Murilo RoncolatoAnna Carolina Papp
SÃO PAULO – Após a aprovação do Marco Civil da Internet pelo Congresso e sanção pela presidente Dilma Rousseff, o relator do então projeto de lei, o deputado federal Alessandro Molon (PT-RJ), sabia que novas brigas surgiriam. As empresas de telecomunicações, que tanto insistiram em mudanças enquanto a discussão corria na Câmara, agora pretendem explorar possíveis brechas por meio de diferentes interpretações da lei, afirmando que o texto não veta a venda de pacotes de dados diferenciados por conteúdo.
Na primeira sessão plenária do dia na NETmundial, Alexander Castro, representante do sindicato das companhias do setor (Sinditelebrasil), disse que haveria um acordo em andamento sobre um decreto para regulamentar as exceções da neutralidade de rede, um dos principais princípios defendidos no Marco Civil, sancionado na abertura do evento pela presidente Dilma Rousseff.
‘Não há como contornar o que está no Marco Civil’, diz relator Deputado Alessandro Molon rebate operadoras e diz que “conceito de neutralidade é cristalino”
Uma fonte próxima ao assunto, relacionada às empresas e ao sindicato, afirmou que as operadoras tentariam legitimar acordos com as OTTs (Over-the-top content), como são chamadas empresas que exigem muita banda larga para o tráfego de seus conteúdos, sendo o maior exemplo a Netflix. Ao Link, o deputado Alessandro Molon rebateu a intenção e disse que o princípio da neutralidade em vigor no Brasil por meio do Marco Civil da Internet é claro e que “não há como contornar a lei”.
“O conceito de neutralidade é cristalino. Não pode haver discriminação de pacotes de dados pela rede em função da sua origem, conteúdo, destino, serviço, terminal ou aplicação”, disse. “Isso seria discriminar em função da origem, talvez não discriminem pelo destino, mas pela origem sim. Dependendo da origem o conteúdo chegaria mais rápido para o usuário? Então não pode.”
Para a advogada do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Veridiana Alimonti, além de discriminar conteúdo, a prática geraria uma discriminação econômica. “Quem quer ter um Netflix mais rápido, o que podemos oferecer é um plano de banda larga melhor, ou podemos discutir sobre a criação de mais pontos de troca de tráfego no Brasil”, diz Alimonti, que também participa do Comitê Gestor da Internet (CGI.br). “Mas acordos comerciais entre empresas de conteúdo e empresas de telecomunicações para um privilégio de tráfego são muito complicados, porque isso é uma afronta a algo que é muito importante na internet: a criatividade e a inovação.”
O fundador do Núcleo de Direito, Internet e Sociedade (NDIS) da Faculdade de Direito da USP, Dennys Antonialli, acredita que a permissão para modelos de negócios, prevista no texto do Marco Civil não pode ser utilizada pelas operadoras como brecha. “Pelo Marco Civil, essa liberdade existe, desde que se respeite esse tráfego de maneira isonômica”, explica.
Para o doutorando, há uma chance de que o Judiciário se torne parte importante na discussão, agora que há o Marco Civil direcionando as decisões legais. Mas essa jurisprudência pode gerar controvérsias. “O problema de judicializar é que o judiciário não está pronto para lidar com essas questões técnicas ainda, ao menos não de forma homogênea, tanto do ponto de vista do funcionamento da rede como do ponto de vista concorrencial, para decidir sobre neutralidade da rede.”
Para o deputado Alessandro Molon, “se começarem a surgir interpretações sobre o texto que o parlamento não pretendia, o parlamento deve corrigi-lo, tornando ainda mais claro o trecho que esteja gerando alguma ambiguidade.”
NETmundial. Em sua fala, Castro, do Sinditelebrasil, questionou ainda os parágrafos 5, 10 e 12 do rascunho da carta de princípios discutida no evento. O parágrafo 12, em especial, pode ser interpretado como uma referência à própria neutralidade de rede, ainda que sem citá-la explicitamente. O texto prevê “tratamento técnico igualitário de todos os protocolos e dados”. A diretiva antes no evento, no entanto, era de não abordar o assunto no documento, uma vez que não há consenso sobre o tema em outros países.
Paul Mitchell, representante da Microsoft, defendeu na NETmundial alterações no mesmo parágrafo. “Tratar dados de forma igualitária no âmbito técnico é impossível, já que há serviços críticos e emergenciais que devem ter prioridade”, diz.
Apesar de elogiar o Marco Civil da Internet e a jornada brasileira no estabelecimento de princípios para a rede, ele afirma que a neutralidade não pode ser imposta à força neste momento, uma vez que seria necessário mais discussão na esfera de cada país. “É ótimo que o Brasil tenha chegado a um consenso e aprovado a neutralidade em forma de lei, mas ainda não há consenso global sobre o tema”, diz.
Em sua fala na sessão plenária, o embaixador dos Estados Unidos Daniel Sepuvelda afirmou nesta quinta-feira que a neutralidade deveria ser discutida mais à frente, no Fórum de Governança da Internet (IGF), agendado para setembro, na Turquia. Segundo ele, o assunto estava se tornando um obstáculo para o desenvolvimento das discussões no NETmundial.
FCC. O debate sobre o tema se acalorou nos Estados Unidos nos últimos dias. Segundo reportagem do jornal Wall Street Journal, a Comissão Federal de Comunicações (FCC) dos EUA planeja propor novas regras que põem em risco a neutralidade de rede em solo americano. Com a nova regulamentação, empresas poderiam pagar a provedores de internet para acesso mais rápido por seus conteúdos – como já fez o Netflix com a Comcast.
As novas regras da FCC legalizariam acordos entre empresas para pacotes de tráfego no país, desde quefossem “comercialmente sensatos”, o que fere o princípio de neutralidade de rede. Em uma rede neutra, provedores não podem cobrar mais, dar preferência ou diminuir a velocidade de conexão de sites ou aplicativos de acordo com seu conteúdo. No entanto, as regras da FCC garantiriam que as empresas deveriam deixar claro como gerenciam o tráfego da internet e não poderiam restringir a navegação dos usuários. A votaçao da proposta deve ocorrer no mês de maio.
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