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Crise do Galaxy Note 7 revela desafio de gestão na Samsung

Segundo fontes próximas à sul-coreana, cultura rígida, que proíbe empregados de questionarem decisões, influenciou falha no projeto

Por Choe Sang-Hun e Paul Mozur
Atualização:
Na China,a Samsung disse que a causa das explosões não era a bateria, como informado anteriormente. Declaração gera dúvidas sobre segurança do aparelho após recall. Foto: Retuters

No início da semana, a Samsung explicou como seu smartphone Galaxy Note 7 passou de uma tecnologia de vanguarda para um fracasso muito caro. Mas, para muitos críticos da companhia, o mais interessante foi o que a Samsung não disse durante o evento: como uma empresa gigantesca, que é símbolo do poder industrial da Coreia do Sul, deixou que esse tipo de problema acontecesse?

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A resposta leva a profundas falhas que ex-funcionários, fornecedores e outras pessoas próximas à companhia dizem que contribuíram para o incidente. A Samsung, assim como a Coreia do Sul como um todo, adota uma cultura rígida, que tende a reprimir a inovação e pode ocultar problemas graves.

Embora a Samsung não tenha se referido à sua cultura corporativa ao abordar o problema do Note 7, a empresa se desculpou e detalhou novas medidas que adotará para evitar problemas futuros, incluindo a criação de um conselho de baterias. 

“Para produzir um Galaxy Note 7 inovador, estabelecemos os objetivos no tocante às especificações da bateria”, afirmou D. J. Kohn, diretor da unidade de dispositivos móveis da Samsung. “Sentimos uma dolorosa responsabilidade por nossa falha em testar e confirmar que tínhamos problemas com o design e manufatura das baterias antes de lançar o produto no mercado.”

Modelo. Na última década, a Samsung e a Coreia do Sul tem sido consideradas modelos, pelos avanços e proezas tecnológicas. Na Ásia, o país é considerado uma exceção ao crescimento econômico lento de países vizinhos como Taiwan e Japão, cujos outrora imbatíveis fabricantes de produtos eletrônicos estão em declínio.

A Samsung, por sua vez, é um conglomerado tão grande e influente que alguns sul-coreanos chamam a Coreia do Sul de “República da Samsung”. A companhia é responsável por 20% das exportações sul-coreanas e qualquer impacto prejudicial ao seu sucesso com frequência desperta nervosismo em relação às perspectivas econômicas do país.

Contudo, a gigante sul-coreana – assim com outras empresas do país – tem demorado a se reinventar, apesar de ter adotado iniciativas para mudar a cultura, que inclui uma gestão de cima para baixo, nos últimos anos. Engenheiros e gerentes do médio escalão da empresa raramente têm autorização para criticar objetivos da administração estabelecidos pelos dirigentes que estão no topo.

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Segundo um engenheiro norte-americano, que já trabalhou com fornecedores da Samsung em projetos, incluindo o do Galaxy Note 7, a cultura de não questionar se tornou mais inflexível nos últimos anos. 

“Os gerentes se sentem sempre pressionados, colocados à prova para cumprirem metas a curto prazo”, disse Kim Jin-baek, que trabalhou na empresa até 2010, antes de se tornar professor na escola de administração da universidade Chung-Ang em Seul. “Os executivos se inquietam, porque temem não atender às metas e acabar sem emprego.”

No caso do Galaxy Note 7, a Samsung levou ao limite seu modelo de negócio, como também sua tecnologia, de acordo com funcionários da companhia. Impelida pelo desejo de provar que não estava mais atrás da Apple, a companhia lançou às pressas o Note 7, antes do iPhone 7. Para se defender contra concorrentes chineses, como Huawei e Xiaomi, adicionou ao celular novos recursos, como tecnologia à prova d’água e reconhecimento de íris – este último com apelo de segurança.

Ousadia. No entanto, especialistas em baterias, incluindo os que falaram durante a última coletiva de imprensa, disseram que decisões agressivas no design das baterias tornaram mais provável a ocorrência de problemas. Insistindo em produzir uma bateria mais fina e mais poderosa, a Samsung optou por um separador excepcionalmente fino. Como trata-se de um componente crucial que separa os eletrodos positivos e negativos da bateria, evitando explosões e incêndios.

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Segundo a empresa especialista em segurança UL – contratada pela Samsung para investigar as explosões do Galaxy Note 7 –, o separador fino oferece pouca proteção. E a alta densidade de energia da bateria pode aumentar a gravidade das explosões.

Para os críticos, a insistência da Samsung na velocidade, além da pressão interna para vencer suas concorrentes, mostram uma interrupção na capacidade de realmente inovar e avançar com novas ideias. Isso ocorre em outras áreas da economia sul-coreana, o que prejudica o nascimento de novas empresas com potencial para crescer, como as startups.

“O governo está tentando escolher o próximo Steve Jobs”, afirma Park Sang-in, professor de economia da Universidade Nacional de Seul. “Você não pode escolher um. É preciso permitir que alguém chegue lá.”

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/TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO 

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