Marco Civil empaca Lei Azeredo. Outro projeto criminal – de autoria de Paulo Teixeira e da base aliada do governo – corre por fora. Agora é ver quem ganha
Com colaboração de Heloísa Lupinacci
Deputados federais estavam reunidos em um seminário, discutindo a chamada Lei Azeredo, quando receberam a notícia de que o Marco Civil havia sido finalmente apresentado para votação. A liberação do texto pela presidente Dilma Rousseff bem nesse momento não foi mero acaso. Em pauta há mais de dez anos, a Lei Azeredo está em um beco com poucas saídas: em caráter de “urgência”, terá de ser aprovada integral ou parcialmente ou descartada de vez.
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Nesse contexto, a entrega do Marco Civil foi uma estratégia do governo para atravancar um pouco mais o longo processo de discussão da Lei Azeredo, que, recém-saída da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara, ainda precisa passar pela Comissão de Constituição e Justiça. E o fato de ter ali um artigo que diz que provedores devem guardar logs (informações de acesso do usuário) por três anos não ajuda. Azeredo diz que o prazo é o considerado necessário pela Polícia Federal, mas ele é visto como excessivo por grupos relacionados aos direitos do consumidor e à privacidade na internet, pelo potencial de descambar em vigilantismo e acabar com o anonimato na internet.
O deputado federal Paulo Teixeira (líder do PT na Câmara e um dos articuladores do Marco Civil) é um dos principais críticos do projeto de Azeredo. “Alguns artigos criminalizam quem baixa MP3, outros estipulam um tempo exagerado para a guarda logs. Além disso, é amplo demais, cria uma hiperregulação para a internet, fazendo que quase tudo possa ser encaixado ali”. Emiliano José (PT-BA) bate mais forte: “Ele tem um conteúdo antidemocrático, que atende aos interesses da área de direitos autorais dos EUA, além da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e dos grandes escritórios de advocacia. Além disso, o projeto tira o anonimato da rede, que é um direito da cidadania contemporânea. A guarda de logs é como se o governo abrisse sua correspondência”.
Os dois políticos trabalham em um texto criminal alternativo, que, em vez de 11 crimes, por enquanto tipifica só três (veja acima). O grupo também formado pelos deputados Luiza Erundina (PSB-SP), Manuela d’Ávila (PCdoB-RS), João Arruda (PMDB-PR) e Brizola Neto (PDT-RJ) espera apressar a aprovação do Marco Civil para só depois apresentar o seu contraponto mais ponderado, porém ainda incompleto e pouco desenvolvido. Apesar de estar em estágio inicial, o projeto pode ter caminhar com rapidez e tem chance de ultrapassar a Lei Azeredo e ser aprovado. “A demora depende do nível de consenso”, diz Marivaldo de Castro Pereira, secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça.
A estratégia do governo é forçar a discussão dos direitos e deveres dos diversos grupos ligados à internet e só depois pensar em uma regra para os crimes. E, quando isso acontecer, apresentar e aprovar um projeto alternativo ao de Azeredo. Também se discute uma saída honrosa para o deputado tucano. “Buscar consenso é algo que contempla o deputado Azeredo”, apazigua Castro Pereira, questionado sobre o efeito de desmoralização que o descarte integral do projeto de lei de longa data teria sobre o deputado do PSDB-MG.
Não por acaso o projeto alternativo dos deputados da situação copia com pequenas modificações alguns dos artigos estipulados pelo tucano, deixando de lado aqueles que já considera cobertos pela legislação atual.
“É uma cópia incompleta do meu projeto. Eles repetem alguns pontos e omitem outros, que são necessários segundo quem trata com o assunto. Delegados, policiais e investigadores desejam a aprovação imediata do meu projeto. O governo tem sido omisso, pois está demorando demais para tipificar os crimes cibernéticos”, ataca Eduardo Azeredo.
Quem quer o quê. Um dos palestrantes do seminário que discutiu a Lei Azeredo e em que foi apresentado o Marco Civil, o advogado Luis Carlos Massoco, membro da Comissão dos Crimes de Alta Tecnologia da OAB-SP e representante da entidade no debate, viu uma divisão clara nos grupos que defendem ambas as leis.
“Promotores e a polícia são completamente favoráveis à aprovação da Lei Azeredo, pois isso os ajudaria, além dos bancos, muito afetados por fraudes eletrônicas. Os provedores são contra, por causa da guarda de logs e do custo para eles. Já ativistas de internet e representantes da sociedade civil são no geral críticos e demoliram o projeto no seminário, sendo favoráveis ao Marco Civil. Eu adotei um tom conciliador, porque necessitamos de alguns tipos penais que tipifiquem algumas condutas impróprias, mas frisei que o atual projeto do cibercrimes ofende direitos fundamentais”.
“Se não há regra, prevalece o mais forte”, acredita o pesquisador do Grupo de Políticas Públicas para o Acesso à Informação da USP Pablo Ortellado, que alerta que, com a ausência de leis específicas, uma está tentando ocupar sorrateiramente o espaço da outra. A Lei Azeredo se refere indiretamente à propriedade intelectual, tratada na Lei de Direitos Autorais discutida no governo Lula e que atualmente está sendo modificada no Grupo Interministerial de Propriedade Intelectual (Gipi).
Essas leis representam não só grupo de interesse, mas visões distintas sobre a natureza da rede, mais abertas ou fechadas. Seja lá qual delas prevalecer, isso definirá, ao menos penalmente, direitos, deveres e excessos na hoje desregulada internet brasileira. Para o bem ou para o mal, sua navegação não será mais a mesma.
Entenda os projetos em detalhes (clique para ampliar):
—- Leia mais: • Paulo Teixeira: A salvo de ser vigiado• Eduardo Azeredo: Rede livre é algo óbvio • Link no papel – 05/09/2011
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