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Opinião|Nossa força não cabe em um dia!

Valorizar a equidade dos direitos da população negra brasileira é saber que a pauta racial deve estar na mesa todos os dias do ano

Todos os dias são da Consciência Negra. Nossa luta, nossa dor e nossa força não cabem apenas em uma data no calendário anual. Mas o mês de novembro é a oportunidade de levar a nossa voz para uma elite predominantemente branca e patriarcal que ainda vê as conquistas do povo que sofre com a exclusão resultante de três séculos e meios de escravidão como meras concessões benevolentes. Não! O dia 20 de novembro, que marca o aniversário do assassinato de Zumbi dos Palmares, morto por defender nossa identidade e nossa liberdade, simboliza a luta diária que precisa ser vencida por cada homem, mulher, menino e menina negros neste país.

Promessas de mudanças são sempre pautadas em sangue negro derramado, mas logo esquecido. “I can’t breathe” (“Não consigo respirar”), disse George Floyd em 25 de maio de 2020, enquanto era covardemente assassinado por um policial branco em Minneapolis, Estados Unidos. Manifestações explodiram pelo país, líderes políticos prometeram mudanças, mas o povo negro segue como alvo preferencial da violência de Estado.

Naquele mesmo ano, no Brasil, na véspera de um 20 de novembro, João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, foi espancado até a morte por seguranças de uma famosa rede de supermercados após ser “confundido com um bandido”. Indignação, revolta, promessas… e continuamos sendo confundidos com bandidos ou suspeitos.

A violência racial se mostra de muitas formas. No final de 2022, uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que as pessoas brancas têm um rendimento mensal quase duas vezes maior do que pessoas pretas. Em relação ao desemprego, brancos são 11,3% dos desocupados, enquanto negros, quase 33%. Entre os empregados, negros ocupavam apenas 29,5% dos cargos gerenciais. Esse porcentual sobe para 69% entre os brancos.

Grandes organizações são fundamentais para impulsionar a diversidade e a inclusão no mercado corporativo, promovendo ações com foco na temática ESG que possam contribuir com uma sociedade mais inclusiva e equitativa. É imperioso investir em políticas que fortaleçam a relação empresarial com uma sociedade majoritariamente negra. De acordo com a pesquisa Melhores para o Brasil 2023, empresas de capital aberto com práticas ESG que incluam essa preocupação têm retorno financeiro 615% superior no médio e longo prazos. Essas lideranças também são até três vezes mais otimistas em relação ao mercado geral brasileiro.

Valorizar a equidade dos direitos da população negra brasileira é saber que a pauta racial deve estar na mesa todos os dias do ano. Além de políticas que favoreçam a diversidade racial entre colaboradores, é importante apoiar nossos projetos sociais, artísticos e culturais, estudar mais sobre a cultura do Brasil não branco, os hábitos de consumo fora das grandes metrópoles ou periferias, que hoje representam 80% da população, desenvolver programas de treinamento e conscientização sobre igualdade racial e diversidade para funcionários em todos os níveis da empresa, estabelecer políticas de diversidade e inclusão que abordem especificamente questões relacionadas à igualdade racial e à negritude.

Ao criar ou patrocinar iniciativas de valorização das nossas cultura e identidade, essas empresas põem em prática políticas ESG de máxima assertividade. Por isso, seguimos lutando por espaços – em todos os lugares – para que, num futuro breve, tenhamos uma sociedade igualitária e antirracista. É uma luta diária que não cabe somente em um dia ou mês.

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PRODUTOR CULTURAL, CINE-DOCUMENTARISTA, CEO DA CULTNE TV, ATIVISTA DO MOVIMENTO NEGRO E FUNDADOR DO CULTNE, INSTITUTO DEDICADO À MEMÓRIA DA POPULAÇÃO NEGRA, QUE REÚNE O MAIOR ACERVO DIGITAL SOBRE A CULTURA NEGRA DA AMÉRICA LATINA

Opinião por Dom Filó