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Um medicamento poderia dar ao seu animal de estimação mais alguns anos?

Novas drogas para maior longevidade dos nossos companheiros caninos estão cada vez mais perto da realidade. E também levantam questões sobre o que seu êxito significaria

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Por Emily Anthes
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - A vida de um cachorro de estimação segue uma trajetória previsível. Com o tempo, o cachorrinho de orelhas caídas que fica dormindo em cima da tigela de comida vira um adolescente de pernas esguias com um interesse insaciável por esquilos – e enfim se acalma na idade adulta, uma criatura de hábitos caninos, com um local de cochilo cuidadosamente escolhido e um ritual de saudação bem ensaiado.

Renzo, um shih tzu de 11 anos, participou de um estudo dirigido pela Loyal, uma das empresas de biotecnologia que trabalha para trazer ao mercado medicamentos para longevidade de cães. Foto: Loyal via The New York Times

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Mas, com o passar dos anos, suas articulações ficam rígidas e seu focinho, grisalho. E um dia, que inevitavelmente chegará cedo demais, seu rabo para de abanar.

“Quando você adota um cachorro, adota um sofrimento futuro”, disse Emilie Adams, nova-iorquina que têm três leões-da-Rodésia. “Vale a pena, porque você tem muito amor entre hoje e o dia em que eles partirem. Mas a expectativa de vida deles é menor que a nossa”.

Nos últimos anos, os cientistas vêm tentando desenvolver medicamentos que possam evitar esse sofrimento futuro, prolongando a vida dos nossos companheiros caninos. Na terça-feira, a empresa de biotecnologia Loyal anunciou que estava mais perto de lançar um desses medicamentos no mercado. “Os dados que vocês forneceram são suficientes para mostrar que há uma expectativa razoável de eficácia”, informou um funcionário da Food and Drug Administration (FDA, a agência sanitária dos Estados Unidos) à empresa em uma carta recente. (A Loyal apresentou uma cópia da carta ao New York Times).

Isso significa que o medicamento, que a Loyal se recusou a identificar por razões de sigilo de propriedade, cumpriu um dos requisitos para “aprovação condicional alargada”, uma autorização acelerada para medicamentos animais que satisfazem necessidades de saúde não satisfeitas e exigem ensaios clínicos complicados. O medicamento ainda não está disponível para tutores de animais de estimação, e a FDA ainda deve analisar os dados de segurança e fabricação. Mas a aprovação condicional, que a Loyal espera receber em 2026, já permitiria à empresa começar a comercialização do medicamento para prolongar a vida canina, mesmo antes da conclusão de um grande ensaio clínico.

Celine Halioua, fundadora e executiva-chefe da Loyal, com seu idoso Rottweiler, Della. Foto: Loyal via The New York Times

“Vamos prometer pelo menos um ano a mais de vida saudável”, disse Celine Halioua, fundadora e CEO da Loyal.

Não se sabe se o medicamento realmente vai cumprir essa promessa. Embora um pequeno estudo sugira que o LOY-001 possa atenuar as alterações metabólicas associadas ao envelhecimento, a Loyal ainda não demonstrou que a droga prolonga a vida dos cães.

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Mas a carta, que veio após anos de conversas entre a Loyal e a FDA, sugere que a agência está aberta a medicamentos para a longevidade canina, disse Halioua.

Mais drogas desse tipo estão em preparação. Uma equipe de pesquisadores acadêmicos está conduzindo um ensaio clínico canino com rapamicina, que demonstrou prolongar a vida de ratos de laboratório. E a Loyal está recrutando cães para um ensaio clínico de outro candidato, um medicamento chamado LOY-002.

Esses movimentos são um sinal do ritmo acelerado da ciência e da seriedade com que pesquisadores e reguladores estão explorando um campo que até então parecia ficção científica. E também levantam questões sobre o que o sucesso desses medicamentos significaria, disse Daniel Promislow, biogerontologista da Universidade de Washington e codiretor do Dog Aging Project, que está conduzindo o ensaio com rapamicina.

“E se funcionar?” ele disse. “Quais são as implicações?”

Fancy, uma pomerânia de 4 anos que esteve envolvida em um dos estudos de Loyal. Foto: Loyal via The New York Times

Bebendo na fonte da juventude

O envelhecimento pode ser uma inevitabilidade, mas não é inflexível. Os cientistas deram vida mais longa a vermes, moscas e ratos ajustando genes-chave relacionados ao envelhecimento.

Essas descobertas levantaram a possibilidade tentadora de que os cientistas pudessem encontrar medicamentos que tivessem os mesmos efeitos em humanos. Esta continua a ser uma área ativa de pesquisa, mas a longevidade canina recentemente começou a atrair mais atenção, em parte porque os cães são bons modelos para o envelhecimento humano, em outra parte porque muitos tutores de animais de estimação adorariam ter mais tempo com seus familiares peludos.

As drogas sob investigação agem de maneiras diferentes. A rapamicina, que também atraiu intenso interesse como potencial medicamento para longevidade em humanos, inibe uma proteína conhecida como mTOR, que regula o crescimento e o metabolismo celular.

