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O mundo é muito Black Mirror: veja os acertos nas previsões tecnológicas da série

O futuro mostrado pela série está mais perto do que parece

Foto do author Bruno Romani
Foto do author Alice Labate
Por Bruno Romani e Alice Labate
Atualização:

Filme (ou série) futurista que se preza precisa gerar identificação com o presente para causar impacto. Black Mirror, série da Netflix criada por Charlie Brooker, tem isso de sobra. Ao posicionar futuros tecnológicos nem tão longe do presente, a produção, que ganha nova temporada a partir desta quinta, 15, consegue fazer pensar sobre o papel da tecnologia na sociedade e no comportamento humano.

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Ainda que muitos dispositivos mostrados nos episódios não sejam reais, as reviravoltas e usos causados pela tecnologia geraram até uma expressão - já cansada, é verdade - fora das telas. “Isso é muito Black Mirror!” virou sinônimo de uma situação tecnológica com ares distópicos, o que nos tempos atuais se aplica a quase tudo.

Desde que estreou em 2011, Black Mirror conseguiu prever muitos dos temas, e alguns dos dispositivos e tecnologias, que dominaram a última década - e que devem aparecer nos próximos anos. Entre eles estão o peso das redes sociais, a mediação dos relacionamentos por gadgets, a gamificação das atividades e a busca constante por preservação de memória e consciência diante da morte. Se serve de janela para o futuro, vale ficar atento ao que deve aparecer na nova temporada - e abaixo, você vê os acertos e erros nas previsões tecnológicas da série ao longo dos anos.

Poder e influência das mídias sociais

Primeiro episódio da série mostra o efeito da mídia na vida real Foto: Black Mirror/Reprodução

Lançado em 2011, o primeiro episódio na história de Black Mirror é quase uma profecia sobre o poder e alcance das mídias sociais em decisões políticas. Em “National Anthem”, um grupo terrorista chantageia o primeiro-ministro britânico a fazer sexo com um porco em uma live em troca da vida da princesa inglesa. A mensagem do grupo é disseminada no YouTube e a pressão para que o primeiro-ministro se sacrifique pela monarca cresce no Twitter e no Facebook até que ele se rende à demanda grotesca.

Quando a série saiu, nenhuma dessas plataformas tinham o poder exibido nos anos seguintes - foi só em 2011, por exemplo, que o Facebook tomou o lugar do Orkut como a rede social mais acessada no Brasil. Ao longo da década de 2010, foi possível ver como posts em redes sociais passaram a balançar as estruturas do poder em diferentes países, o que beneficiou grupos políticos que dominavam essas ferramentas - especialistas apontam as eleições de Donald Trump e Jair Bolsonaro como exemplos disso.

Hoje, é impossível não pensar em alcançar qualquer demanda que não force algum tipo de movimento nas redes sociais - mesmo que no mundo real não exista tanto ruído sobre o assunto.

Neste ponto, “National Anthem” também foi cirúrgico: a princesa é libertada meia hora antes da transmissão do primeiro-ministro, mas ninguém percebe porque todos estão colados nas telas dos dispositivos acompanhando a live. É um pouco a história de tempos atuais, onde a realidade do ambiente digital parece distrair em relação ao mundo real.

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Obsessão por reputação na internet

Em "Nosedive" as pessoas são constantemente avaliadas em uma escala de cinco estrelas Foto: Black Mirror/Reprodução

A busca incessante pela construção de reputação na internet é algo muito comum atualmente. Claro, que Black Mirror já conseguia prever os caminhos que tomaríamos.

O episódio Nosedive, da terceira temporada, mostra uma sociedade na qual as pessoas, por meio de implantes oculares e uma espécie de celular, classificam umas às outras em uma escala de cinco estrelas com base em suas interações pessoais. Quanto menor a avaliação, mais baixa a classe socioeconômica.

Lançado em 2016, a produção certamente se inspirou nas avaliações de produtos do comércio eletrônico, que àquela altura já tinham papel importante nas compras online. Desde então, diversas interações pessoais passaram a ser moderadas por sistemas de pontuação: a entrega de comida pelo iFood, a viagem no Uber, a hospedagem no Airbnb, a obtenção de crédito junto a instituições financeiras e até a procura de parceiros em apps de namoro.

