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A volta do ‘gasto é vida’

Ao mandar ministros gastarem em obras, Lula explicita visão populista contra a responsabilidade fiscal e mina as poucas alternativas que Haddad tem para reduzir rombo das contas

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Por Notas & Informações
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Se ainda havia alguma dúvida sobre a convicção do governo a respeito da necessidade de cumprir a meta fiscal no ano que vem, o presidente da República terminou de desfazê-la na semana passada. Em uma reunião com ministros da área de infraestrutura, Lula da Silva deu um passo além no processo de desgaste a que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem sido submetido desde que sua promessa de cumprir a meta de déficit zero em 2024 foi solenemente desmoralizada pelo timoneiro petista, no dia 27 de outubro.

“Para quem está na Fazenda, dinheiro bom é dinheiro no Tesouro. Mas, para quem está na Presidência, dinheiro bom é dinheiro transformado em obras”, disse Lula. O presidente orientou ainda que os ministros não deixassem “sobrar dinheiro que está previsto para ser investido”.

A frase de Lula não tem nada de acidental. Em tese, os recursos reservados no Orçamento têm mesmo de ser aplicados nas obras a que se destinam. O Tribunal de Contas da União (TCU), por meio do relatório Fiscobras, já identificou que problemas de fluxo de caixa explicam boa parte dos milhares de obras paradas no País.

Não é, no entanto, a esse problema crônico que o presidente fez referência na semana passada. Lula, na verdade, atacou as poucas ações que o ministro Haddad tem à mão para conter a sangria do gasto público e tentar se aproximar da meta fiscal: os empoçamentos e os contingenciamentos.

Quando um país não arrecada o suficiente para dar conta de seus gastos, é preciso aumentar impostos ou reduzir custos. O impasse em torno dessa questão é que Lula é contra qualquer tipo de corte de despesas, enquanto o Congresso se recusa a aprovar medidas que aumentem as receitas da União.

Nesse contexto, o déficit zero é uma impossibilidade matemática, mas o ministro tem algumas cartas na manga às quais recorrer para melhorar um pouco o resultado primário, como o empoçamento e o contingenciamento.

O empoçamento se dá quando o Orçamento reserva, a uma determinada área, uma quantidade de recursos maior que sua capacidade de gerenciá-la. A “poupança” gerada pelo empoçamento acaba por ser redistribuída no fim do ano ou contribui para um melhor resultado fiscal.

Outro artifício utilizado pelo governo é o contingenciamento de despesas discricionárias. Como não é possível bloquear o pagamento de salários dos servidores e dos benefícios previdenciários, o Executivo corta gastos não obrigatórios, entre os quais investimentos e emendas parlamentares.

O Congresso logo percebeu que o cumprimento da meta dependeria do bloqueio de despesas. Assim, decidiu se antecipar e limitou os contingenciamentos a, no máximo, 25% das despesas discricionárias. Com atraso, Lula agora também se volta contra essas medidas, cobrando dos ministros que encontrem formas de torrar toda verba antes que ela empoce e fique sujeita a ser contingenciada.

O pedido de Lula não é uma defesa da melhoria da execução do gasto público, da realização de investimentos prioritários para a população ou de um esforço para evitar o aumento do estoque de obras paralisadas. É um boicote público às poucas escolhas que Haddad ainda tem para reduzir o déficit público, independentemente das consequências nefastas que essa gastança possa causar na inflação, nos juros e na economia.

O pior é que o presidente nem faz questão de disfarçar sua única e verdadeira preocupação: a eleição de 2026. Ao instar os ministros a serem os “melhores gastadores”, Lula disse que, “se os ministros forem bem, o Brasil vai bem, e eu e o Alckmin (Geraldo Alckmin, vice-presidente) vamos bem, e se vocês não fizerem direito, o Brasil vai mal, e eu e o Alckmin vamos mal”.

Longe de ser uma expressão mal colocada, a frase traduz com exatidão a visão populista de um presidente da República que confunde o desempenho do País com seu sucesso eleitoral. É, nada mais, nada menos, que a versão atualizada da famosa frase da ex-presidente Dilma Rousseff, para quem “gasto é vida”.

Cada vez mais desacreditada, a meta fiscal permanece a mesma, ao menos oficialmente. Desta vez, Haddad deixou a reunião ministerial sem falar com a imprensa. Tampouco teria o que dizer.