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A hora da reforma tributária

Aprovação da reforma tributária pela Câmara não será uma vitória de Lira ou de Lula, mas de toda a sociedade brasileira. Que os deputados saibam a responsabilidade que têm em mãos

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Por Notas & Informações
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O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), incluiu a reforma tributária na pauta de votações desta semana. Serão dias decisivos para que o País possa deixar para trás um sistema disfuncional, regressivo e complexo, que reúne tantos defeitos que seria impossível descrevê-los neste espaço, e finalmente figurar entre os países que aplicam um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) sobre bens e serviços, modelo conhecido por reduzir a burocracia, facilitar investimentos e estar alinhado às melhores práticas internacionais.

O texto apresentado pelo relator, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), prevê o IVA dual, com uma parcela administrada pela União e outra por Estados e municípios. Para dar fim à nefasta guerra fiscal, a cobrança não mais incidirá na origem, mas no destino. Haverá um período de transição até que o sistema possa ser integralmente implementado; nesse intervalo, os benefícios já concedidos serão mantidos, e o governo federal, tradicionalmente refratário a pagar parte da conta, aceitou dar sua parcela de contribuição a fundos que compensarão os entes federativos prejudicados.

O novo imposto terá uma alíquota única como regra geral. Alguns segmentos terão porcentuais reduzidos em 50%, outros ficarão isentos. Haverá também um imposto seletivo, aplicado sobre bens e serviços cuja compra o governo quer desestimular, como cigarros e bebidas alcoólicas. Regimes paralelos, como o Simples Nacional e a Zona Franca de Manaus, serão mantidos. Muitos detalhes da reforma ficarão para etapas posteriores e serão tratados por meio de projetos de lei complementar – entre eles a alíquota geral, dependente de cálculos a serem realizados pela Receita Federal.

Na falta de argumentos contundentes contra a essência do parecer, os críticos têm tentado estender as discussões e adiar a apreciação da reforma até que suas demandas sejam contempladas. Intensivo em mão de obra, o setor de Serviços prevê milhões de demissões a depender da alíquota a ser definida e, por isso, defende a desoneração da folha de pagamento como forma de compensação – tema que não é tratado nesta etapa da reforma. Já a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) diz que a tributação sobre os itens da cesta básica vai aumentar, desconsiderando a redução de custos ao longo da cadeia do setor.

Governadores de Estados mais ricos, como São Paulo, se colocam contra o Conselho Federativo, pilar da reforma tributária, para manter o recolhimento de tributos que não mais lhes pertencerão. Todos esses pontos têm sido rebatidos pelo secretário extraordinário da Reforma Tributária no Ministério da Fazenda, Bernard Appy.

O debate é obviamente indispensável, mas não é difícil perceber que por trás de muitas das críticas à reforma tributária não está a intenção de aperfeiçoar o texto, e sim obnubilar um inédito clima favorável à aprovação do projeto, deixando tudo como está. “Vamos ser honestos, não precisa de mais tempo. Ou a gente vota a reforma ou não vai votar a reforma. Não são mais 15 dias que vão resolver a questão”, resumiu, em entrevista ao Estadão, o deputado Baleia Rossi (MDB-SP), autor da proposta apresentada ao Legislativo em 2019.

Foram mais de 30 anos até que houvesse convergência entre o Legislativo e o Executivo sobre a reforma tributária, período no qual o crescimento econômico se caracterizou por voos de galinha – com picos cada vez mais baixos e vales cada vez mais profundos. Esse desempenho pífio não é fruto de azar, mas a consequência lógica de um modelo tributário que desestimula a produtividade e a inovação, privilegia setores que se sustentam à base de subsídios e provoca a guerra fiscal entre os Estados.

É evidente que ajustes ao texto são possíveis e desejáveis, como o que o relator pretende acatar para deixar mais claro que não haverá aumento da carga tributária. Mas é chegada a hora de o País fazer uma escolha. Espera-se, portanto, que os deputados saibam o tamanho da responsabilidade que está em suas mãos. A aprovação da reforma tributária não será uma vitória de Lira ou do presidente Lula, mas de toda a sociedade brasileira.