Dois anos antes de Nosedive ir ao ar, em 2014, a China passou a implementar o “Sistema de Crédito Social”, o que trouxe Black Mirror para ainda mais perto da realidade. Criado pelo Partido Comunista Chinês, o sistema monitora o comportamento da sua população, tanto de pessoas físicas quanto de empresas e organizações. Assim como na série, a pontuação pode aumentar ou diminuir dependendo do comportamento, segundo veículos internacionais, como o Insider.

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Não é confirmada a metodologia exata usada para as avaliações, mas dirigir mal, publicar notícias falsas, fumar em áreas indevidas, passear com cachorro sem coleira e até jogar muito videogame são exemplos de “infrações comportamentais” levadas para análise.

Para empresas, as avaliações negativas podem ocorrer, por exemplo, caso haja evasão de dívidas bancárias, arrecadação ilegal de fundos, desinformação e fraudes financeiras.

Como parte das punições, pessoas com baixas avaliações podem ser impedidas de comprar passagens aéreas, de conseguir emprego ou de se matricular em escolas ou faculdades. Além disso, é possível até ter internet de casa reduzida e mais lenta. Para aqueles com pontuações altas, é possível conseguir descontos em contas de energia, além de obter melhores taxas de juros no banco e vagas nos melhores empregos e instituições de ensino.

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Mortos ‘ressuscitados’ com ajuda de IA

Já existem IAs capazes de recriar o comportamento digital de pessoas falecidas Foto: Black Mirror/Reprodução

A tentativa de contornar a morte com ajuda de tecnologia é um tema recorrente em Black Mirror. O primeiro episódio da segunda temporada, chamado “Be Right Back”, é um exemplo disso. Nele, uma viúva decide testar uma nova tecnologia capaz de simular a voz e a personalidade do falecido marido com base em seus perfis nas redes sociais.

Lançado em 2013, o episódio foi bastante preciso sobre o que viria nos anos seguintes. Desde 2016, quando avanços em IA se tornaram mais robustos, surgiram diversas iniciativas parecidas com aquilo que propunha a série. Em 2021, um brasileiro criou o aplicativo Legathum que tem como objetivo recolher dados e memórias de pessoas já falecidas para que o algoritmo do sistema consiga detectar seus traços de personalidade e padrões de comportamento a fim de simular chamadas de vídeo e conversas de voz ou texto.

No mesmo ano, houve a concretização de ideia parecida, quando foi disponibilizado na internet um site chamado “Projeto Dezembro”, que permitia que os usuários treinassem chatbots para emular humanos - o serviço era turbinado pelo GPT-3 (o primeiro “cérebro” do ChatGPT). No Canadá, um homem, chamado Joshua Barbeau, acabou alimentando o sistema com informações e posts de redes sociais de sua noiva, morta 8 anos antes. A relação entre Barbeau e a máquina alarmou a OpenAI, dona do GPT-3, que acabou forçando o desligamento do Projeto Dezembro.

Com a recente popularização do ChatGPT, o desenvolvedor Enias Cailliau usou diferentes ferramentas de IA para criar uma plataforma onde qualquer pessoa pode inventar uma namorada digital - para o experimento, ele usou a personalidade da própria namorada. O projeto, chamado GirlfriendGPT, manda mensagens no Telegram, envia áudios e até faz selfies - tudo sintetizado. Com potencial para recriar até a personalidade de quem já morreu, o código foi disponibilizado na internet, que já foi baixado por mais de 500 pessoas.

Na China, há relatos de diferentes bots voltados para “trazer a vida” pessoas já mortas, categoria já conhecida como “griefGPT” (algo como “lutoGPT”).

A única diferença entre Be Right Back e a realidade é que ainda não é possível transferir a recriação digital de personalidades para robôs humanoides. Embora existam experimentos como o robô Ameca e o CyberOne, da Xiaomi, eles ainda estão anos luz de parecerem humanos - e estão mais distantes ainda de reproduzirem a aparência física de alguém.

Memória de tudo

Lentes oculares capazes de gravar ainda não existem Foto: Black Mirror/Reprodução

Dispositivos ou serviços que registram memórias de forma constante estão no centro de vários episódios de Black Mirror.

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Logo na primeira temporada, “The Entire History of You” tenta prever como seria se as pessoas usassem um chip e lentes de contato futuristas capazes de gravar todos os momentos da vida. Em “Crocodile”, de 2017, uma investigadora tenta desvendar um assassinato a partir de um dispositivo capaz de ver as memórias de testemunhas.

