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Opinião|Nunca mais é agora

As forças em choque na Faixa de Gaza representam, assim como na 2.ª Guerra Mundial, modelos opostos de civilização

Desde a 2.ª Guerra Mundial, o significado do dia de hoje nunca foi tão importante e atual.

Quase oito décadas depois do fim dos combates na Europa, a liberdade está novamente ameaçada. Não a dos judeus, mas a de todos os que acreditam na Justiça, nos valores humanos e no respeito à pluralidade e às diferenças.

No século passado, judeus, ciganos, LGBTQIA+, pessoas com deficiência e adversários políticos foram assassinados pelos nazistas, que acreditavam na sua própria superioridade racial. Sob a indiferença e o silêncio de boa parte do mundo, escolheram o terror e a morte para tentar transformar sua monstruosa ideologia em realidade concreta.

Em 2024, os 136 reféns mantidos pelos terroristas do Hamas na Faixa de Gaza representam muito mais do que os 6 milhões de judeus mortos por Hitler. Cada criança, mulher, homem, jovem e pessoa idosa assassinada ou sequestradas pelo Hamas representa, de fato, as bilhões de pessoas que habitam o planeta Terra atualmente.

Talvez muitos dos que acusam falsamente Israel de apartheid ou de genocídio nem se deem conta, ou prefiram, por oportunismo político, fingir que não sabem: o que acorre no Oriente Médio não é uma guerra por território e muito menos pelas legítimas aspirações nacionais de judeus e de palestinos. As forças em choque na Faixa de Gaza representam, assim como na 2.ª Guerra Mundial, modelos opostos de civilização.

De um lado, o Hamas, movimento terrorista que oprime as mulheres e as minorias e que rejeita a liberdade e a pluralidade como valores universais a serem adotados e defendidos. O Hamas não é um fato isolado. Sua aliança com o Irã e com outros regimes ditatoriais é um fenômeno que precisa ser compreendido e enfrentado, com absoluta urgência. Quanto mais tarde isso ocorrer – e ocorrerá –, maior será a conta a ser paga por todos nós. Hoje, é uma opção. No futuro, não será. O projeto do Hamas passa por um novo Holocausto e pela globalização do islamismo radical, com a formação de uma grande nação regida unicamente pelo Corão. Que isso jamais sirva para generalizações. A maioria do mundo muçulmano interpreta a sua religião de outra forma, mais aberta, humana e generosa. Os exemplos práticos aí estão. Países como Egito, Jordânia e Emirados Árabes Unidos já compreenderam que a paz e a cooperação são o melhor caminho. Em momentos diferentes, assinaram acordos de paz com Israel. Desde então, não houve mais guerras. Em vez de tiros e bombardeios, florescem o intercâmbio cultural, o turismo, os investimentos e a compreensão.

Do outro lado do conflito atual está Israel, com sua imprensa livre, eleições e respeito pelas minorias, entre elas, os aproximadamente 1,5 milhão de árabes muçulmanos que têm cidadania israelense. Muitos são médicos, juízes, artistas, políticos, empresários e jogadores de futebol, defendendo, inclusive, a seleção israelense. Não é um país perfeito, mas é uma democracia.

Guerras nunca são boas. Há vítimas inocentes nos dois lados, dor e sofrimento. Nada disso estaria acontecendo, porém, se o Hamas aceitasse um pré-requisito básico: o direito à existência de Israel, com seu modelo de sociedade que, se legitimada, significaria o total esvaziamento de poder das teocracias radicais que usam pessoas como escudo e que manipulam a opinião pública com desinformação. É a incapacidade de aceitar a liberdade e a democracia que explica, em grande parte, o ódio contra Israel. Não é a religião ou as mentiras propagadas pelas redes sociais que estão na base do conflito. É a ganância pelo poder na sua pior dimensão: impor, oprimir, matar. O Hamas, realmente, é a resistência. Contra a lei, contra a moral e contra a liberdade. Basta passar os olhos pelo seus estatutos e buscar informações amplamente disponíveis na internet sobre suas práticas de governo, incompatíveis com qualquer discurso político de esquerda, centro ou direita que se diga democrático.

Nós, brasileiros, temos um modelo de convivência harmoniosa, que deveria servir de exemplo ao mundo. Em vez disso, assistimos ao triste espetáculo da partidarização burra de um conflito que ultrapassa, em relevância e significado, qualquer disputa eleitoral imediata. É absurdo, mas real: diante do maior massacre de judeus depois do Holocausto, as manifestações antissemitas cresceram em todo o mundo. No Brasil, aumentaram em 1.000%.

A História nos ensina, desde que saibamos aprender. Entre 1939 e 1945, dois modelos de civilização também se enfrentaram. De um lado, a visão racista e totalitária. Do outro, os defensores da liberdade e da Justiça, que venceram, mas a um preço elevado. Como resultado desse choque, cerca de 60 milhões de pessoas morreram e outras dezenas de milhões sofreram e sofrem com traumas físicos e psicológicos.

O ONU estabeleceu 27 de janeiro como o Dia Internacional da Lembrança do Holocausto. Hoje, nossas orações e nosso respeito se voltam aos que pereceram de fome e de frio nos bombardeios e sufocados nas câmaras de gás, parte da mais monstruosa máquina de extermínio construída pelo homem.

Lembrar é o único jeito de impedir que se repita. “Nunca mais!” é a expressão utilizada para reafirmar a certeza de que o Holocausto jamais se repetirá. Assim, as sombras do passado se transforam em luz no presente. A memória do Holocausto vive. É o compromisso inegociável com a vida e com o futuro que reafirmamos hoje.

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OFTALMOLOGISTA, É PRESIDENTE DA CONFEDERAÇÃO ISRAELITA DO BRASIL (CONIB) E DO CONSELHO DELIBERATIVO DA SOCIEDADE BENEFICENTE ISRAELITA BRASILEIRA ALBERT EINSTEIN. E-MAIL: CLAUDIO@EINSTEIN.BR

Opinião por Claudio Lottenberg

Oftalmologista, é presidente da Confederação Israelita do Brasil (Conib) e do Conselho Deliberativo da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein. E-mail: claudio@einstein.br

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