Foto do(a) page

Conheça o Espaço Aberto na editoria de Opinião do Estadão. Veja análises e artigos de opinião em colunas escritas por convidados e publicadas pelo Estadão.

Opinião|O necessário combate às fraudes contábeis

Ilícitos comprometem o combustível que alimenta o funcionamento dos mercados: informação. Por isso são o grande pesadelo do ‘xerife’ do mercado de capitais

No mercado de capitais, para que um investimento em ações seja celebrado, é necessário o estabelecimento de um preço justo estipulado a partir de diferentes tipos de informações sobre as companhias (situação econômico-financeira, projetos futuros, etc.). De fato, a disponibilidade de informações acerca dos emissores de valores mobiliários é um elemento-chave para a alocação eficiente de recursos e crescimento da economia. Neste contexto, o mercado de capitais rege-se pelo princípio do full and fair disclosure.

George Akerlof, que recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 2001, no seu trabalho seminal denominado The Market for Lemons, em 1970, demonstrou que o problema de assimetria informacional pode levar ao colapso do mercado. Segundo seu trabalho, o problema da seleção adversa faz com que empresas de boa qualidade abandonem o mercado pois não conseguiriam se financiar por preço justo. Isso porque o investidor não consegue diferenciar o joio do trigo e acaba reduzindo o preço que ele está disposto a pagar pelas empresas boas; no fim, sobrariam apenas as empresas ruins no mercado.

Em razão disso, as fraudes contábeis são algo extremamente grave, pois resultam na perda de credibilidade das informações financeiras que são divulgadas ao mercado. E, quando o mercado perde a confiança nos balanços da empresa, nas informações que são apresentadas pelos seus executivos, ele simplesmente se recusa a prover capital para aquela empresa. Se já é acionista, vende, ou, se não é, só aceita pagar um preço muito baixo para fazer frente ao risco pela falta de informação.

As companhias abertas divulgam informações por meio de diversas formas e canais, e as demonstrações financeiras são consideradas o principal meio de disclosure corporativo deste tipo de sociedade. Isso porque: 1) precisam seguir normas rígidas de elaboração, isto é, os relatórios não são preparados com base nas escolhas da administração; 2) são auditadas por uma empresa externa e independente; e 3) passam pelo escrutínio dos mais diversos órgãos da administração, incluindo os próprios executivos, conselho de administração – e, em determinados casos, o comitê de auditoria – e também o conselho fiscal.

A literatura lista três funções principais exercidas pelas demonstrações financeiras no contexto do mercado de capitais. São elas: a função informacional; a função contratual; e a função de governança.

A função informacional da contabilidade tem como objetivo principal a redução da assimetria informacional no mercado. A ideia subjacente é de que a divulgação de informações contábeis reduz a assimetria aproximando os níveis de informação entre os participantes do mercado, visto que uma informação que antes era privada, pois apenas os controladores e/ou aqueles com informação privilegiada lhe tinham acesso, torna-se pública. Dessa forma, o nível de assimetria informacional diminui à medida que aumenta o nível de divulgação, ou seja, têm uma relação inversa.

Adicionalmente, a divulgação de informações financeiras aumenta a eficiência do mercado, na medida em que provê informações úteis que possibilitam aos investidores avaliar decisões de investimento. A lógica é de que a disponibilidade de informações diminui o grau de incerteza dos investidores a respeito dos resultados futuros da empresa.

No que tange à função contratual, as demonstrações contábeis são a base para a formação de diversos tipos de contratos entre os mais diversos stakeholders. Os credores, por exemplo, sabendo que os gestores podem assumir riscos maiores que os desejados, impõem determinadas restrições, os chamados covenants. Os contratos de remuneração dos administradores da sociedade são geralmente baseados em métricas como Ebitda, lucro, retorno sobre patrimônio (ROE), etc., extraídas a partir dos balanços da empresa.

Neste mesmo contexto, tem-se ainda o pagamento dos dividendos, que pode ser visto como um contrato entre a empresa e os investidores, que é baseado no lucro contábil. Os contratos entre a empresa e o governo, no que diz respeito ao pagamento de alguns tributos, são similares aos contratos com os investidores, visto que o valor a ser pago de Imposto de Renda decorre do resultado apurado pela contabilidade.

Por fim, as demonstrações financeiras têm uma função de governança, na medida em que a divulgação de informações possibilita um monitoramento dos administradores da empresa. A ideia é de que melhorias no processo de monitoração dos gestores tendem a reduzir as ações oportunísticas. Logo, os balanços atuam na proteção dos direitos dos investidores, visto que as demonstrações contábeis apresentam informações sobre como os recursos estão sendo utilizados.

Em conclusão, o combate às fraudes contábeis é fundamental para que possamos ter um mercado de capitais líquido e abrangente. Tais ilícitos comprometem o combustível que alimenta o funcionamento dos mercados: a informação. Por isso, quando acontecem, tornam-se um grande pesadelo para o xerife do mercado de capitais.

*

É PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE CONTABILIDADE E ATUÁRIA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP)

Opinião por Fernando Dal-Ri Murcia