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Opinião|Agência de avaliação sim, mas sob condições

Sistema de ensino superior do Brasil não precisa de um ‘elefante branco’ com características burocráticas

Atualização:

O ministro da Educação, Camilo Santana, tem defendido a criação de uma agência reguladora do ensino superior no Brasil e a proposta tem recebido uma série de críticas. A criação de uma agência independente para o ensino superior pode ser bem-vinda desde que não seja de regulação, mas sim de avaliação, assim como já acontece com sucesso em diversos países desenvolvidos. Além disso, é fundamental que sua organização, estrutura e dinâmica estejam ancoradas em parâmetros internacionais e a proposta precisará atender às necessidades efetivas das instituições públicas e privadas.

Ao colocar o tema em debate o ministro não foi feliz ao afirmar, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, que “nada mais justo do que cobrar das instituições, que são privadas, e cujo objetivo é ter lucro”. Atribuir ao setor privado a responsabilidade pela sustentação da nova agência – e pelo motivo alegado – abre espaço para polêmicas, não apenas por ser claramente punitiva ao setor privado, mas também porque gera a percepção equivocada de que todas as Instituições de Ensino Superior (IES) privadas têm fins lucrativos, desconsiderando que as IES públicas também precisam ser avaliadas e devem arcar com os custos.

No passado recente já houve uma tentativa de criação de uma agência reguladora, que não foi adiante. O malfadado Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação Superior (Insaes), proposto durante o governo Dilma Rousseff, teria um orçamento anual de mais de R$ 40 milhões e criaria mais de 500 cargos públicos sem representar nenhuma perspectiva de melhoria no sistema, por isso foi rejeitado.

O sistema de ensino superior do Brasil não precisa de um “elefante branco” com características burocráticas. Nos últimos anos têm sido recorrentes as críticas à burocracia do Ministério da Educação (MEC) e à demora no andamento dos processos. O setor não irá reconhecer a legitimidade de uma agência estabelecida sem diálogo e sem uma profunda reflexão sobre o modelo e a forma como uma agência desse tipo atua e é financiada em países com experiências consolidadas em educação superior.

No Chile, 50% do financiamento da Comisión Nacional de Acreditación (CNE), criada em 2006, vem do setor público, e os outros 50% das taxas cobradas nos processos de avaliação institucional e de cursos. Em Portugal, 100% do financiamento da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES), de 2007, vem das taxas de avaliação. Nos EUA, o Council for Higher Education Accreditation (CHEA) valida os parâmetros de qualidade de seis agências que atuam em diferentes regiões do país. Uma delas é de 1885 e representa os seis Estados da área de New England, que abriga IES como Harvard e MIT. No México, a estrutura é semelhante. O Consejo para la Acreditación de la Educación Superior (Copaes) coordena o processo, mas há várias agências independentes cujo financiamento vem das taxas de avaliação. Em todos esses países as agências têm como objetivo elevar a qualidade do ensino superior e sua atuação é reconhecida pelos respectivos governos.

Atualmente, no Brasil, toda instituição precisa arcar com os custos da avaliação. Nas IES privadas existe dotação orçamentária para isso e, no caso das instituições públicas, o custo é absorvido pelo próprio governo. Então não é absurdo que IES públicas e privadas assumam total ou parcialmente o financiamento da agência, desde que sejam feitos estudos sobre sua viabilidade financeira e da sua estrutura de funcionamento. As evidências demonstram ser viável a existência de uma agência de caráter público, com personalidade jurídica de direito privado e atuação independente. Mas, para trazer benefícios para o sistema de ensino superior brasileiro, sua concepção demanda um novo desenho das funções de organismos como Conselho Nacional de Educação (CNE), Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres), Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (Conaes), e os recursos financeiros que hoje são pagos pelas IES para receber as avaliações deveriam ser destinados à nova agência, cuja finalidade deve ser avaliar e acreditar.

Acima de tudo será fundamental que o debate sobre a criação da agência se baseie em algumas premissas básicas: a) realização de um benchmarking sobre o funcionamento das agências de outros países, para servir de parâmetro; b) promoção de eventos com especialistas e representantes de agências internacionais, para amadurecimento da proposta; c) reordenamento das funções de órgãos governamentais que atualmente são corresponsáveis pelo processo de avaliação, para não gerar sobreposição de funções e custos desnecessários; d) revisão dos parâmetros de avaliação, para que instiguem a inovação e a revisão dos modelos acadêmicos; e) organização da governança da agência, com parâmetros de transparência e compliance; f) valorização da autoavaliação, tendo como princípios a identidade e a diversidade das IES; e g) retomada dos princípios do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) na concepção da agência.

Se o MEC pretende criar uma agência para o ensino superior, a nova autarquia deve ser destinada exclusivamente para avaliação e acreditação, e todos os atores envolvidos precisarão contribuir para o seu modelo, que poderá ser independente como no Chile e em Portugal, ou descentralizado como no México ou nos EUA, ou ainda buscar outra referência que tenha sinergia com o que se deseja para o Brasil. O fundamental neste momento é a construção de uma proposta viável. Não podemos correr o risco de provocar debates pautados no “achismo”, tampouco na negação da ideia de criação da agência.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, ECONOMISTA, DOUTORANDO EM ESTUDOS CONTEMPORÂNEOS E DIRETOR-EXECUTIVO DO SEMESP, ENTIDADE QUE REPRESENTA MANTENEDORAS DE ENSINO SUPERIOR NO BRASIL; E HISTORIADOR, DOUTOR EM HISTÓRIA SOCIAL E DIRETOR DE INOVAÇÃO ACADÊMICA E REDES DE COOPERAÇÃO DO SEMESP

Opinião por Rodrigo Capelato

Economista, doutorando em Estudos Contemporâneos, é diretor-executivo do Semesp, entidade que representa mantenedoras de ensino superior no Brasil

Fábio Reis

Historiador, doutor em História Social, é diretor de Inovação Acadêmica e Redes de Cooperação do Semesp