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Opinião|O Rio Grande do Sul agradece

O Estado vai saber se reconstruir, porque não estamos sozinhos. E isso ficou evidente nestas horas tão difíceis

Não há palavras suficientes em todos nós gaúchos para dizermos obrigado a todo o nosso Brasil. O sentimento em nossa gente é exatamente o mesmo em cada parte do Estado. O Rio Grande do Sul sabe que precisa agradecer de todas as formas aos milhares de cidadãos deste país que estão fazendo tanto pelo Rio Grande, fazendo chegar aqui cargas de donativos e doações que são também mais que materiais: são apoios sobre-humanos de gente que se deslocou para ajudar e, muitas vezes, colocando a própria vida em risco, salvando pessoas e animais de estimação, resgatando idosos, mulheres e crianças, famílias inteiras ilhadas há dias. Sem essa ajuda, não poderiam sair do lugar nem sobreviver. As forças de segurança não davam conta, sozinhas, deste imenso desafio. Havia famílias inteiras isoladas, sobrevivendo há dias com um resto de leite e sem comida.

Nossa tragédia, infelizmente, ainda tem pela frente capítulos bastante difíceis. As águas dos rios descem agora para regiões mais baixas, ao sul do Estado. E novas chuvas ameaçam regiões ribeirinhas nas quais até então eram poucas as famílias atingidas, como no oeste. Os números são assustadores desde que este drama começou. Não só pelas vidas perdidas, mas em razão do contingente de pessoas que ficaram desabrigadas, em alguns casos, cidades inteiras.

Foi emocionante ver caminhões em comboio pelas estradas, como um deles, vindo de Chapecó, em Santa Catarina, para tentar chegar a regiões afetadas de todo o Rio Grande. Foram cenas inesquecíveis aéreas, mostrando o comboio tentando chegar. Aeronaves cedidas e cheias de donativos. Foi muito significativo vermos as correntes de apoios que se formavam e os postos de recolhimento de doações se enchendo de itens não perecíveis e do trabalho incansável de pessoas, todas voluntárias, algumas sendo elas próprias vítimas dessa enchente, que, como sabemos, já é a maior da nossa história. Eram relatos de homens que ajudavam mesmo tendo perdido família. Um deles perdera a mulher afogada, outro não conseguira resgatar outros familiares, mas, mesmo assim, estavam ali, doando sua força, seu tempo, a vitalidade que lhes restava.

O Rio Grande do Sul precisa agradecer a toda a sua gente e ao Brasil inteiro. Fomos e somos um povo bravo, historicamente, que não teme as adversidades e as enfrenta com todas as suas forças. Mas somos nada sem os outros. Nós nos ajudamos uns aos outros. Fomos sempre, em muitos momentos deste nosso país, a força na direção contrária, estendendo ajudas a outras regiões e levando alimentos, roupas, colchões e apoios a quem tanto precisava. Desta vez, fomos nós que precisamos. E a vida é sempre assim. Agora, somos nós que vemos este espetáculo de humanismo e solidariedade em favor de nós mesmos. Gratidão é a palavra.

Impossível não restarmos com a voz embargada, com as palavras a sumirem, diante dos olhos marejados de nossa gente em meio a tanta dor e a perdas, neste inacreditável cenário. E impossível não nos emocionarmos quando vemos que seus rostos misturam as marcas da dor com o consolo da ajuda que recebem. Suas expressões faciais comovem ainda mais. Em cada olhar perdido, uma força que vem da alma. Em cada rosto cansado e onde o choro nem mais é possível, resta um traço de esperança. O Brasil é isso mesmo. E ainda bem.

O Rio Grande do Sul serve hoje a uma mensagem de que na vida o que nos torna humanos é essa capacidade de enxergarmos uns aos outros e estendermos auxílio no que é possível para amenizar seu sofrimento. Obrigado a todas as tantas milhares de pessoas que de todo o País e até de países aqui vizinhos nos fizeram chegar ajudas e nos fazem acreditar que ainda possamos construir um futuro diferente. Em termos ambientais, globais, mas também políticos, locais e, principalmente, em termos de sensibilidade, como humanos.

Resta que saibamos render também a justa homenagem aos que trabalharam nessas operações de salvamento: Corpos de Bombeiros, policiais civis e militares, as Forças Armadas, médicos, enfermeiros, psicólogos e outros profissionais de saúde. Muita gente. E aos jornalistas, ao trabalho da imprensa, que sem sensacionalismo, com muita sensibilidade e abnegação, estiveram dias e dias enfrentando aqueles tantos cenários, na escuridão das ruas alagadas, nas cidades sem luz, no corpo a corpo para salvar por água ou por ar as pessoas que precisavam, preservando vidas. E documentando e registrando tudo, levando informação séria e precisa. Orgulho de ser jornalista, de formar jornalistas sempre com essa consciência e lucidez sobre nosso papel profissional e nossa função social.

O Rio Grande do Sul vai precisar ser reconstruído. Vai saber se reconstruir. Porque não estamos sozinhos. E isso ficou evidente nestas horas tão difíceis. Obrigado ao Brasil, obrigado a cada cidadão deste nosso país.

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PROFESSOR DE JORNALISMO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA

Opinião por Geder Parzianello

Professor de Jornalismo da Universidade Federal do Pampa