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Mediação de uma ilegalidade

A greve dos petroleiros desmoraliza o instituto da greve e a própria Justiça do Trabalho

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Por Notas e Informações
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Há poucos dias, o ministro Ives Gandra Martins Filho, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), declarou ilegal a greve dos petroleiros iniciada no dia 1.º deste mês. No entender do ministro, a paralisação, liderada pela Federação Única dos Petroleiros (FUP), “tem motivações políticas e desrespeita ostensivamente a lei de greve e as ordens judiciais de atendimento às necessidades inadiáveis da população em seus porcentuais mínimos de manutenção de trabalhadores em atividade” (90%). O ministro Ives Gandra Filho autorizou a Petrobrás a aplicar “eventuais sanções disciplinares” – inclusive a demissão de grevistas – e fixou o pagamento de multas diárias que variam de R$ 250 mil a R$ 500 mil a todos os sindicatos envolvidos na greve.

Sob quaisquer ângulos que se analise esta paralisação, o que se tem é uma completa desmoralização da greve como justo instrumento de que dispõem os trabalhadores para fazer valer os seus interesses. Neste episódio, igualmente desmoralizada ficou a Justiça do Trabalho.

Parte dos petroleiros – a FUP afirma que são 15 mil, cerca de 80% dos 18,5 mil trabalhadores federados – decidiu cruzar os braços após a Petrobrás anunciar a decisão de fechar a Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados do Paraná (Fafen-PR), localizada no município de Araucária. A empresa tem registrado sucessivos prejuízos, razão para o anúncio de seu fechamento, há pouco mais de um mês.

O encerramento das atividades da Fafen no Paraná causará a demissão de 396 funcionários diretos e 600 indiretos, aproximadamente. É compreensível o drama das famílias afetadas pelo fechamento da fábrica. No entanto, não é razoável esperar que uma empresa defina sua estratégia de negócios e tome ou deixe de tomar decisões em linha com essa estratégia, por mais duras que sejam, movida pelo sentimento de empatia por aqueles que serão diretamente afetados por aquelas decisões. Frise-se que a Fafen-PR é deficitária há alguns anos e, sendo a Petrobrás uma empresa de economia mista, sua renitente operação deficitária cobra a conta de um número muito maior de cidadãos do que os que estão diretamente ligados à empresa.

Inadmissível seria a Petrobrás desrespeitar os funcionários da Fafen-PR, ignorar seus direitos e praticar outros atos em desacordo com as leis. Mas, a julgar pela decisão do ministro Ives Gandra Filho, não parece haver desrespeito e tampouco ilegalidades no que concerne ao fechamento da empresa paranaense.

Sob o ponto de vista estritamente pragmático, a paralisação produziu um efeito que, a bem da verdade, se volta contra os próprios petroleiros. Não há qualquer indicador de que nestas três semanas de greve tenha havido queda na produção petrolífera ou problemas na distribuição de derivados. Em entrevista ao Estado, o presidente da Petrobrás, Roberto Castello Branco, afirmou que “nenhum barril de petróleo deixou de ser produzido nem refinado” no período de greve dos petroleiros.

A FUP recorreu da decisão do ministro Ives Gandra Filho. Mais do que isso: a FUP ignorou uma decisão do TST e manteve a greve enquanto seu recurso era julgado pela desembargadora Rosalie Michaele Bacila, do Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região. A magistrada determinou a suspensão das demissões na Fafen-PR até que a Petrobrás e os representantes dos petroleiros cheguem a um acordo.

Não só a decisão da magistrada desrespeita a determinação de instância superior, como põe o Poder Judiciário como mediador de um acordo a respeito de uma greve já declarada ilegal pela própria Justiça do Trabalho. O próprio ministro Ives Gandra Filho se dispôs a intermediar as conversas, marcando audiência em seu gabinete entre a Petrobrás e a FUP a fim de tratar da paralisação que ele declarou ser ilegal. As esquisitices do Poder Judiciário são menos raras do que o desejável, mas a mediação de uma ilegalidade é novidade.