Lentes futuristas não viraram realidade ainda, mas houve tentativas. Em 2008, Babak Parviz, da Universidade de Washington, chegou a testar em coelhos dispositivos do tipo. Posteriormente, ele comandou o desenvolvimento do Google Glass, eletrônico que tinha potencial para ser o equipamento de registro constante de memória da nossa sociedade. Os óculos, porém, foram rejeitados pelas pessoas por, entre outras coisas, serem considerados invasivos - ninguém estava disposto a ser filmado o tempo todo.

Isso, porém, não significa que a ideia de registro constante de memória morreu. Embora a Snap tenha lançado o Spectacles, óculos que lembram o Google Glass, o smartphone virou o aparelho que, de fato, grava tudo - tem gente que faz até selfie em velório! A presença constante das câmeras de celular em shows, eventos e outras passagens mais prosaicas da vida, turbinou redes sociais focadas em imagem, como o Instagram e o TikTok.

O acumulo de informações deu origem até a startup americana Rewind, que criou um software capaz de armazenar os dados de todas as atividades feitas por um usuário em seu computador, desde videochamadas a mensagens de texto. Com todas as informações armazenadas, o serviço oferece um chat com inteligência artificial permitindo que o usuário pergunte sobre qualquer dos registros, podendo consultar suas “memórias”.

Cultura do cancelamento

Lançado em 2016, o episódio “Hated in the Nation” não precisou de grande esforço para imaginar um tema que continua bem atual: a cultura do cancelamento.

Nele, abelhas-robôs, “ADIs”, são desenvolvidas para suprir a queda na população de abelhas no Reino Unido. Porém, esses robozinhos viram máquinas de matar após serem hackeadas. Ao longo da trama, é revelado que as vítimas das ADIs são escolhidas por meio da hashtag #MortePara nas redes sociais - aquele que lidera os índices da hashtag vira alvo.

É uma analogia clara do que acontece em redes sociais, onde posts sobre assuntos diversos podem descambar para ataques em hordas tanto no ambiente digital como no mundo real.

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São diversos os exemplos de pessoas (públicas ou não) que foram canceladas nas redes. Vale lembrar, por exemplo, o caso da cantora Karol Conká, que virou alvo após sua participação no BBB 21, o que resultou em ameaças, perda patrocinadores e cancelamento de shows e projetos.

Robôs assassinos

"Cães-robôs" militares já são uma realidade fora da série Foto: Black Mirror/Reprodução

Em 2017, “Metalhead”,da quarta temporada, mostra “cachorros-robô” programados para matar humanos - e quem sobreviveu vive em constante fuga das máquinas. A produção é um exemplo clássico de futuro que caiu perto demais do presente.

Um ano antes a Boston Dynamics lançou o Spot, cachorro-robô usado para mapear terrenos e passar por obstáculos. No ano seguinte, na esteira do lançamento de Metalhead, um vídeo com o equipamento viralizou, deixando muita gente de cabelo em pé pela semelhança física entre ficção e realidade.

Desde o lançamento, a Boston dizia que o objetivo da criação não era o uso militar, mas o robô inspirou outras companhias a desenvolver versões de guerra. Em 2021, a americana Ghost Robotics apresentou, durante uma conferência do exército americano, o seu próprio “cão-robô” equipado com rifles de 6,5 mm, feitos para fins militares.

Pouco tempo depois, em 2022, em uma feira militar na Rússia, um protótipo chinês de um “cão-robô” bem parecido com o Spot chocou por estar equipado com uma bazuca.

Monitoramento parental tecnológico

"Arkangel" mostra as vantagens e desvantagens do controle parental para o desenvolvimento de uma criança Foto: Black Mirror/Reprodução

Na quarta temporada, o episódio “Arkangel” conta a história de uma mãe que decide implantar um chip em sua filha com um sistema chamado Arkangel, que permite monitorar a criança usando um tablet. Com ele, a mulher pode rastrear a filha, verificar sua saúde física e emocional, além de censurar coisas. Como sempre, a trama se desenrola de maneira perturbadora, com a mãe acompanhando tudo o que a filha faz já na vida adulta.

