Estudos da Funai para demarcação em MS assombram agricultor

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Por ROBERTO SAMORA
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O produtor rural Luciano Muzzi Mendes, liderança agrícola no município de Maracaju, a cerca de 170 km ao sul da capital Campo Grande, acordou cedo na segunda-feira para falar à rádio local sobre um assunto que talvez o aflija mais do que uma quebra de safra. Ele foi até os estúdios da modesta Marabá FM para falar sobre uma portaria da Funai publicada na última sexta-feira que regulamenta estudos antropológicos nas terras de dezenas de municípios sul-mato-grossenses, com o objetivo de verificar se algumas áreas, hoje produtivas para o agronegócio, são originalmente indígenas. Com a publicação da portaria, a Funai pode retomar estudos paralisados desde o ano passado, visando eventuais demarcações. Mendes, por sua vez, afirma que o setor já conta com uma liminar que impede quaquer pesquisa se não for feito um aviso prévio de 30 dias aos proprietários rurais do município. "Não vamos permitir nem que seja feito o estudo... O que é difícil barrar, mas vamos tentar ao máximo", afirmou Mendes, presidente do Sindicato Rural de Maracaju, à Reuters, explicando que a liminar é apenas um dos instrumentos a serem utilizados pelos agricultores para protelar qualquer avaliação que possa abrir um processo de demarcação. O Mato Grosso do Sul é um dos principais produtores de soja e milho do Brasil, e também possui uma das maiores populações indígenas do país. A chamada região do "cone sul" do Estado concentra grande parte da população de índios de Mato Grosso do Sul, e é onde está também cerca de um terço da área produtora de grãos. Demarcação de terra indígena em área produtiva, no entanto, não é novidade na região. No começo da década, o governo federal expropriou cerca de 1.200 hectares na região de Dourados (270 km ao sul de Campo Grande), depois que a área foi considerada indígena --os produtores foram reassentados em outro município e só foram indenizados pelas benfeitorias. Essa área expropriada, tal como muitas outras no Estado, foi colonizada em meados do século passado, quando o presidente Getúlio Vargas incentivou por meio das chamadas colônias agrícolas a ocupação do Centro-Oeste brasileiro. E agora muitos produtores temem iniciativas de estudos antropológicos. TRUNFO NA RAPOSA Alguns agricultores de Mato Grosso do Sul traçam um paralelo com o caso da Raposa Serra do Sol, em Roraima, onde o Supremo Tribunal Federal avaliou que a demarcação de terras indígenas deve ser feita em uma área contínua, afetando interesses de arrozeiros --o julgamento no STF ainda não foi encerrado, mas a maioria dos ministros já deu o seu voto. No entando, ressaltam os agricultores, a situação é diferente em Mato Grosso do Sul, pois os donos das terras já são proprietários há décadas. Mendes citou também que, mesmo o julgamento no STF, deve acabar sendo favorável aos sul-mato-grossenses. "O ministro Menezes Direito (do STF) votou para demarcação contínua, mas com 18 ressalvas. Ele citou o marco temporal... Se a aldeia não existia até 1988, ela não pode ser considerada terra indígena." Especialistas avaliam que a votação sobre Raposa Serra do Sol criará uma espécie de jurisprudência sobre demarcação de terras indígenas. Marisvaldo Zeuli, presidente do Sindicato Rural de Dourados, concorda com o seu colega. "Aqui (na região de Dourados), tem uma cadeia dominial de 50 anos, até de 80 anos. Tem colônia agrícola entregue pelo presidente Getúlio Vargas. Aqui não tem terra devoluta, é tudo documentado", destacou Zeuli. Segundo Zeuli, o problema no Estado "não é de terra, mas sim de integrar o índio na sociedade", dando condições para que ele produza. Não havia nenhuma autoridade da Funai imediatamente disponível para comentar as informações, nem em Dourados nem em Brasília.

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