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Aos dez anos, "Cibercultura" ainda faz sentido?

Obra de Pierre Lèvy foi lançada há uma década; para ele, livro sinalizou mudança profunda na organização mundial

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Por Redação
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Paris, 1995. A web ainda estava em formação e, por lá, reinava a Minitel, rede fechada do governo com serviços como previsão do tempo e lista telefônica. É quando um filósofo tunisiano surge com a teoria de que a rede seria um espaço virtual coletivo sem nenhum controle, que aumentaria a inteligência de todos e mudaria tudo. Pierre Lèvy apresentou a tese para a Comissão Europeia (braço executivo da União Europeia) e, da plateia, uma mulher falou: "Até que enfim alguém disse algo importante. Você pode explicar isso aos meus colegas da Comissão?". Lèvy aceitou o desafio e escreveu o livro Cibercultura, em que expunha seus pensamentos sobre como os meios digitais provocarão uma profunda mudança na sociedade. "Para mim, essa é uma nova fase da evolução da humanidade, com novas formas políticas, culturais, novos costumes", o próprio autor explicou durante o Cibercultura 10+10, evento que ocorreu em Santos, na semana passada, em comemoração aos dez anos do lançamento de seu livro no Brasil. Ele faz um paralelo com a invenção da imprensa, que permitiu que a memória simbólica se multiplicasse. "Essa é uma mutação tão importante quanto a invenção da escrita", defende. Suas ideias o tornaram querido entre artistas, mas despertaram também antipatia entre a intelectualidade francesa. Pode ter sido porque a web era vista como uma coisa de norte-americano, ou porque, segundo Lèvy, muitos intelectuais negavam a importância da rede. O fato é que esse foi um dos motivos a fazer o filósofo trocar de país pela terceira vez (ele nasceu na Tunísia) e se mudar para o Canadá, onde vive hoje. No Brasil, porém, Lèvy foi abraçado de cara. "Muitas vezes as transformações vêm de lugares inesperados", tenta justificar Lèvy, que se autointitula um filósofo "brasileiro, italiano, coreano, mas não francês e nem canadense. Acredito que a minha obra faz sucesso entre pessoas que não separam o trabalho acadêmico da vida, fazem festa e falam com as mãos". "É uma obra conceitual", explicou ao Link o professor André Lemos, da UFBA. "O que importa é que a gente tenha elementos para compreender o contexto geral e não as ferramentas". Lèvy concorda: "Meus livros ainda são relevantes porque tento entender o motor da evolução cultural". Embora obviamente Cibercultura não fale de web 2.0 (termo inventado em 2004), as novas ferramentas estão entre os caminhos apontados por Lèvy para esta nova sociedade. Para ele, Wikipedia, Twitter e YouTube são o "começo da civilização da inteligência coletiva". Ele próprio é usuário de Twitter (@plevy) e diz que passa horas lendo e-mails, ouvindo música e trocando mensagens de até 140 toques. Para Lèvy, estamos no ponto onde a cibercultura está passando da contracultura para ser a cultura dominante. E a grande revolução deve vir com uma web inteligente. "Hoje nós temos uma interconexão geral no plano técnico, mas não há interconexão semântica", diz, que está desenvolvendo uma linguagem chamada IEML. "O último objetivo é codificar o significado de modo computacional, para providenciar um sistema de coordenadas para um espaço semântico universal e infinito que será o espelho da inteligência coletiva humana no ciberespaço". Obra é considerada fundamental no Brasil Cibercultura foi lançado em 1997 em Paris. Traduzido em mais de dez idiomas, o livro foi lançado no Brasil em 1999. Logo virou parada quase obrigatória para quem quer estudar cultura digital. Segundo a Editora 34, foram mais de 20 mil exemplares vendidos, em duas edições e sete reimpressões. Para os especialistas ouvidos pelo Link, Lèvy encontrou solo fértil aqui porque o Brasil é tradicionalmente mais aberto a esse tipo de debate. "O Brasil é pioneiro na reflexão da cultura digital com essa consistência", diz Cláudio Prado, organizador do Cibercultura 10+10. O livro é vendido por R$ 38 no próprio site da editora. Frases Acho que é porque o Brasil é permeável, rápido e fácil de entender cultura digital. A cultura é remixada por excelência. Lèvy é pop" Cláudio Prado, do Laboratório Brasileiro de Cultura Digital Pierre Lèvy é  importante aqui porque o Brasil tem uma janela para o futuro mais aberta do que a da Europa. Somos o novo mundo" Gilberto Gil, músico e ex-ministro da Cultura Lèvy teve um papel pioneiro ao lançar o debate na década de 90 e falar dessas transformações de maneira conceitual" André Lemos, pesquisador em cibercultura Temos uma cultura popular que é parecida com a cibercultura. Vivemos a fusão de ideias historicamente" Sérgio Amadeu, sociólogo     

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