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Opinião|Antissionismo e antissemitismo

Como distinguir as críticas legítimas a determinadas políticas de Israel de comentários antissemitas? Esse é o desafio que se coloca atualmente

Por Fábio Tofic Simantob

Desde o julgamento Ellwanger, no Supremo Tribunal Federal (STF), no início dos anos 2000, o antissemitismo é crime imprescritível, pois assim dispõe a Constituição federal com relação ao racismo, ao qual o antissemitismo é equiparado.

Segundo o artigo 20 da Lei 7.716/1989, o antissemitismo pode se dar na forma de preconceito religioso, étnico ou nacional. A dificuldade de identificar esse crime decorre muitas vezes da própria dificuldade de definir o que é judeu. Judeu é uma raça, como decidiu o STF? Ou é uma religião? É uma etnia ou nacionalidade? Talvez seja um pouco de tudo isso.

A História acabou dolorosamente nos ensinando que quem define quem é judeu é o perseguidor. Basta ver como os nazistas foram longe na árvore genealógica das pessoas para detectar um mínimo laivo de procedência judaica.

É no século 19 que o povo judeu passa a ser visto como nação que aspira a um lar nacional.

Nem todo judeu, porém, se identificava como sionista. Durante muito tempo o termo sionista foi usado entre os judeus para designar apenas aqueles que desejavam efetivamente migrar para Israel e ajudar a construir o recém-criado Estado judeu.

Alguns eram até vistos com certo desprezo por judeus mais tradicionais, em razão de sua inclinação socialista, como era a dos primeiros sionistas. De todo modo, a ideia de identificar todo judeu como sionista veio muito mais de fora do que de dentro da comunidade judaica. E é por essa razão que merece preocupação.

É assim que, com a criação do Estado de Israel, sob a acusação de dupla lealdade – espécie de antissemitismo bem conhecida, desde pelo menos o caso Dreyfus –, judeus soviéticos passam a ser perseguidos pelo regime stalinista.

Como nos conta o historiador Léon Poliakov, um dos primeiros a abrir os arquivos soviéticos, com o salvo-conduto do termo sionista, o regime distancia-se dos inimigos históricos da revolução, dizendo que não estava perseguindo judeus, como faziam o czar e os nazistas, mas apenas processando sionistas.

Mais recentemente, sobretudo a partir da década de 1960, diante de algumas medidas de governos israelenses contra a população palestina, como as ocupações de Gaza e da Cisjordânia e assentamentos ilegais, o termo sionismo passa a ser usado de forma mais pejorativa.

Alguns intelectuais costumam dizer que o termo sionismo é sempre no plural, porque o sionismo pode ser tanto o direito à autodeterminação do povo judeu, tal qual proclamada por Herzl no século 19, como o sionismo real, implantado em 1948, ou, ainda, o sionismo de direita, que passou a dominar a política israelense a partir da década de 1970, ou de extrema direita, mais recentemente no poder.

Essa complexidade do termo ajuda a camuflar as ofensas antissemitas. Não há dúvida de que o antissemitismo moderno se utiliza do termo sionista para legitimar discursos antijudaicos. A bússola de Amos Oz parece ser útil. Enquanto o antissemita europeu do século 19 dizia “judeu, volte para a Palestina”, o antissemita contemporâneo exige: “Judeu, fora da Palestina”.

Como, então, distinguir as críticas legítimas a determinadas políticas de Israel de comentários antissemitas? Esse é o desafio que se coloca atualmente.

Do ponto de vista do Direito Penal, como visto, o crime precisa induzir ou instigar o preconceito em razão de raça, cor, religião ou origem nacional, ou, no caso da injúria racial, ofender a honra de alguém aludindo a uma dessas qualidades.

Logo se vê, portanto, que simplesmente criticar essa ou aquela política israelense, ainda que duramente, não configura, por si, antissionismo, e muito menos antissemitismo. Críticas duríssimas são feitas por historiadores, jornalistas e intelectuais israelenses e judeus.

Agora, mesmo um judeu que não se identifica completamente como sionista em sentido estrito acaba se sentindo agredido por discursos que usam o termo de forma pejorativa. E o letramento antirracista nos ensina que importa mais o sentimento do indivíduo afetado pela ofensa do que a análise objetiva do caráter ofensivo da expressão verbalizada.

Quando se diz, pois, que o sionismo precisa ser exterminado, como se tem ouvido de alguns, não há como dissociar tal afirmação de uma intenção de induzir ou incitar o ódio e a violência contra judeus como um todo.

Da mesma forma, colocar sionismo na forma de insulto, associando-o a outros termos ofensivos, como ratos, como se viu recentemente, tem o manifesto condão de induzir ao ódio contra judeus. É o termo sionista sendo usado como forma de camuflar uma ofensa direta a judeus.

A própria negação da aspiração judaica de autodeterminação tende a configurar antissemitismo, na medida em que incute a ideia de que o povo judeu faz jus a menos do que outros povos.

É possível ser crítico até da forma como se deu o estabelecimento do lar judaico no território onde antes era a Palestina, sem que para isso precise negar ao povo judeu o direito à sua autodeterminação, o direito de ser livre e existir no seu próprio Estado.

A questão é delicada e complexa. Seja como for, a melhor forma de debater a questão Israel-Palestina é evitar generalizações, tratando os fatos como são, sem rótulos ou adjetivações genéricas, que, como a História ensina, servem tão bem para disseminar o ódio e a desinformação.

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ADVOGADO

Opinião por Fábio Tofic Simantob

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