A produção não é uma previsão, mas uma visão extrema sobre o uso de tecnologia. Atualmente, os pais podem monitorar muitas atividades de suas crias. Em 2019, por exemplo, uma brasileira decidiu criar o app de monitoramento AppGuardian por ter receio em deixar a filha usar a internet sem supervisão.

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Além disso, os próprios smartphones e redes sociais permitem isso. O TikTok e a Netflix, por exemplo, aumentaram as ferramentas de controle parental que oferecem em seus apps em 2020, permitindo que os pais escolham o que os filhos podem ver e com quem podem interagir online.

Em março deste ano, o estado americano de Utah foi além: sancionou uma lei capaz de restringir o acesso de menores de idade a redes sociais, exigindo o consentimento explícito dos pais ou responsáveis. A lei também faz com que empresas forneçam aos pais acesso às interações digitais de seus filhos.

Arkangel escancara um debate que os pais de hoje em dia precisam encarar diariamente: como monitorar os filhos sem violar a privacidade ou exercer controle excessivo?

Upload de consciência

No universo de San Junipero as pessoas podem escolher se querem transferir suas consciências para a cidade virtual permanentemente após a morte  Foto: Black Mirror/Reprodução

Ao longo das temporadas, Black Mirror demonstrou obsessão por algumas previsões, como a transferência de consciência para ambientes digitais. A ideia aparece em pelo menos três episódios: San Junipero (2016), Black Museum (2017) e Rachel, Jack And Ashley Too (2019).

Se depender dos avanços na área, essa será uma profecia não realizada. Os avanços para transferir o cérebro para o ambiente digital praticamente não existem, embora nomes como Elon Musk afirmem acreditar que isso seja possível. Por outro lado, cientistas da área, como o brasileiro Miguel Nicolelis, dizem ser impossível transferir o cérebro para o ambiente digital.

Em 2018, uma startup chamada Nectome fez barulho ao anunciar uma técnica de preservação cerebral (batizada de “vitrificação”), que almejava preparar o órgão para uma eventual digitalização. Detalhe: a técnica causa a morte de quem deseja preservar o cérebro - e mesmo assim tinha uma fila de interessados, que iriam pagar US$ 10 mil pelo serviço. Sam Altman, fundador da OpenAI, era uma dessas pessoas.

Desde então, a Nectome não divulgou mais avanços significativos e mais dúvidas surgiram sobre a possibilidade de digitalização cerebral. A vida eterna na nuvem ainda é uma promessa.

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Evolução dos apps de paquera

O episódio trata sobre uma evolução dos apps de relacionamento Foto: Black Mirror/Reprodução

Desde as salas de bate-papo, a internet é um espaço de paquera e namoro. Porém, “Hang the DJ”, de 2017, imagina o avanço dos apps de namoro ao extremo, que passam a contar com algoritmos minuciosos para entregar “casais mais precisos”. Novamente, Black Mirror foi precisa.

Apps como Tinder, Bumble, Happn, Grindr e OKCupid explodiram na pandemia - nos EUA, o Pew Research Center detectou aumento de 215% por esses serviços. E o algoritmo de sugestão passou a ser a fórmula secreta de cada um deles: para a frustração dos usuários, nenhuma das empresas revela como seus sistemas funcionam.

Isso, porém, não significa que as pessoas não estejam se encontrando como resultado da ação de algoritmos. Em 2016, o Tinder confirmou que usava o “ranking Elo”, um sistema de ranqueamento de jogadores de xadrez. Três anos depois, a companhia passou a afirmar que tinha substituído o Elo por outro sistema - não revelado, claro. Já o OKCupid, que usa um sistema complexo de perguntas, deixa óbvio que trabalha com muitos dados para afinar a recomendação.

Em um mercado que se tornou altamente competitivo, parte da confidencialidade do algoritmo é uma decisão de negócio. Mas a decisão vai além: entregar a fórmula de montar casais poderia ensinar as pessoas a “hackear” o sistema, o que colocaria fim à magia da sedução.

Desta forma, como em Black Mirror, seria frustrante perceber que o amor de uma vida é o resultado de uma análise probabilística.

O desafio pelo par perfeito continua.

