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Pesquisador em Educação e doutor em Economia pela Universidade Vanderbilt (EUA), Claudio de Moura e Castro escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Os cavalos de Paracatu e a qualidade da escola

Não necessitamos teorias novas. Nem de tecnologias revolucionárias na sala de aula. É o feijão com arroz cuidado com obstinação

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Meu avô contava o caso dos dois fazendeiros de Paracatu que se encontraram na porta da venda. Por que o seu cavalo está tão formoso e o meu, essa feiura? Simples, diz o amigo, aqui está o segredo: às sete em ponto, todos os dias, faça pipi no dianteiro esquerdo do animal. Só isso. Um ano depois, voltam a se encontrar e estavam formosos os dois cavalos. Não há mistério, estando presente à hora em que o cavalariça cuida dele, materializam-se os muitos desvelos requeridos.

Em educação é igual. O segredo da qualidade é a religiosa atenção a todos os detalhes. E são muitos. É o feijão com arroz cuidado com obstinação. Não necessitamos teorias novas, complicadas ou miraculosas. Nem de tecnologias revolucionárias na sala de aula. Mas, é óbvio, não há por que ser contra a tecnologia e cumpre corrigir os erros mais egrégios.

Para começar, sem gestão competente, nada de bom vai acontecer. O solo do pianista Nelson Freire encanta seu público, do primeiro ao último minuto. Mas se os carregadores do seu piano não se entenderem, brucutu, desaba no chão! Se são muitos para a missão, é preciso coordenar. Portanto, gestão é essencial. Sem líderes capazes de comandar e boas regras instaladas, não há como produzir um bom ensino.

Uma escola precisa definir suas prioridades – poucas. E não pode ficar saltitando de uma para a outra. Todos têm que conhecê-las bem e embarcar nelas de corpo e alma. Não há boas escolas que não pratiquem tais regras.

O diretor é um elo crítico. É o comandante do barco, velando para que todos remem na mesma direção. Entre escolha de coordenadores e do papel higiênico nos banheiros, tem que cuidar de tudo. Nas escolas bem dirigidas, as decisões fluem e o astral é bom. Porém, as escolas públicas carecem dos instrumentos para assegurar a sua boa marcha. Não há punições ou recompensas. As armas são apenas carisma e capacidade de sedução. É pedir demais deles.

Não fosse o bastante, o diretor é escolhido pelos piores métodos. Ou são indicações políticas, passando longe dos melhores candidatos, ou são eleições que politizam a escola e reduzem sua autonomia, tolhida pelas promessas de campanha. Pena, pois há hoje melhores métodos de escolha.

Sua Excelência, o professor. Em suas mãos acontece – ou não acontece – a boa educação. Infelizmente, sua preparação é equivocada. Nem aprendem o que vão ensinar nem aprendem a dar aula. Talvez a maior prioridade hoje seja consertar a sua formação.

E. Hanushek estimou que os alunos de um professor muito ruim ficam meio ano para trás. E os de um muito bom ganham um ano e meio. Ou seja, se trocarmos um muito ruim por um muito bom, seus alunos ganham dois anos! Nada teria impacto comparável.

Porém, selecionamos mal. Tirar boa nota no concurso não identifica a competência do candidato na aula. Diplomas de mestrado ou doutorado tampouco. Só se revela sua aptidão quando é testado em uma sala de aula de verdade. Daí que a seleção deveria ser após um estágio.

Pior, a carreira não é atraente e charmosa. Os salários iniciais são baixos, atraindo poucos dentre os mais talentosos. Pior ainda, a estabilidade garante que, por décadas, péssimos professores permanecerão na sala de aula. Some-se a isso regras lenientes para o absenteísmo.

A avaliação é o GPS da educação. Se não sabemos se o ensino é bom, se melhorou ou piorou, como pilotar essa nave chamada escola? Hoje temos bons sistemas de avaliação – ainda que insuficientemente usados. Mas, como o professor não aprendeu a fazer provas inteligentes, a avaliação pelas notas é fraquinha e premia-se o decoreba.

Formal ou informalmente, qualquer empregado é avaliado ao longo da sua carreira. Os bons avançam, os trôpegos vão ficando para trás. Os professores da rede privada são informalmente avaliados pelos donos das escolas. Por que os sindicatos acham que a única classe que não pode ser avaliada é a dos professores da rede pública?

Há uma ciência e uma arte de dar aulas. Faz um século, espocou uma revolução na sala de aula. E de meio século para cá, as novas ideias foram testadas, através de pesquisas sérias. Por que a maioria ignora esse legado e segue usando métodos que vêm da Idade Média?

Exemplos do que é ignorado: mais ênfase nas habilidades básicas (ensinar menos para aprender mais); o conhecimento se consolida quando a aula é ativa; só se aprende quando se aplica; com bagunça não se aprende.

Por que os erros não são corrigidos? Dentre observadores mais qualificados e serenos, há amplo acordo no diagnóstico e no que precisa ser feito. Mas quase nada acontece. Para obter os módicos avanços que conseguimos, ainda dependemos de líderes heroicos e obstinados. Nos países de boa educação, poucos sabem o nome do ministro.

Demos grandes saltos no passado recente, quando faltava tudo. Agora, a qualidade depende de medidas que pisam nos calos de muitos: mais esforço, mudanças penosas e por aí afora. Para vencer tais resistências, é necessário que a sociedade exija impiedosamente uma educação de qualidade. Infelizmente, isso ainda não acontece. Toleramos a mediocridade na escola. Por isso, temos uma educação medíocre.

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M.A., PH.D., É PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO

Opinião por Claudio de Moura Castro

Pesquisador em Educação e doutor em Economia pela Universidade Vanderbilt (EUA), Claudio de Moura e Castro escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

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