Jouke Vuurmans: “Precisamos estar na vanguarda da IA, mas lembrar dos riscos”

Líder global de criatividade da Monks, profissional acredita na reinvenção da publicidade graças à inteligência artificial e defende sua regulamentação

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Por Igor Ribeiro
Atualização:
Foto: Divulgação
Entrevista comJouke Vuurmans Global Chief Creative Officer da Monks

Quando a Monks ainda era uma pequena agência que experimentava as possibilidades da imberbe internet, Jouke Vuurmans foi seu primeiro diretor criativo. Desde então, o holandês navegou por diversas ondas tecnológicas e ditou tendências em sua intersecção com a comunicação. Ele liderou a empresa em centenas de trabalhos consagrados internacionalmente e se tornou sócio em 2015, acompanhando o processo de aquisição pela S4 Capital, holding do icônico Sir Martin Sorrell. Em 2020, Vuurmans foi promovido ao cargo de primeiro chefe global de criatividade da agência, permanecendo na posição após sua estrutura absorver outras aquisições da S4, como Decoded, Cashmere e TheoremOne. Em 2021 e 2022, a Monks foi uma das empresas que mais crescia na Europa.

Além de liderar a criatividade em uma agência com quase 8 mil funcionários, Vuurman se tornou referência em tecnologia e criatividade, dando palestras e servindo como jurado em premiações relacionadas, como Digital Craft do Lions 2024. “Sem surpresa, vimos muitos cases de inteligência artificial, e fiquei desapontado com a criatividade e com o uso de IA. Era mais uma coisa de ‘Veja! Usamos IA’, em vez de utilidades inteligentes e poderosas”, comentou ao ESTADÃO, durante uma passagem recente para reuniões e painéis no Brasil, sobre sua experiência no Festival Internacional de Cannes. Ele possui, porém, certo otimismo quanto ao futuro da IA (uma de suas especialidades). Com os humanos no controle, Vuurman acredita que as máquinas vão ajudar a publicidade a dar um salto em criatividade.

Em seus últimos anos, o Washington Olivetto costumava dizer que estava desapontado com a publicidade, que muita tecnologia havia distanciado a criatividade das conversas das ruas, do zeitgeist. Você concorda?

Sim, cem por cento. É interessante, se fala muito que é o fim de uma era e que uma nova vai surgir, mas, no fim do dia, há uma essência no que fazemos: conectar com o público de modo que as marcas se diferenciem, se destaquem. O trabalho está mais difícil agora do que antes, pois há muito mais canais e nuances culturais. Mas o objetivo é o mesmo. Eu concordo com essa declaração, pois a criatividade é provavelmente uma das partes mais fracas do marketing hoje. Estamos ainda no mindset dos canais de mídia de massa que tínhamos na época, quando se produzia uma só mensagem, uma só estratégia de comunicação. Porém hoje precisamos de mais detalhes, de uma compreensão mais profunda do que acontece, pois não comunicamos mais com um público massivo. São grupos menores, em lugares diferentes. O contexto é mais essencial. E como indústria, nós ainda não resolvemos isso. Parece que perdemos essa sensibilidade.

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Temos o dever de nos certificarmos de que a tecnologia, no final, é utilizada da maneira certa. E que as experiências que criamos e oferecemos não prejudiquem nossas audiências, nem possam ser usadas de modo ruim

Como manter a relevância criativa, o aspecto universal de uma boa campanha, numa época de comunicação de múltiplos canais?

Sabe aquela audiência que se incomoda porque não se sente parte da cultura que a marca está anunciando? Acredito que tenha espaço para a comunicação se conectar de forma mais autêntica, de forma que o consumidor aprecie a verdade por trás disso. Fizemos para a Dove, nos EUA, uma ação focada em mulheres latinas, que sempre se sentiram pressionadas por estilos de cabelo mais ocidentais, o que gerava muita insegurança. Então criamos uma campanha, com uma artista latina (Li Saumet, do Bomba Estéreo), que também se transformou num vídeo de música. Adaptamos um hit dela, o que se tornou uma forte mensagem (referindo-se à música “Soy Yo” e a campanha #MyHairAMiModo”). Primeiro alcançamos uma audiência específica, mas com uma ferramenta em mãos ou, neste caso, um pedaço de conteúdo, nós escalamos para uma audiência ampla.

Em suas falas, você tem apresentado os conceitos de white canvas, explorando a tecnologia sem barreiras, mas também de black mirror, consciente sobre os riscos em jogo. Como comunicadores, para quais ferramentas deveríamos estar mais abertos e para quais deveríamos estar mais alertas?

