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O governo ‘fraco’ abriu para negócios

Mal começou, governo Lula admite não ter base sólida e quer driblar a lei para liberar R$ 3 bi em emendas a deputados que não teriam direito a elas; eis o modo petista de governar

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Por Notas & Informações
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Segue vivíssima na cabeça do presidente Lula da Silva a ideia segundo a qual a construção de uma base de apoio ao governo no Congresso pode prescindir da negociação política em torno de projetos e se dar por meio da relação mercantil com parlamentares oportunistas dispostos a vender seus votos por dinheiro. “O uso do cachimbo entorta a boca”, diz o provérbio. Ao que parece, as lições dos escândalos do mensalão e do petrolão, durante o mandarinato lulopetista, e do orçamento secreto, urdido por Jair Bolsonaro, não foram assimiladas nem pelos que compram nem pelos que vendem convicções.

O Estadão revelou que o Palácio do Planalto abriu para negócios e articula com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), maneiras de driblar a lei para garantir que 219 deputados federais de primeiro mandato, empossados há poucos dias, possam dispor de cerca de R$ 3 bilhões do Orçamento de 2023 em emendas parlamentares, algo em torno de R$ 13 milhões para cada deputado.

De acordo com a lei, esses parlamentares não têm direito de indicar nem um centavo em emendas para suas bases eleitorais em 2023. A razão é simples: o Orçamento de 2023 foi elaborado no ano passado. Os 219 novatos, portanto, só poderão indicar emendas ao Orçamento de 2024, a ser elaborado pela nova legislatura.

Mas, ao que parece, essa vedação legal elementar é apenas um detalhe diante da urgência do governo Lula de criar uma base de apoio para aprovar projetos de seu interesse e da necessidade de Arthur Lira de retribuir todos os 464 votos que garantiram sua reeleição para a presidência da Câmara por um placar recorde. Caso clássico de cortesia com chapéu alheio.

As tratativas são tão escancaradas que nem um petista de quatro costados, como o deputado Jilmar Tatto (PT-SP), um dos possíveis beneficiários do acerto, faz questão de esconder seus propósitos. “Se o governo estivesse forte”, disse Tatto ao Estadão, “poderia não dar (emendas) para os novos. Mas tem uma reforma tributária, não dá para pagar para ver. Se não for esse valor (R$ 13 milhões por deputado), uma parcela significativa vai ter.”

Ainda não se sabe exatamente de que forma, do ponto de vista técnico, os deputados novatos serão agraciados com os R$ 3 bilhões do Orçamento de 2023, mas, a julgar pela disposição dos petistas, alguma “mágica” será feita. Ninguém duvida.

Se o governo é “fraco”, como admitiu o deputado petista, porque os eleitores não elegeram parlamentares alinhados ideológica e programaticamente ao presidente da República, o correto – e republicano – seria o presidente Lula apresentar ao País um programa de governo digno do nome e despachar seus emissários políticos para negociar a construção de maiorias com o Congresso. É assim que funciona, ou deveria funcionar, o presidencialismo de coalizão, um regime tão característico do País.

Numa democracia, é legítima a divisão de poder entre forças políticas representativas da sociedade, seja por meio da distribuição de cargos na administração pública direta e indireta, seja pela disposição de recursos do Orçamento da União. Mas essa negociação, evidentemente, tem de se pautar pelo respeito às leis e à Constituição, além de ser orientada pelo interesse público.

O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, confirmou ao Estadão a existência de tratativas entre o governo e a presidência da Câmara para liberar recursos do Orçamento de 2023 aos deputados recém-empossados. “Se (os novatos) tiverem bons projetos, boas propostas”, disse Padilha, “podem ser contemplados pelo governo.” Como sempre, o PT julga que os fins justificam os meios: se os projetos forem “bons” (para quem, não se sabe) e se os parlamentares premiados votarem com o governo, dá-se um peteleco na lei e no interesse público.

A abertura desse balcão de negócios com pouco mais de um mês de governo é bastante ilustrativa da visão desvirtuada de Lula e do PT sobre a natureza da relação entre os Poderes Executivo e Legislativo. Indica também como alguns parlamentares, logo no primeiro mandato, já se mostram dispostos a colocar seus interesses paroquiais acima das leis e de uma agenda de reconstrução nacional.