Estilo que debilita instituições

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Por José Natanson
Atualização:

Desde que assumiu o poder, em maio de 2003, Néstor Kirchner adotou um estilo de governo decisionista - que concentra o poder em suas mãos e procura por diversos meios enfraquecer os limites institucionais e os contrapesos republicanos. A lei dos "superpoderes", que permite ao presidente tratar sem qualquer controle de assuntos econômicos, é a pedra angular do esquema. Mas não é a única: a reforma do Conselho da Magistratura (o organismo encarregado de designar e afastar juízes), a frequente utilização de decretos e o enfraquecimento dos organismos de controle fazem parte do estilo de gestão, que se estendeu ao governo de Cristina Kirchner. Esta concepção do poder explica-se por três motivos: Em primeiro lugar, trata-se de uma tendência arraigada na Argentina desde os tempos de Carlos Menem. A segunda explicação está arraigada na origem política do casal Kirchner. Antes de chegar à presidência, os Kirchners governaram Santa Cruz, uma província da Patagônia. E o fizeram, como muitos governadores, de modo quase feudal, sem uma oposição sólida e com poucos limites ao exercício do poder. Santa Cruz é, por exemplo, uma das poucas províncias que admite a reeleição do governador para mandatos sucessivos. Este estilo de governo ficou profundamente gravado na personalidade política de Kirchner. Finalmente, a concentração de poder pode ser explicada pelo contexto de emergência no qual Kirchner assumiu o poder. Em maio de 2003, a Argentina ainda não se recuperara da crise de 2001, do "panelaço" e dos saques em Buenos Aires. Na memória coletiva, o caos era uma decorrência do desgoverno dos anos anteriores e causava uma exigência social de reconstituição da autoridade presidencial e de restauração da normalidade econômica. Neste sentido, o estilo decisionista não só foi tolerado, como até mesmo exigido por boa parte da sociedade. Esses três fatores moldaram a estratégia de governo de Kirchner e de Cristina. Mas é necessário fazer certas distinções: algumas das medidas mais controvertidas, como a lei de mídia ou a estatização dos fundos de pensão, não foram aprovadas intempestivamente pelo Executivo, mas enviadas ao Parlamento, que as debateu e introduziu algumas emendas.Do mesmo modo, a decisão de Kirchner de nomear uma Corte Suprema independente e idônea constitui um fator de equilíbrio fundamental, que já lhe custou dores de cabeça. O conflito com o Banco Central é uma amostra de uma estratégia que deu bons resultados no início do mandato, mas agora - em um clima de normalidade que, em parte, se reconhece como consequência de seus acertos - tornou-se definitivamente ineficaz.*José Natanson é jornalista argentino, cientista político e editor da revista "Nueva Sociedad"

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