É importante considerar ética e responsabilidade. Digo ao nosso time que temos o dever de nos certificarmos de que a tecnologia, no final, é utilizada da maneira certa. E que as experiências que criamos e oferecemos não prejudiquem nossas audiências, nem possam ser usadas de modo ruim. Não façam, porém, desse receio o ponto de partida para seu white canvas. Como criativos, devemos ser os primeiros ser loucos, dentro de um espaço seguro para tal. Temos de pensar nas coisas mais extremas antes de avaliar as restrições. Hoje, especialmente com a IA, muitas vezes começamos pelas restrições. Claro, devemos ter ética e ser cuidadosos sempre. Mas a ordem das coisas é mais importante para mim: white canvas primeiro, ideias grandes. E na maioria das vezes, segundo minha experiência, mesmo ideias muito loucas podem ser usadas responsavelmente.

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Jouke Vuurmans: "mesmo ideias muito loucas podem ser usadas responsavelmente" Foto: Divulgação

De modo geral, as agências têm se preparado para essa transformação?

Essa reinvenção é constante. Sempre falo para as pessoas assustadas com a IA e tecnologia que há duas décadas não tínhamos nada disso... Havia o Premiere, o Photoshop, que foram melhorando ao longo do tempo, lentamente. Então abraçar a tecnologia para fazer nosso trabalho é algo ao qual já estamos acostumados. A diferença é que hoje há certa relutância por causa da velocidade e do tamanho das mudanças. Mas sempre foi parte. E temos o dever de fazer comunicações culturalmente abrangentes e relevantes. Isso se tornou mais complexo, por causa de todos os detalhes e variáveis. Então precisamos abraçar as ferramentas para melhorarmos na compreensão disso, usar os insights para entender nossa cultura, ser mais real-time. Muito do nosso trabalho passou a ocorrer num prazo mais imediato e responsivo ao que acontece ao nosso redor. O que hoje é relevante, na próxima semana pode não ser mais. Acredito que o debate sobre o impacto no nosso trabalho está muito preto e branco. Sim, vai mudar, mas nós mesmos temos de controlar essa mudança. Temos de estar equipados para a próxima era. Seja como criativo, como estrategista, como designer… Do contrário, ficaremos obsoletos.

A Monks promove apresentações semanais para os funcionários sobre inteligência artificial. Quando começaram e qual é o objetivo?

Queremos transformar nossos times para que se adaptem à IA mais rapidamente. Temos oito mil pessoas e algumas já eram entusiastas, estavam na vanguarda, mas não o suficiente para impactar o negócio. E, vamos ser claros: nosso negócio está sendo muito impactado. Somos uma indústria cujo modelo comercial se baseia em horas e, de repente, as horas investidas não refletem mais o resultado real. E nossa indústria não vende software, nem é precificada só por resultados. De vez em quando é, mas nem sempre. Então precisávamos mudar, era urgente. Também. Iniciamos falando sobre novos fluxos de trabalho, processos, treinamento etc. Mas percebi que precisávamos motivar a curiosidade das pessoas e havia uma barreira humana que precisávamos superar. Até eu, que sou acostumado com tecnologia, tinha medo e me sentia distante. Tive a sorte de ter pessoas ao meu redor que eram entusiastas, inclusive de IA generativa. Me explicaram a ferramenta e como utilizar. E isso me animou. Então começamos com o que chamamos de “15 Minutos de IA”, para não desmoronar a agenda para as pessoas. Depois de algumas conversas, lançamos em janeiro em todos nossos escritórios, com um touchpoint para a Ásia-Pacífico e Europa-África e outro para a Latam e EUA.

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Se parecer que a marca usou errado uma tecnologia que vem sendo tão comentada, pode ser um escândalo. Precisamos proteger nossos clientes e ser inteligentes sobre isso

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Você apoia as regulamentações de IA?

Totalmente. E acredito que isso volta à questão sobre responsabilidade, sobre o uso certo ou errado. As regras vão sendo colocadas segundo cada mercado, com muitas variáveis e alguns governos mais rápidos que outros. Até brinco que nunca trabalhei tanto com a área jurídica na minha vida como agora. Por um lado, é importante estimular, mas por outro, também temos de entender quais são os riscos legais. Às vezes, o jurídico tenta colocar regras super restritivas. Precisamos estar na vanguarda, ser inovadores, e lembrar dos riscos. Experimentando sempre nossa capacidade de investigação, com um white canvas bem grande e, paralelamente, pensando no impacto que teria, pensando no cliente. Se parecer que a marca usou errado uma tecnologia que vem sendo tão comentada, pode ser um escândalo. Precisamos proteger nossos clientes e ser inteligentes sobre isso.