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Este ano, uma equipe de cientistas – entre eles Promislow e alguns de seus colegas do Dog Aging Project – publicou uma análise de cães que haviam sido escolhidos aleatoriamente para receber uma dose baixa de rapamicina ou um placebo durante seis meses. Embora o tamanho da amostra fosse pequeno, 27% dos tutores de cães cujos animais receberam o medicamento relataram melhorias na saúde ou no comportamento, até mesmo aumento na atividade ou nas brincadeiras, em comparação com 8% dos tutores cujos cães receberam placebo.

O LOY-001, um implante de liberação prolongada destinado a cães adultos grandes, foi projetado para modular um outro composto relacionado ao crescimento: o fator de crescimento semelhante à insulina-1, ou IGF-1 (na sigla em inglês). O IGF-1 tem sido associado ao envelhecimento e à longevidade em diversas espécies. Em cães, sabe-se que desempenha um papel fundamental na determinação do tamanho corporal. Embora a ideia ainda não tenha sido comprovada, alguns cientistas levantam a hipótese de que níveis elevados de IGF-1 impulsionam tanto o crescimento rápido como o envelhecimento acelerado em cães grandes, que geralmente têm uma expectativa de vida mais curta do que os pequenos.

Tucker, um Jack Russell terrier de 10 anos e participante do estudo. Foto: Loyal via The New York Times
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A pesquisa da Loyal, que ainda não foi publicada, sugere que o LOY-001 reduz os níveis de IGF-1 em cães e que pode reduzir os aumentos de insulina relacionados ao envelhecimento; um estudo observacional com quase 500 cães também sugeriu que níveis mais baixos de insulina estavam correlacionados com redução da fragilidade e maior qualidade de vida.

“É uma abordagem bem empolgante”, disse Colin Selman, biogerontologista do envelhecimento da Universidade de Glasgow, que não participou da pesquisa e não analisou pessoalmente os dados da empresa.

Mas provar que um medicamento pode de fato prolongar a vida canina vai exigir ensaios clínicos grandes e demorados. Embora alguns estejam em andamento, serão necessários pelo menos mais uns anos até que os resultados sejam divulgados. E, independentemente do medicamento, os pesquisadores precisarão demonstrar que ele acrescenta anos bons e saudáveis à vida do cão, em vez de apenas prolongar seu declínio, disseram os especialistas.

Dilemas caninos

É muito cedo para dizer quanto os medicamentos para a longevidade vão custar, mas Halioua previu que o LOY-001 resultaria em “uma média de dois dígitos de dólares por mês”.

Matt Kaeberlein, codiretor do Dog Aging Project, e seu pastor alemão, Dobby. Foto: Grant Hindsley/The New York Times

Para alguns tutores, o custo não será impedimento, disse Karen Cornelius, de Illinois, que tem mastins e outras raças “gigantes” há décadas. Muitos morreram quando tinham cerca de 9 anos de idade, disse Cornelius, que dirige vários grupos no Facebook para tutores de cães gigantes.

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“Outro dia, estávamos falando em um dos meus fóruns como eles tiveram vida curta e como as pessoas dariam quase qualquer coisa se pudessem prolongar essa vida”, disse ela.

Alguns especialistas em ética temem que esse entusiasmo possa ser explorado, especialmente se os medicamentos forem anunciados como fontes de juventude canina, enquanto questões de segurança e eficácia a longo prazo continuam sem resposta. Os cães não têm como dar consentimento, observaram eles.

“É do interesse dos cães viver um pouco mais, mesmo que os medicamentos tragam riscos?”, disse Rebecca Walker, filósofa e bioeticista da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, que disse que não daria medicamento para longevidade ao seu Golden Retriever. “Ou, na verdade, é do interesse de seus tutores, que são muito apegados a eles?”

O pior efeito colateral do LOY-001 foi desconforto gastrointestinal leve e temporário, disse Halioua, embora ela reconhecesse que o padrão de segurança seria “extremamente, extremamente, extremamente alto”.

Os medicamentos para longevidade são destinados a cães saudáveis, o que altera o cálculo risco-benefício. “Uma coisa é se o cachorro está à beira da morte e você dá a ele um tratamento de última hora”, disse Bev Klingensmith, criadora de Dogue Alemão em Iowa que também tem um Dogue Alemão e um Golden Retriever. “Seria meio assustador dar ao meu cachorro jovem e saudável um medicamento totalmente novo”.

Os medicamentos vão levantar questões éticas mesmo se cumprirem todas as promessas. “Se os animais viverem mais, teremos os recursos e o compromisso para proporcionar vidas que valham a pena ser vividas?”, escreveu a Dra. Anne Quain, veterinária e especialista em ética veterinária da Universidade de Sydney, por e-mail. “E se mais cães viverem mais que seus tutores?”

A melhor forma de melhorar a vida canina talvez seja reformar as práticas de criação que contribuíram para reduzir os problemas de saúde de muitos cães e expandir o acesso aos cuidados veterinários básicos, acrescentou ela. “Podemos salvar muitos ‘anos caninos’ garantindo que o maior número possível de cães tenha acesso a esses cuidados”, disse ela. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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