Sexualidade em ambiente digital

O metaverso é um tema muito discutido da tecnologia no mundo real, principalmente com as apostas de Zuckerberg Foto: Black Mirror/Reprodução

Há muitos anos, o espaço online é também um local onde pessoas conseguem exercer mais livremente suas sexualidades. “Striking Vipers” mostra dois homens que se apaixonam dentro de um jogo realista - e as dificuldades de trazer o relacionamento para o mundo real.

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O episódio chegou apenas dois anos antes de Mark Zuckerberg mudar o nome do Facebook para Meta, em um esforço para mostrar o foco da companhia no metaverso. Na apresentação do executivo, uma das promessas era de que as pessoas poderiam assumir e viver qualquer identidade no novo ambiente.

Embora a ideia de metaverso venha enfrentando tropeços, a proposta de Zuckerberg funciona como ponta de lança de um fenômeno com potencial de crescimento. Se o Apple Vision Pro conseguir popularizar o metaverso, relacionamentos como o visto em Black Mirror podem se tornar ainda mais corriqueiros.

Políticos criados na internet

Candidatos criados na internet é uma das profecias mais potentes de Black Mirror  Foto: Black Mirror/Reprodução

The Waldo Moment”, da segunda temporada, é uma das profecias mais potentes de Black Mirror. Três anos antes de Donald Trump e cinco anos antes de Jair Bolsonaro, a trama mostra um candidato que surge no meio digital e ganha força por suas frases “engraçadas” e mal-educadas.

Na série, Waldo é um urso animado de vocabulário sujo controlado por um comediante em um programa de televisão, que começa a ganhar popularidade e entra na disputa eleitoral quase por acidente. Em 2010, o Brasil já havia experimentado com a eleição de um candidato que surge como uma piada - Tiririca foi eleito Deputado Federal mais votado no País, com mais 1 milhão de votos. Mas a escalada do palhaço não foi no meio digital.

Em 2016, Donald Trump foi eleito presidente dos EUA, famoso por sua postura mal-educada frente às câmeras, agressividade nas redes e ausência de propostas concretas. A ideia de ter Trump como presidente era tão cômica e fora da realidade que, nos anos 2000, os Simpsons fizeram piada com a ideia.

Seguindo a cartilha de Trump, Jair Bolsonaro foi eleito presidente em 2018, com ajuda de falas ofensivas e discursos com palavrões de alta repercussão nas redes sociais.

Bloqueio e ‘ghosting’

Bloquear pessoas nas redes sociais é algo muito comum e parte da cultura digital Foto: Black Mirror/Reprodução

O pode do bloqueio nas redes sociais e do ghosting (a prática de “desaparecer” sorrateiramente da vida de alguém em ambiente digital) aparece em “White Christmas”, episódio especial de Natal da série. Nele, uma das personagens usa uma tecnologia que bloqueia o namorado na vida real, transformando ele em borrões diante dos seus olhos e tornando ela incomunicável para ele.

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Obviamente, bloquear alguém na vida real não é possível. Mas a prática está enraizada na cultura digital atual - tanto que avançou até para o meio político, em perfis de cargos eletivos. Durante o mandato de Jair Bolsonaro, por exemplo, os três perfis que representam a Presidência da República no Twitter, no Facebook e no Instagram bloquearam ao todo 1.075 perfis, de acordo com informações obtidas via Lei de Acesso à Informação (LAI), pelo coletivo Fiquem Sabendo.

Já o ghosting é cada vez mais comum. Um estudo da Universidade de Castilla, na Espanha, publicado em 2020, estima que 19% dos espanhóis já sofreram ghosting, enquanto esse número fica entre 13% e 23% nos EUA.

Gamificação da sociedade

Esse episódio é um reflexo da 'gamificação' da realidade Foto: Black Mirror/Reprodução

O mundo de “Fifteen Million Merits” retrata uma sociedade dividida em ocupações pré-determinadas, no qual conquistas dependem de pontos virtuais, como em um videogame. Era um sinal do que viria pela frente no nosso mundo, onde estratégicas de gamificação são adotadas em diversas facetas da vida.

Hoje, somamos troféus em apps de exercícios físicos, empresas aplicam técnicas competitivas de jogos para engajar e contratar funcionários, influenciadores disputam likes e compartilhamentos, estudantes aprendem por meio de “missões” e “fases” e namoros são mediados pelas interfaces de aplicativos.

Não estamos pedalando bicicletas virtuais em busca de moedas, mas os jogos não estão mais entre nós apenas como entretenimento.

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