Para além das apresentações internas, como a Monks tem aplicado essas tecnologias junto às entregas de criatividade?

Vejo dois lados. Um é quase utilitário. Estamos focados no modo como marcas ou empresas interagem com consumidores. É uma área onde a interface entre empresas e consumidores está se transformando desde uma pura experiência de usuário para uma relação mais assistencial, dialogável, preditiva… quase íntima. Mas também utilitária, segundo necessidades reais. Quais são as novas interfaces? Ainda temos de olhar para as nossas telas? É possível construir uma voz de marca que possa saber muito de você? Um bom exemplo foi o “Dove code”, que fizemos junto com a Soko (atual Droga5) como parte dos 20 anos do conceito “Beleza Real”. Nossa ideia era treinar pessoas para usarem os prompts de IA para que ela criasse uma imagem real em termos de beleza feminina, alterando assim os modelos enviesados. Em casos como o de BMW (“Make it real”, para o lançamento do iX2, com a influencer virtual Lil Miquela), podemos criar conceitos dentro de conteúdo e experiências, com maior interatividade. São duas abordagens, ambas muito importantes para nós.

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Vuurmans: "seguimos presos ao ofício de contar histórias (...) Como agências criativas, devemos reconsiderar o ecossistema inteiro" Foto: Divulgação
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Pode-se dizer que a criatividade é mais perceptível nesse tipo de visual impactante, como no filme da BMW, do que no aspecto utilitário das tecnologias?

Acredito que sim. Por algum motivo, não consideramos as ferramentas no mesmo nível de uma campanha criativa. Na indústria, inventamos que a definição de criatividade está nos filmes, nas propagandas, mas se você desenvolver uma interface, então não é criatividade, mas algo mais funcional. É uma percepção errada, especialmente hoje, quando precisamos ser super cuidadosos, pois estamos construindo marcas muito mais do que construindo propagandas. Especialmente com as expectativas atuais de clientes e público: me mostre, não me conte. Mas seguimos presos ao ofício de contar histórias. E se você entrar num aplicativo e ele não representar exatamente o que a TV anunciou, será um problema para sua marca muito maior hoje do que jamais foi. Como agências criativas, devemos reconsiderar o ecossistema inteiro. Não é algo novo: veja o sucesso da R/GA com a “Fuelband” (para a Nike, um conceito pioneiro de bracelete para monitoramento de atividade esportiva). Foi há mais de dez anos! Apenas não progredimos muito para esse também ser um padrão, a publicidade que pode criar produtos. Ainda estamos presos.

Temos de lembrar que estamos no controle e deixar um pouco essa distopia de que seremos controlados

O conceito de inteligência artificial ganhou novo impulso com o deep learning e, consequentemente, a imaginação correu solta. As máquinas sencientes poderiam não só reproduzir nosso trabalho, mas simular aspectos da experiência humana como guerra, religião, esporte, arte, psicodelia. Como vê esse cenário?

Sabia que já houve uma campanha com IA “chapada”? Para uma marca de cannabis do Canadá (“High AI”, da Publicis para a Riff), em que treinaram a IA para indicar a sensação das variedades de marijuana, traduzindo os atributos em prompts, e pediram que a IA criasse artes inspiradas naqueles atributos, simulando os efeitos. É uma questão muito interessante. Projetos assim nos fazem pensar que a IA já poderia viver por si mesma. No final do ano passado houve uma conferência na qual perguntaram ao Sam Altman (CEO da OpenAI, criadora do Chat GPT) o que ele previa para os próximos anos. E a resposta dele foi na linha de que qualquer previsão seria superada em dez vezes. É difícil compreender como essa progressão será, e quais limites colocarão, determinando outros caminhos. Mesmo as simples ferramentas que temos à nossa disposição já são impressionantes. O Google Gemini, por exemplo, é parte do nosso pacote de trabalho na Monks. E recentemente percebemos que podemos simular clientes para receber feedback sobre as propostas que produzimos. Você diz para a IA que ela tem de agir como esse cliente importante, dá um upload do briefing e depois da proposta e montar alguns cenários. E então vai receber o feedback e reavaliar antes de apresentar para o cliente de fato. É uma pequena coisa que percebemos ser possível com o Gemini, que é altamente regulado. Temos de lembrar que estamos no controle e deixar um pouco essa distopia de que seremos controlados. Temos de pensar nas pessoas que vão usar de forma errada, nos precaver sobre essas abordagens perigosas. E, no geral, entender que temos de controlar para o melhor. Olhar para isso como uma oportunidade e não como um perigo.

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