O dia 25 de setembro foi um marco para o desenvolvimento seguro de um país europeu, a Espanha. Há mais de 40 anos espanhóis comemoram o acordo sobre o saneamento e reforma da economia e também o que versa sobre a reestruturação jurídica, política e social, que se converteram em paradigma mundial de diálogo e convivência democrática entre todas as facções políticas e forças territoriais, incluindo os nacionalistas bascos e catalães. Os pactos propiciaram à Espanha iniciar o caminho da modernização que a levou a integrar-se à União Europeia e a ter um dos períodos mais longos de harmonia e prosperidade de sua História.
Antes do Pacto de Moncloa a Espanha era uma economia intervencionista e que sofria as consequências de uma grave crise econômica mundial, causada, principalmente, pelo encarecimento dos preços do petróleo, consequência da Guerra do Yom Kippur, entre israelenses e árabes. O produto interno bruto espanhol (PIB) era de 9,1 bilhão de pesetas, equivalente a US$ 3 mil por habitante, um crescimento real de 2,8%, porém com pequeno consumo privado (1,5%). O déficit público, (2%) não era preocupante, mas não incluía organismos autônomos ou empresas públicas e privadas. A inflação disparava, chegando a beirar os 30%. O índice de desemprego chegou aos 25%, com mais de 5 milhões de desempregados. O peso do chamado setor primário era muito alto. Dos 12,5 milhões de trabalhadores empregados em 1977, 2,5 milhões estavam na agricultura e mais de 5 milhões no setor de serviços. O turismo levou à Espanha 34 milhões de visitantes, a metade do que era previsto.
O setor empresarial mesclava monopólios e oligopólios controlados em sua maior parte pelo Estado. Era uma economia intervencionista e rígida, sem poder competitivo. Sua moeda teve desvalorização de aproximadamente 20%. Com esse sistema político, econômico e social não havia outra saída. Daí a construção de um sólido acordo nacional. O presidente de governo Adolfo Suárez, recém-eleito, encarregou a Enrique Fuentes Quintana (economia) e Fernando Martovell (política) que se enfrentassem as dificuldades visando a corrigir a economia espanhola, combatendo a inflação, o desemprego e o forte déficit exterior.
Era o Pacto de Moncloa. “Ou democratas acabam com a crise econômica ou a crise acaba com a democracia.”
Convidados, todos os espanhóis, franquistas, partidos de esquerda, sindicatos e empresários, constituíram a Confederação Espanhola de Organizações Empresariais (Ceoe). O objetivo era um ajuste geral para chegar a uma Constituição para todos.
Formou-se uma equipe que se encarregou de redigir um texto técnico, base para todos os pactos. O documento foi discutido pelas lideranças espanholas. O líder socialista Felipe González teve papel importante nas discussões com essas lideranças.
Os pactos não foram prorrogados por questões eleitorais, mas foram fundamentais para o restabelecimento e o saneamento econômico, político e social e assentar as bases para o crescimento do país.
Em matéria política o acordo permitiu remover as restrições à liberdade de imprensa. Os pactos de Moncloa foram fundamentais para consolidar a democracia na Espanha.
No Brasil volta-se a falar em Pacto Federativo, estabelecido na Carta Magna de 1988 como um conjunto de regras constitucionais que determinam as obrigações legislativas, financeiras, os campos de atuação dos Estados (entes federados). Cada Estado tem autonomia e gestão da máquina pública, dentro de suas competências; capacidade de criar as próprias leis, obedecidas as regras constitucionais; autogovernança, isto é, a capacidade de eleger seus representantes nos Poderes Legislativo e Executivo local.
A ideia do pacto define como serão distribuídos os tributos arrecadados pela União entre os Estados e os municípios.
Como é sabido, cada Estado tem despesas compulsórias, que o governo não pode alterar, uma vez que têm destino garantido (previdência e salários dos servidores, pagamento da dívida pública e Fundo Partidário). As chamadas despesas vinculadas recebem um porcentual das receitas (saúde, educação) – como exemplo, o Estado de São Paulo e as verbas para as universidades públicas (USP, Unesp, Unicamp) e para a Fapesp. As despesas discricionárias podem ser manejadas com mais liberdade.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, declarou em entrevista ao Estadão que é necessário alterar os termos do atual Pacto Federativo, notadamente no que diz respeito aos gastos obrigatórios dos entes federativos. Para este ano a previsão é que 93% do orçamento da União seja composto por despesas obrigatórias e vinculadas e apenas 7% sejam livres para o governante decidir suas prioridades.
O ministro pensa em descentralizar o controle das despesas para que cada Estado e município possa definir de que forma serão gastos os recursos que lhes são direcionados, sem dependerem de uma decisão do órgão federal. O Pacto Federativo de Paulo Guedes desobrigaria os Estados, os municípios e a própria União de fazer investimentos mínimos em certas áreas. Além disso, o atual sistema financeiro/tributário deveria ser simplificado e modernizado. O projeto brasileiro deve também se ocupar das questões ligadas ao agronegócio, segurança pública, investimentos públicos, desestatização e confissões premiadas, dentre outros.
Aprovada a reforma da Previdência, logo deveremos conhecer os detalhes do Pacto Federativo e se, a exemplo do Pacto de Moncloa, ele contribuirá para a segurança jurídica, a paz social e o desenvolvimento econômico seguro e sustentado do Brasil.
*PRESIDENTE DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS JURÍDICAS (APLJ), DO CONSELHO SUPERIOR DE ESTUDOS AVANÇADOS(CONSEA/FIESP) E MEMBRO DO CONSELHO DE ÉTICA DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA