleo e gás ou os órgãos reguladores ambientais encontrem e consertem vazamentos mais rapidamente, disseram os cientistas do EDF. Eles também esperam permitir que um grupo mais amplo de autoridades eleitas, investidores, compradores de gás e o público em geral saiba mais prontamente quem está por trás dos vazamentos, a fim de responsabilizá-los.

“É um grande passo na direção certa”, disse Drew Shindell, professor de ciências da terra na Duke University que não trabalhou com o MethaneSAT. Ele disse que espera que o projeto “seja o padrão-ouro para o uso de dados de monitoramento remoto para alertar as agências e todo o setor sobre vazamentos”.

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A grande questão, segundo ele, é se os produtores de petróleo e gás se sentirão obrigados a agir. “Não há garantia de que essas informações levem a uma mudança de comportamento”, disse ele.

O lançamento do satélite coincide com esforços globais para regulamentar melhor o metano. As novas regras da União Europeia, por exemplo, impõem limites de emissões de metano às importações de petróleo e gás, exercendo pressão sobre os principais produtores no exterior. As regulamentações adotadas pelo governo Biden no ano passado vão exigir que os produtores de petróleo e gás nos Estados Unidos detectem e consertem vazamentos de metano. Nas negociações climáticas globais do ano passado, uma coalizão de 50 empresas de petróleo e gás se comprometeu a reduzir suas emissões de metano entre 80% e 90% até o final da década.

A boa notícia é que deve ser relativamente barato consertar os vazamentos de metano da infraestrutura de petróleo e gás. E, em teoria, capturar esse metano em vez de deixá-lo escapar poderia garantir o retorno do investimento, permitindo que as empresas vendessem mais gás. Algumas empresas já começaram a usar outros dados de satélite para rastrear melhor seus vazamentos de metano.

Um esforço conjunto para controlar o metano proveniente de combustíveis fósseis, agricultura e aterros sanitários poderia reduzir as emissões de metano em até 57% até 2030, ajudando a desacelerar a taxa de aquecimento em até 30%, segundo cálculos de cientistas. Um dos principais objetivos do MethaneSAT é ajudar a promover essa mudança.

“Nossa única medida de sucesso é: as emissões vão diminuir? Esta é a nossa estrela do norte”, disse Hamburg. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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