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E se o Facebook tivesse uma versão paga – e que não espionasse o usuário?

Qualquer pessoa que tenha se irritado com as recentes quebras de privacidade na internet riria da ideia de dar dinheiro ao Facebook, mas talvez ela nos livrasse de anúncios e escândalos políticos

Por Geoffrey A. Fowler
Atualização:
Ao testemunhar no Senado dos EUA, Mark Zuckerberg chegou a dizer que "sempre haverá uma versão do Facebook que será gratuita" – o que levou muitos a discutirem se a rede social um dia terá uma versão paga Foto: Reuters

Vamos brincar de preço justo. Quanto vale uma assinatura do Facebook? US$ 7 por mês? US$ 5? US$ 1?

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A pergunta é difícil, pois o Facebook sempre foi grátis. Mas, e se houvesse um meio de pagar para ele remover os misteriosos anúncios dirigidos e parar de espionar cada detalhe do que fazemos, mantendo manter nossos dados seguros? Para termos, em suma, um “Facebook Plus”?

Qualquer pessoa que tenha se irritado com as recentes quebras de privacidade na internet riria da ideia de dar dinheiro ao Facebook. Não há indícios de que a plataforma venha a cobrar. Seu presidente executivo, Mark Zuckerberg, afirmou recentemente que, ao criar o Facebook, pensou “num serviço gratuito que todos pudessem usar”. Mas as recentes revelações sobre a consultoria Cambridge Analytica, sobre ameaças à democracia e sobre a extração de dados em escala global levam a uma terrível constatação sobre o Facebook: se não pagamos pelo produto, é porque nós somos o produto.

Alguns podem pensar: talvez seja melhor pagar uma mensalidade ao Facebook do que, como temos feito, pagarmos com nossos dados pessoais. Mas será que isso restauraria nossa confiança?

Podemos até calcular em dólar nosso valor para as redes sociais. O Facebook arrecadou no ano passado US$ 82 em publicidade por cada um de seus usuários da América do Norte. Em escala mundial, a arrecadação seria cerca de US$ 20 por usuário. O valor de mercado do Facebook é de US$ 450 bilhões porque investidores acreditam que ela encontrará sempre mais meios de fazer dinheiro com dados coletados de seus 2,13 bilhões de usuários.

Há poucos dias, o presidente da Apple, Tim Cook, disse que o Facebook errou feio. Perguntado sobre o que faria se estivesse na situação de Zuckerberg, ele respondeu: “Eu nunca estaria nessa situação”. Consumidores podem pagar por privacidade, disse ele, afirmando que a Apple faz melhores produtos porque os vende diretamente ao consumidor em lugar de vender o consumidor para anunciantes. 

Zuckerberg respondeu em entrevista ao site Vox que o argumento de Cook é “simplório”. “Se você quiser um serviço que conecte todo o mundo, encontrará muita gente que não poderá pagar. Por isso, como ocorre com muitos veículos de mídia, um modelo baseado em anúncios é o único meio racional de se manter esse serviço”, argumentou.

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Modelo de negócios. Mas será que publicidade é mesmo o único meio de fazer o Facebook funcionar? Deixando um pouco de lado como poderia ser um novo modelo, imaginar uma versão com assinaturas pode nos ajudar a entender a atual indignação e avaliar que espécie de Facebook realmente queremos. O que o valorizaria suficientemente a plataforma para queiramos pagar para usá-la? 

Uma assinatura do Facebook faria mais que simplesmente eliminar anúncios. Ela libertaria a rede social de alguns indesejáveis incentivos financeiros. Telefonei para Ethan Zuckerman, diretor do Centro de Mídia Cívica do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), que propôs um modelo comercial alternativo em 2014. Ele trabalhou num dos primeiros sites financiados por publicidade com conteúdo gerado por usuários – e ajudou mesmo a criar os terríveis anúncios pop-up. 

Hoje, Zuckerman diz que publicidade “é o pecado original da internet”. Segundo ele, o Facebook não vende nossos dados, mas usa-os para vender a anunciantes acessos direcionados a nós como um míssil de alta precisão. O dinheiro dessa publicidade permite que bilhões de pessoas obtenham informações e tenham voz online. Mas também cria um mundo online no qual exposição é a norma e no qual não temos controle total sobre nossos dados. 

Para competir, prossegue Zuckerman, o Facebook tem de continuar devorando dados como um hipopótamo faminto. A plataforma começou coletando o que nela postamos, mas avançou para incluir tudo que fazemos quando surfamos na web e quando usamos outros aplicativos. O Facebook possibilita até que o pessoal de marketing case dados próprios com outros do dossiê da plataforma. “Quando baixei recentemente todos os meus dados do Facebook (o que qualquer um pode fazer), eles incluíam uma assustadora lista de ‘anunciantes que têm suas informações para contato’. De minha lista contavam muitas grandes corporações... e Britney Spears", diz Zuckerman. 

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Não é preciso condenar toda a publicidade para perceber que essa tecnologia foi longe demais. Em 2016, a consultoria Pew apurou que 51% dos americanos não consideram aceitável para uma rede social oferecer acesso grátis em troca da utilização de dados pessoais para se direcionar anúncios. Zuckerberg afirma que isso não é verdade: segundo ele, as pessoas dizem ao Facebook que, se vão ver anúncios, que sejam anúncios bons – e isso significa “relevantes para seus interesses”. 

Problemas com anúncios vão além de simples incômodos. Eles criam um incentivo para o Facebook captar não apenas nossos dados, mas nossa atenção, diz o sociólogo Zeynep Tufekci, que defendeu em 2015 um Facebook pago. Essa “captação de atenção” usa táticas de jogos. Um aplicativo de compartilhamento de fotos se parece muito com um caça-níqueis – seja ao premiar nosso cérebro com uma curtida ou comentários quando pressionamos.

Também ouvimos que anúncios dirigidos podem ser instrumentos de manipulação da democracia. Segundo o promotor especial Robert Mueller, pessoas ligadas à Agência de Pesquisas na Internet, da Rússia, compraram anúncios no Facebook para divulgar informações falsas e influenciar eleitores nos Estados Unidos. Com um sistema de assinaturas, o Facebook não ficaria confinado a um eterno jogo de morde-e-sopra com maus anunciantes, argumento um dos primeiros investidores na plataforma, Roger McNamee. 

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Pagando a conta. Só há um problema: quem pagaria pelo Facebook?

“Grátis” é um jeito fácil de vender coisas. Nós nos entusiasmamos com a oferta e passamos a ignorar custos ocultos. Mas, através dos anos, pesquisas indicaram que apenas 10% dos americanos estariam dispostos a pagar pelo Facebook. 

Assinaturas têm funcionado para certos serviços. A Netflix custa US$ 11 por mês e o Amazon Prime, US$ 13, ambos mais caros que os US$ 7 mensais que o Facebook precisaria cobrar para manter seu lucro na América do Norte. 

O Facebook, porém, é um serviço infinitamente maior que qualquer outro. Zuckerberg diz que uma grande faixa da população mundial não conseguiria pagar por ele – o presidente do Google, Sundar Pichai, teceu uma argumentação semelhante sobre seu serviço baseado em anúncios. Talvez assinaturas diferenciadas ajudassem a subsidiar os usuários mais pobres, mas será que queremos que a privacidade se torne um luxo?

Esse argumento leva alguns, incluindo o filósofo da tecnologia Jaron Lanier, a sugerir que o Facebook é que deveria nos pagar. Segundo ele, nossos dados têm valor, como nosso trabalho, e estamos entregando-os gratuitamente. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ 

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