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Opinião|Pela dignidade humana

Há, como tem havido faz muitas décadas, espaço para o estreitamento das relações entre o Brasil e o Japão

Foto do author Jorge J. Okubaro

Nem o churrasco, sugerido pelo presidente Lula da Silva, nem o okonomiyaki, o prato típico de sua Hiroshima natal defendido pelo primeiro-ministro Fumio Kishida (contra a suposta preferência brasileira pelo yakisoba). A curta passagem do governante japonês pelo Brasil talvez possa ser mais apropriadamente marcada por palavras menos saborosas, mas densas de significado neste mundo conturbado: dignidade humana, liberdades democráticas, direitos humanos e sustentabilidade.

São expressões que constam de documentos divulgados pelos dois governos após o encontro de seus dirigentes em Brasília, foram citadas algumas vezes por Kishida e, após a palestra do dirigente japonês na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, destacadas por seu diretor, Celso Campilongo, como pontos comuns do ideário da tradicional instituição do Largo São Francisco e das aspirações do dirigente japonês para as relações entre seu país e a América Latina. São também o desejo dos que querem um mundo de paz e no qual eventuais conflitos sejam resolvidos por meio de negociações.

As declarações de Lula e Kishida à imprensa na semana passada, quando Lula sugeriu ao dirigente japonês que provasse um churrasco local, para se convencer de que o Japão precisa importar carne brasileira, mostraram um ambiente de camaradagem entre eles. Pessoalmente, Kishida havia visitado o Brasil em 2013, na condição de ministro dos Negócios Estrangeiros de seu país. O presidente Lula esteve no Japão em maio do ano passado como convidado de Kishida para a reunião do G-7, que se realizou em Hiroshima.

Mas as relações entre o Brasil e o Japão já foram mais próximas. O fato de a última visita oficial de um primeiro-ministro japonês ao Brasil ter sido em 2014 (quando Shinzo Abe se encontrou em Brasília com a presidente Dilma Rousseff; ele retornou em 2016, apenas para o encerramento dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, quando se iniciou a contagem regressiva para os Jogos de Tóquio) mostra um certo distanciamento.

Pontos de convergência de interesses entre eles há muitos. De lado a lado são citadas iniciativas que marcam essa convergência, que começou no dia 5 de novembro de 1895, com a assinatura, em Paris, do Tratado de Amizade, Comércio e Navegação. O início da imigração japonesa no Brasil, no dia 18 de junho de 1908, quando desembarcaram em Santos 781 japoneses trazidos pelo navio Kasato Maru, é, provavelmente, o marco mais lembrado do relacionamento entre os dois povos. O governo japonês estima que haja 2,7 milhões de descendentes de japoneses vivendo no Brasil. É, de longe, a maior população de origem nipônica fora do Japão. De outra parte, calcula-se de que de 210 mil a 215 mil brasileiros vivam hoje no Japão.

No plano econômico, Kishida lembrou, em artigo publicado na imprensa e em declarações feitas no Brasil, que 680 empresas japonesas atuam em todo o território brasileiro e citou a cooperação entre os dois países no desenvolvimento do Cerrado por meio do programa Prodecer. No diplomático, afirmou que defende a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que “deve refletir melhor a realidade global do século 21″, como afirma a nota conjunta dos dois governos. Brasil e Japão querem ter assento permanente nesse órgão central da ONU.

Talvez o fato que mais preocupe o Japão, no seu relacionamento com o Brasil, mas sobretudo em seu papel diplomático e econômico internacional, seja a ascensão da China nos últimos anos, quando superou a economia japonesa como a segunda maior do mundo.

No ano passado, o Japão foi o nono parceiro comercial do Brasil. A corrente de comércio alcançou US$ 11,7 bilhões. O Brasil exportou US$ 6,6 bilhões para o Japão e importou de lá US$ 5,1 bilhões. Em 2023, o Japão foi o sétimo maior investidor direto no Brasil.

São números expressivos, mas que perdem o viço quando comparados aos do relacionamento do Brasil com a China. No ano passado, as exportações brasileiras para a China somaram US$ 104 bilhões, o que corresponde a mais de 15 vezes o total exportado para o Japão. Em 2001, as exportações brasileiras para a China eram de apenas US$ 1,9 bilhão.

Há, como tem havido faz muitas décadas, espaço para o estreitamento das relações entre o Brasil e o Japão. No Fórum Econômico Brasil-Japão, em São Paulo, Kishida falou do programa de neoindustrialização do governo Lula e citou o interesse do Japão em hidrogênio, amônia e biomassa. Lembrou que o Brasil é próspero em recursos alimentares, energéticos e minerais, tendo por isso potencial grande para a cooperação bilateral. A China também pensa assim.

Em 2025, as relações diplomáticas entre Brasil e Japão completarão 130 anos. “No ano que vem vamos fazer uma grande festa no Japão”, disse Lula, ao lado de Kishida, no Palácio do Planalto. O relacionamento econômico, diplomático, social, cultural, gastronômico e de outras naturezas merece, de fato, uma festa. Mas talvez seu fortalecimento precise de mais ações dos dois governos e da área privada do que de bons diagnósticos e discursos bem intencionados.

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JORNALISTA, É AUTOR, ENTRE OUTROS, DO LIVRO ‘O SÚDITO (BANZAI, MASSATERU!)’ (EDITORA TERCEIRO NOME) E PRESIDENTE DO CENTRO DE ESTUDOS NIPO-BRASILEIROS (JINMONKEN)

Opinião por Jorge J. Okubaro

Jornalista, é autor, entre outros, do livro 'O Súdito (Banzai, Massateru!)' (Editora Terceiro Nome)