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É hora de aprumar a PGR

Espera-se que, sob nova direção, a PGR volte à normalidade institucional, isto é, dedique-se à sua missão constitucional, e não à defesa de interesses outros que não o interesse público

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Por Notas & Informações
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Espera-se que o fim da entediante novela em que se tornou a escolha do futuro chefe do Ministério Público Federal, com a indicação do vice-procurador-geral eleitoral, Paulo Gonet, para a Procuradoria-Geral da República (PGR), represente a volta da PGR ao leito da normalidade institucional. Em condições normais de temperatura e pressão, esta seria uma aspiração modesta, para não dizer descabida. Mas, nesses tempos esquisitos, ter a PGR atuando novamente no estrito cumprimento de suas atribuições constitucionais, e não como um instrumento de ação política, já será um ganho e tanto para o País.

O Ministério Público, nunca é demais lembrar, tem sua independência funcional assegurada pela Constituição para exercer “a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. Nos últimos anos, porém, houve um completo desvirtuamento das prerrogativas do parquet, em particular da PGR, para levar a cabo essa nobre missão. Seja por abusos de poder, seja por omissões, a perversão da PGR em prol de interesses outros que não o interesse público levou a um quadro de descrédito para a instituição e de insegurança jurídica para o País.

O Brasil precisa de uma PGR normal, como já dissemos. Vale dizer, uma PGR que zele, de fato, por aqueles bens jurídicos que os constituintes originários resolveram incumbi-la de defender. Este jornal não espera muito mais do que isso do sr. Paulo Gonet como futuro procurador-geral da República, caso seu nome seja aprovado pelo Senado. Bastará exercer o papel do Ministério Público determinado pela Lei Maior para que entre para a história como aquele que resgatou a PGR da sarjeta em que foi atirada por alguns de seus antecessores no cargo.

Para recuperar o prumo, a PGR deve se afastar do estado de amorfia moral e funcional que marcou a gestão de Augusto Aras, cuja subserviência ao ex-presidente Jair Bolsonaro e ao atual mandatário, sobretudo ao primeiro, levou à omissão da PGR em alguns dos momentos mais dramáticos para a sociedade brasileira na história recente. Tampouco a PGR sob Gonet há de seguir a direção oposta, isto é, a onipresença desvairada que caracterizou o mandato de Rodrigo Janot. Os males causados por sua atuação messiânica e desafiadora da ordem jurídica à frente da PGR, no auge da Operação Lava Jato, em nome de uma suposta purgação nacional, ainda não foram plenamente superados.

É imperativo, portanto, que a PGR retome sua função primordial: ser a defensora intransigente das leis e da Constituição, independentemente de pressões políticas ou de agendas político-partidárias. Nada mais do que isso. Como instituição republicana, a PGR não pode ser refém de interesses individuais ou corporativos nem tampouco pode ser transformada em arena de disputas de natureza ideológica ou pessoal.

Ao assumir posição tão crucial no arranjo constitucional brasileiro, Gonet deve eleger como prioridade a restauração da integridade institucional da PGR. Isso significa, na prática, conter os ímpetos ativistas de setores do Ministério Público ainda recalcitrantes em submeter suas “causas” ao que determinam as leis e a Constituição e, ao mesmo tempo, afastar a PGR da apatia deliberada quando essa inação do parquet decorre de arranjos antirrepublicanos.

A PGR não pode ser um braço do Poder Executivo, muito menos um instrumento de revanche ou proselitismo ideológico de quem quer que seja. Este jornal anseia por uma PGR que não só resgate a confiança na instituição, mas também reforce o seu compromisso inabalável com as leis, independentemente de quem elas venham a alcançar. Como defendemos nesta página não faz muito tempo, servirá bem ao País um Ministério Público que não seja “nem o algoz de políticos nem o seu servo – só um servo da lei, algoz daqueles que a violam” (ver Por uma PGR normal, de 25/9/2023).

A vigência do Estado Democrático de Direito depende fundamentalmente da autonomia e da integridade dos membros das instituições responsáveis por sua proteção. Gonet há de ter isso em mente à frente da PGR.