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Opinião|O clima pede coragem

Não há mais uma só vida protegida da iminência do aquecimento global. Resta a esperança na economia de baixo carbono como rota para prevenção das catástrofes naturais

Por Marcelo Thomé

Entre nós, brasileiros, a partir de agora, tratar de desenvolvimento sustentável exigirá alguma referência à tragédia do Rio Grande do Sul, com respeito às irreparáveis perdas humanas e reconhecimento de agravantes sociais e raciais nas suas causas e efeitos. Ninguém nega que a alagação de 80% das terras gaúchas atinge pessoas de todas as classes e quebra empresas de todos os portes, mas isso não muda a dura e velha realidade, essa que sempre castiga mais quem tem menos.

Cresci no Rio de Janeiro, onde chuvas de verão flagelam favelados. Vivo na Amazônia há quase 30 anos, onde enchentes e secas alternam o penar de comunidades excluídas. A tragédia nos Pampas também é mais cruel com os mais pobres, a diferença é o aviso que ela trouxe para os mais ricos.

As mudanças climáticas são democráticas por natureza. Elas acontecem para todos. Com o aquecimento do planeta, o topo da pirâmide social não vai seguir imune às tragédias por vir a galope. É urgente a mudança de atitude.

Acusar países que enriqueceram poluindo e alegar um suposto direito de também poluir pode até ser um desabafo, mas seria uma estratégia suicida, com sofrimentos mais imediatos para os países pobres que para os ricos – assim como as pessoas mais pobres perecem agora, sem que isso vá livrar as mais ricas das consequências da crise do clima.

O Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro precisa fazer o dever de casa e repensar a dimensão socioambiental da economia. O programa Nova Indústria Brasil acerta por seu conteúdo ancorado na sustentabilidade e dá esperança de uma agenda nacional de colaboração público-privada. Também devemos ter altivez na COP-30, aqui no Brasil, na Amazônia. Não é aceitável que os organismos multilaterais sigam tão passivos se as nações escrevem as regras do jogo. Hora de exigir e fazer destravar o financiamento climático.

Com o Acordo de Paris, em 2015, prometeram limitar o aquecimento global em 1,5ºC. No relatório Estado Geral do Clima 2023, a Organização Meteorológica Mundial (WMO), órgão das Nações Unidas, afirma que a temperatura média global subiu 1,45ºC. Mas tanto à sombra de uma sumaúma em alguma comunidade amazônica, quanto no conforto de um escritório com ar-condicionado na Avenida Paulista, as pessoas me dizem que o calor já aumentou bem acima de 2ºC. Não é um estudo, é o que sentimos na pele.

Em diferentes medidas, ações localizadas têm repercussão global e todas importam. Essa consciência move a mudança de paradigma que buscamos na Amazônia com um movimento empresarial pela produção sustentável, inclusiva, com inovação tecnológica e conservação da floresta. Resultados já acontecem. Bom exemplo é a Facility de Investimentos Sustentáveis. Trata-se de uma ferramenta capaz de conectar investimentos e filantropia com projetos e oportunidades na Amazônia, orientando capital em escala para financiar negócios sustentáveis e contribuir no desenvolvimento social, econômico e ambiental na região.

A democratização dos riscos climáticos já se impõe à injustiça climática. As pessoas e as nações mais ricas não podem estar alheias a essa nova realidade, mas a reação é lenta. Não há mais uma só vida protegida da iminência do aquecimento global. Resta a esperança na economia de baixo carbono como rota para prevenção das catástrofes naturais. O Brasil tem inteligência, potencial e capacidade para ser protagonista na nova cultura de produção e consumo que o mundo precisa para viver em paz. O que nos falta, talvez, seja a coragem que a vida sempre pediu da gente. Sem tempo, o pedido, posto tão sentidamente por Guimarães Rosa, tornou-se urgente para a sobrevivência de todos nós.

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VICE-PRESIDENTE DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE INDÚSTRIA (CNI), PRESIDENTE DA FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE RONDÔNIA (FIERO), É CEO DO INSTITUTO AMAZÔNIA+21

Opinião por Marcelo Thomé

Vice-presidente da Confederação Nacional de Indústria (CNI), presidente da Federação das Indústrias do Estado de Rondônia (Fiero), é CEO do Instituto Amazônia+21