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A realidade fiscal bate à porta

A despeito do otimismo do governo, aumento de receitas não se materializa e despesas continuam a aumentar. Esforço fiscal não funcionará enquanto não houver disposição para rever gastos

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Por Notas & Informações
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O governo elevou a projeção de déficit primário deste ano de R$ 136,2 bilhões para R$ 145,4 bilhões. Segundo o Ministério do Planejamento, boa parte do aumento das despesas foi influenciada por um acordo, por meio do qual a União se comprometeu a compensar Estados e municípios pela redução de ICMS sobre combustíveis. A lei, aprovada pela Câmara e pelo Senado às vésperas da eleição sob intensa pressão do ex-presidente Jair Bolsonaro, gerou um ônus de R$ 4,6 bilhões ao Executivo.

Houve, por outro lado, frustração do lado das receitas, com queda de R$ 9,3 bilhões na projeção da arrecadação previdenciária. O resultado levou o governo a ampliar o bloqueio de despesas discricionárias do Orçamento de R$ 1,7 bilhão para R$ 3,2 bilhões para não descumprir o teto de gastos – regra que, mesmo moribunda, continua valendo enquanto o Legislativo não concluir a tramitação do arcabouço fiscal.

Independentemente das razões, o fato é que a realidade tem suplantado a intenção do governo de reduzir o buraco fiscal deste ano. Em janeiro, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, havia anunciado o objetivo de reduzir o déficit primário de mais de R$ 230 bilhões para 1% do Produto Interno Bruto (PIB), o equivalente a cerca de R$ 100 bilhões.

Para chegar a esse resultado, Haddad contava com medidas para recuperar receitas, como o retorno do voto de minerva do governo no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e vitórias da União em casos de disputas tributárias em tribunais superiores – o que, segundo o ministro, poderia incrementar a arrecadação em até R$ 150 bilhões.

Já à época, muito se falou sobre o otimismo exagerado que o governo havia manifestado com relação a essas receitas. Pois bem: chegou-se à metade do ano sem que elas pudessem ser incorporadas oficialmente no Orçamento. No caso do Carf, a proposta ainda está pendente de aprovação pelo Congresso, enquanto os reflexos das decisões judiciais favoráveis ao governo estão em vias de implementação pela Receita Federal.

As despesas, por outro lado, não apenas se confirmaram, como têm sido elevadas. Além da compensação a Estados e municípios, houve aumento de gastos com benefícios previdenciários e de subvenções e subsídios. Questionado, o secretário de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento, Paulo Bijos, disse que a meta de déficit de 1% é desafiadora, mas sustentou que ainda é crível. “Todo esforço está sendo empreendido no alcance desse resultado”, afirmou. “O que ainda está incerto é o timing das medidas”, reconheceu.

De fato, a maioria das medidas com que o governo conta para aumentar a arrecadação – como a tributação de fundos exclusivos e de apostas eletrônicas – deve ter efeito apenas no último trimestre do ano ou mesmo em 2024. Por outro lado, a revisão dos gastos tributários permanece como um plano teórico ainda distante de se tornar realidade, enquanto a necessária reoneração dos combustíveis, que poderia ter contribuído para melhorar o resultado fiscal, serviu para compensar as perdas do programa de incentivo à compra de veículos.

Não que isso vá gerar alguma punição. Com as compensações do último bimestre autorizadas pela Lei de Diretrizes Orçamentárias, o governo está autorizado a registrar um déficit de até R$ 238 bilhões neste ano. Assim, qualquer esforço adicional para reduzir esse número tende a ser visto como um esforço adicional.

De imediato, o governo terá de lidar, nos próximos dias, com o desgaste de divulgar as áreas a serem atingidas pelo novo contingenciamento. No médio e longo prazos, o problema tende a se agravar, mesmo porque o Congresso limitou o espaço que o governo tinha para bloquear as despesas discricionárias em 25% do total.

A questão de fundo é outra. Quando nem PIB maior e inflação menor são capazes de se refletir em aumento da arrecadação, fica ainda mais claro que qualquer ajuste fiscal que dependa unicamente de receitas e não altere a dinâmica dos gastos não funcionará. Isso, no entanto, é algo que o governo não demonstra qualquer disposição para enfrentar.