SÃO PAULO – Dos protestos de Londres aos acampamentos espanhóis, passando pela Primavera Árabe, máscaras do grupo Anonymous, originalmente desenhadas no quadrinho V de Vingança, puderam ser vistas entre os manifestantes que exigiam mudanças. Não é a toa. As redes que dificultam a identificação dos seus usuários estão sendo usadas em todos os grandes protestos mundiais, facilitando a articulação dos rebeldes e complicando o trabalho da inteligência policial. Cada vez mais, o anonimato é visto como direito por cidadãos e como crime por governos.
Diversos países já tentaram banir o aplicativo BBM, da BlackBerry, que de simples chat online virou arma de guerra, porque criptografa as mensagens entre seus remetentes. Mas a ferramenta mais importante para os anônimos atualmente é o Tor, um protocolo de navegação alternativo à web comum que foi desenvolvido pela marinha norte-americana. Em 2006, ele se transformou na ONG Tor Project. Desde então, é aprimorado por desenvolvedores e ativistas que acreditam no anonimato como o pressuposto da liberdade de expressão na web. Para eles, monitoramento se confunde com censura, principalmente em países fechados como China e Irã, que usam as pegadas deixadas por dissidentes para persegui-los.
Ao entrar em um site, o seu computador, normalmente, faz contato com um servidor web que reconhece o IP (endereço que identifica a máquina) e devolve a solicitação, liberando a página. Ao instalar o pacote do Tor e seu navegador baseado no Firefox, a ordem muda – no meio do contato comum, são introduzidos centenas de outros computadores que fazem parte da rede Tor e que repassam aleatoriamente informações criptografadas uns aos outros. Apenas o destinatário final tem acesso ao conteúdo aberto, mas é difícil saber de quem ele partiu (veja no infográfico no final da página).
Defendida por organizações como Human Rights Watch e Eletronic Frontier Foundation (EFF) e bancada por doações de empresas como o Google, a rede do Tor virou uma internet à parte. Lá, é possível encontrar todo tipo de conteúdo que seria considerado inadequado na web normal, de documentos confidenciais de governos a criminosos que oferecem seus serviços. É a chamada internet profunda, a deep web, formada por endereços que buscadores como o Google não conseguem alcançar e estipulada em cinco mil vezes o tamanho da internet normal. Se alguém tenta entrar em algumas dessas URLs sem o Tor, dará com a cara na porta.
“Se manter anônimo é um esforço constante. Por mais avançadas que sejam as tecnologias, uma hora são alcançadas pelos governos e pela polícia. É um eterno jogo de gato e rato”, afirma Karen Reilly, chefe de desenvolvimento do Tor, em entrevista ao Link por telefone.
A liberdade de expressão total é defendida de maneira paranoica pelo grupo. Conteúdo sensível está quase sempre protegido por travas, enquanto os sites mais escabrosos e os fóruns mais específicos costumam pedir senha. Atualizações dos softwares são constantes, feitas pela própria comunidade.
O pesquisador inglês Eric Wustrow, da Universidade de Michigan, faz parte desse grupo de desenvolvedores preocupados em assegurar a privacidade online. Junto de estudiosos de várias faculdades, ele desenvolveu o Telex, ao mesmo tempo alternativa e complemento ao Tor. “Os programas atuais são fáceis de bloquear. Isso cria uma situação em que os cidadão ficam procurando proxies disponíveis antes que o governo os bloqueie”, explica. “Criamos uma ferramenta que deixa isso mais difícil. Ela pode ser usada inclusive para acessar o Tor em países que o proíbem”. Pelo menos 15 mil pessoas – em grande parte chineses tentando furar a muralha de censura imposta pelo seu governo – já usam a rede experimental, criada neste ano.
A internet anônima é um mundo próprio, com serviços que copiam ferramentas usadas normalmente, mas supostamente assegurando privacidade total. Há serviços de hospedagem anônimos (diversos sites terminam em .onion, um dos mais populares), comunicadores instantâneos privados e até moedas digitais que dificultariam saber quem comprou o quê de quem. Os endereços são indexados por wikis secretas que mudam de endereço o tempo todo e com vários espelhos escondidos em enormes sequências alfabéticas.
Por isso, além de informações de grupos políticos como Wikileaks e Anonymous, dentro da deep web gira uma verdadeira contra-economia, baseada não em dólares, mas em Bitcoins e outras moedas digitais, normalmente ligadas a atividades criminosas como assassinatos, pedofilia, venda de informações roubadas por hackers e drogas.
Por isso, a questão é tão complicada: se a navegação anônima fornece um canal para ideias menos populares ou combatidas, ela também pede para que excessos sejam cometidos. Levada a seu ápice dentro do Tor, a discussão está longe de acabar – nos próximos anos saberemos se o anonimato será banido ou garantido.
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