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Opinião|Governo de SP no centro é reparação histórica

Foram vários os equívocos que transformaram a região central de São Paulo em um local de passagem, e não de permanência

Por Gabriel Rostey

O anúncio do novo centro administrativo do governo paulista no bairro dos Campos Elíseos é algo a celebrar num país tão pobre de consciência e bons exemplos urbanísticos.

Para muito além do problema da Cracolândia, a medida é positiva em si, por promover uma espécie de “reparação histórica”. A partir de meados da década de 1960, foram vários os equívocos que transformaram a região central de São Paulo num local de passagem, e não de permanência, como a criação do Minhocão e demais viadutos, a construção de terminais de ônibus no lugar de praças e parques e a transferência dos poderes municipal e estadual para outros bairros. Agora, Tarcísio de Freitas repete o acerto de Marta Suplicy em 2000, quando devolveu a administração municipal para o centro, mas dá um passo além: a mudança será acompanhada de um projeto urbanístico que impulsionará a transformação de uma área tão abandonada e cheia de potencial.

Um acerto em especial é a realização do concurso público, prática infelizmente quase esquecida no País, que se habituou a ver dinheiro público jorrando para projetos de “amigos do rei”, como a Cidade Administrativa de Minas Gerais, uma bilionária nave espacial que pousou em área desvalorizada de Belo Horizonte, fruto de projeto encomendado a Oscar Niemeyer; e o novo Vale do Anhangabaú, cujo projeto conceitual foi elaborado pelo escritório do badalado urbanista dinamarquês Jan Gehl. Escolhidos sem concorrência, não por acaso, são retumbantes fracassos do ponto de vista urbanístico.

A desativação do terminal de ônibus e a volta da Praça Princesa Isabel são outras notícias positivas. Hoje, com GPS, Bilhete Único e demais inovações tecnológicas, os terminais não são necessários como no passado, e é fundamental que locais como a Princesa Isabel, a Praça da Bandeira e o Parque Dom Pedro II voltem a ser áreas verdes para pessoas, em vez de estacionamentos para ônibus, especialmente numa cidade que entendeu a necessidade de qualificar seus espaços públicos e vê consistentes avanços em sua malha sobre trilhos.

As quatro quadras previstas para intervenção direta, em combinação com o já existente Plano de Intervenção Urbana (PIU) Setor Central, podem de fato ser indutoras de desenvolvimento na região, que em direção ao Bom Retiro e à Barra Funda tem densidade habitacional muito baixa para área tão central e dotada de toda infraestrutura urbana, como parque, equipamentos culturais e estações de trem e metrô. Possivelmente, haverá quem grite contra o suposto risco de “gentrificação”, termo surrado hoje em dia, colocado sem critério em qualquer discussão que envolva melhorias em um bairro, e que é especialmente nonsense para esses locais com grande incidência de imóveis subutilizados.

A transferência da administração estadual também será positiva para o solucionamento da Cracolândia, ainda que sozinha não seja suficiente, pois se trata de uma questão complexa que também envolve segurança e saúde públicas. Entretanto, a mudança na dinâmica da região, com os 22 mil funcionários do governo estadual que habitualmente circularão por lá, será fundamental para reverter o sustentado esvaziamento no qual uma anomalia como a Cracolândia se estabelece e prospera.

Um dos principais desafios da proposta é a real capacidade de atração de parceiros privados para viabilizar investimentos tão altos na Parceria Público-Privada (PPP) prevista para a realização do complexo. Também merecerá especial atenção a fase de obras, que durará alguns anos e, como toda obra, sempre acaba trazendo transtornos para a região impactada, independentemente do quão positivo possa ser o que vier depois. Na área de intervenção, que pode ser totalmente desapropriada, há alguns grandes prédios residenciais que, caso o projeto vencedor do concurso indique a demolição, podem tornar a área ainda mais vazia durante a fase de implantação, além de aumentar os custos de desapropriação.

É questionável a decisão de manter a residência oficial do governador no atual Palácio dos Bandeirantes, a mais de 13 quilômetros da futura sede, o Palácio dos Campos Elíseos. Tampouco faz muito sentido a anunciada ampliação da área expositiva do Acervo Artístico-Cultural dos Palácios do Governo no bairro do Morumbi, afinal, é região de baixa densidade de moradores, basicamente residencial e sem estação de trem ou metrô a uma distância caminhável. Um espaço museológico como esse teria muito mais impacto na cidade se ficasse em bairro com maior facilidade de acesso e maior número de residentes. Caso contrário, é destinado a ter um perfil elitizado e para poucos visitantes.

No melhor dos mundos, seria um concurso internacional de arquitetura. De todo modo, são novidades muito acima das expectativas. Agora, a bola está com os arquitetos brasileiros e a comissão julgadora para que, após tantos planos abstratos e décadas de entrevistas coletivas sobre a tal “revitalização” da região, finalmente um projeto concreto ajude a mudar o eixo de poder, investimentos e simbologia na capital paulista.

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CRIADOR DO CANAL E PODCAST ‘CONVERSAS URBANAS’, CONSULTOR EM POLÍTICA URBANA, PATRIMÔNIO CULTURAL E TURISMO, FOI MEMBRO DO CONSELHO MUNICIPAL DE POLÍTICA URBANA DE SÃO PAULO E SECRETÁRIO-GERAL DA ASSOCIAÇÃO PRESERVA SÃO PAULO

Opinião por Gabriel Rostey

Criador do canal e podcast 'Conversas Urbanas', consultor em política urbana, patrimônio cultural e turismo, foi membro do Conselho Municipal de Política Urbana de São Paulo e secretário-geral da Associação Preserva São Paulo