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Opinião|Transição energética pode muito, mas não tudo

Conceito importante no rol de medidas necessárias para deter a mudança climática está se convertendo em conceito vago e sem respaldo na realidade

Por Arthur Sousa

A emergência climática trouxe para o debate um conceito importante em sua essência, mas que está sendo desgastado pelo uso indiscriminado e equivocado. Há diversos conceitos importantes que caíram no mais absoluto lugar-comum e se tornaram inócuos no mundo dos negócios e dos governos, tornando o conceito propalado à exaustão sem efeito, apesar da relevância que sustenta. Falo da transição energética, um termo que se tornou uma espécie de resposta global institucional e/ou corporativa nos compromissos de governos e/ou empresas para combater as mudanças climáticas. Não raro, fala-se em transição energética como sinônimo de economia de baixo ou carbono zero (net zero). Evidentemente, processos de mudanças de fontes de suprimento de energia, em benefício de alternativas não fósseis, contribuem para a busca de uma economia de baixo carbono, mas convém dizer que isso não é um fluxo natural ou tão direto quanto se imagina ou se propagandeia.

Ao compreendermos o termo transição energética como algo que busca uma mudança dos processos, precisamos entender igualmente que isso não será igual nem entre os países, tampouco entre os setores econômicos que carecem de tal insumo energético.

A transição energética é um conceito que pode auxiliar agentes públicos e privados a preservar a atual meta mundial: segurar o aquecimento global em até 1,5°C, conforme recomendou e orientou o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), no Acordo de Paris. Definir esse conceito de forma mais adequada pode, inclusive, oferecer um dado mais real sobre o esforço que cada indústria, setor, atividade ou país poderá oferecer para o alcance de tais metas.

Trabalho desenvolvido pela firma global EY mostra que companhias de mineração, metais, petróleo e gás enfrentam agora um enorme desafio para o enquadramento de suas cadeias de suprimento ou de produção em soluções energéticas que fortaleçam “o sistema (de suprimento energético) atual” e possam permitir que se “desenvolvam para o futuro”, quando outras fontes e modelos mais sustentáveis não serão mais um desafio, mas uma realidade. E cada setor ou atividade vive um desafio diferente, o que impõe a cada um ajuste próprio ao seu limite, ao seu esforço, ao seu compromisso. Como pondera a EY, o setor de mineração e metais está, por exemplo, sendo instado a dizer por que a transição energética não poderá ser feita sem o setor mineral. Lembremos que essa é uma atividade que contribui com grandes volumes de emissões, e sobre ela está a vigilância de muitos stakeholders.

O uso de tal termo como sinônimo de uma solução definitiva não é realista. Na transição energética podem caber também mudanças mais sutis, como, por exemplo, o uso de gás natural ao invés de óleo combustível na alimentação de uma caldeira. Como se vê, também neste caso estamos falando de transição energética, embora ainda não seja uma solução para carbono zero.

A perspectiva da indústria do petróleo ou dos geradores de energia (renováveis ou não) será própria a estes quando se trata de transição energética. Talvez o que tais agentes considerem como conceito de transição seja (e com grande certeza é) diferente do que pensa o consumidor comum ou mesmo os setores primário, secundário e terciário da economia.

A agricultura e a indústria extrativa mineral, invariavelmente grandes demandantes de energia, tenderão a compreender e necessitar de uma transição de fontes de energia de forma muito diferente daquelas da indústria de transformação ou mesmo do setor de serviços. Um produtor rural que busque eficiência no uso da energia para viabilizar a irrigação das áreas de produção talvez esteja promovendo uma considerável transição energética em seu microambiente.

Por óbvio que este artigo não pretende esgotar a discussão do conceito de transição energética. O que se busca é propor uma reflexão sobre como devemos categorizá-la neste esforço atual de discussões globais. O Brasil preside o G-20 atualmente e cabe a nós estabelecermos balizas para a discussão racional e ao mesmo tempo urgente da transição energética.

Da parte dos tomadores de decisão, compreender o que seja de fato a transição energética pode evitar o risco de as companhias apostarem em metas inexequíveis ou pouco críveis.

Uma vez estabelecidos tais objetivos, o recuo representa invariavelmente um grande desgaste reputacional. Da mesma forma, é também fundamental que as autoridades públicas, financiadores, investidores, membros de conselhos de administração e especialistas em energia compreendam a multiplicidade deste desafio e não assumam compromissos que simplesmente não serão cumpridos.

Entender as especificidades de cada um ajudará a estabelecer políticas, planos de negócio e ações mais justos e aderentes às necessidades. É evidente que a pressão por metas existe e vai aumentar, mas vale refletir direito o que cabe a cada parte. A transição energética não deve ser entendida unicamente como a solução de todos os problemas das empresas em relação ao suprimento de energia. A transição energética pode ajudar muito, mas não pode tudo.

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SÓCIO-DIRETOR DA SERVTEC ENERGIA, CONSELHEIRO DO INSTITUTO DE ENERGIA E MEIO AMBIENTE, MEMBRO DA MOBILIZAÇÃO EMPRESARIAL PELA INOVAÇÃO DA CNI, FOI CEO DA GDSUN E VICE-PRESIDENTE DA CONCREMAT, EMPRESA DO GRUPO CHINÊS CCCC

Opinião por Arthur Sousa

Sócio-diretor da Servtec Energia, conselheiro do Instituto de Energia e Meio Ambiente, membro da Mobilização Empresarial pela Inovação da CNI, foi CEO da GDSUN e vice-presidente da Concremat, empresa do grupo chinês CCCC